Acórdão nº 13334/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelCATARINA JARMELA
Data da Resolução14 de Julho de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

*I - RELATÓRIOS……… – Segurança, SA, intentou no TAF de Sintra a presente acção de contencioso pré-contratual contra a E…….. – Empresa ………………, SA (E……….), indicando como contra-interessadas P……….. – Empresa …………., SA (P…….), E……… – Portugal de …………., SA (E……..), C………. – Prestação ………………., SA (C………), e S……….. – Serviços ……………, SA (S…………..), e na qual peticionou a: - declaração de ilegalidade do artigo 7º n.º 1.2. alínea c), do programa do concurso público para aquisição de serviços de segurança e vigilâncias das instalações da E........, cujo anúncio foi publicado no DR, 2ª Série, de 20.5.2015 (anúncio de procedimento n.º 3046/2015); - anulação da deliberação do Conselho de Administração da E........, datada de 30.9.2015, que excluiu a sua proposta do referido concurso público e adjudicou à P........... a aquisição de serviços; - condenação da ré a abster-se de celebrar o contrato com a P........... ou a anulação do mesmo, caso seja entretanto celebrado; - condenação da ré a admitir a sua proposta, a adjudicar-lhe a aquisição dos serviços objecto do referido concurso público e a celebrar com a mesma o competente contrato.

Por decisão de 10 de Março de 2016 do referido tribunal a presente acção foi julgada improcedente e, em consequência, absolvida a entidade demandada de todos os pedidos.

Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões: “I.

A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se, fora das situações de proposta de preço anormalmente baixo, é legal exigir a justificação do preço. A resposta é claramente negativa.

II.

O direito de iniciativa económica privada e o direito de propriedade de empresas privadas encontram-se consagrados, respectivamente, no artigo 61º n.º 1 e 82º n.º 3 da nossa Constituição, os quais abrangem a liberdade do empresário de gerir a empresa que lhe pertence de acordo com os seus próprios critérios e opções de gestão.

III.

Apenas a própria Constituição ou a lei podem restringir a liberdade de gestão empresarial (cf. Mário Esteves de Oliveira, Parecer junto aos autos, pág. 97-98).

IV.

Não há na lei disposição que delimite os termos em que o preço duma prestação de serviços deva ser formado e proposto ou que imponha que esse preço inclua todos os custos inerentes à prestação do serviço em causa (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Fevereiro de 2013, proferido no processo 0912/12 e de 16 de Dezembro de 2015 proferido no processo 01047/15, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Janeiro de 2015, proferido no processo 11661/14 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19 de Junho de 2015, proferido no processo 1646/14.SBESNT) V.

O único limite inferior que foi introduzido pelo legislador ao princípio da liberdade de gestão empresarial é o regime do preço anormalmente baixo (cf. artigo 55° da Diretiva 2004/18/CE, artigo 69º da Diretiva 2014/14/EU e artigo 71.º do CCP) VI.

Nem o legislador comunitário nem o legislador nacional estabelecem qualquer outra restrição à liberdade de gestão empresarial que não o regime do preço anormalmente baixo.

VII.

O respeito pela liberdade de gestão empresarial impõe que, fora dos casos do preço anormalmente baixo, ninguém se possa imiscuir no modo como a empresa organiza a sua actividade e como calcula e reparte os custos respectivos (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 01029/15.0BEPRT) VIII.

Estando apenas a Constituição ou a lei habilitadas a restringir a liberdade de gestão empresarial, não havendo lei que exija a justificação do preço das propostas através da sua decomposição nas suas diversas componentes (a não ser no caso de proposta de preço anormalmente baixo), não poderão as entidades adjudicantes, nas peças dos respectivos procedimentos, restringir tal liberdade, exigindo a justificação do preço que não seja anormalmente baixo.

IX.

Pelo que a justificação do preço exigida pela E........ no presente procedimento não se trata de "boa administração" como decidiu a sentença recorrida, antes se trata de uma restrição à liberdade de gestão empresarial proibida pelo artigo 61º n.º l da nossa Constituição, e como tal, ilegal.

X.

O Principio da Concorrência, agora expressamente exarado no artigo 18 (1) da Directiva 2014/24, tem que ser interpretado em conformidade com a pré-existência do Princípio geral de concorrência de direito europeu, tal como consagrado nos artigos 101º a 109º do TFUE.

XI.

A adopção, no âmbito da contratação pública, de práticas anti concorrenciais, isto é, susceptíveis de impedir, limitar ou restringir a concorrência, constituirá violação directa do TFUE.

XII.

O legislador do CCP consagrou, como um dos princípios conformadores da contratação pública, o princípio da concorrência (artigo 1.º n.º 4 do CCP).

XIII.

Sendo esse um corolário do princípio exarado no artigo 81.º al. e) da Constituição da República Portuguesa de que incumbe ao Estado assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas.

XIV.

Em termos semelhantes aos do direito comunitário, também no CCP foi consagrado que "o programa do concurso pode conter ainda quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência" (artigo 132.º n.º4 do CCP).

XV.

Sendo esse um eco da proibição exarada no artigo 9.º da Lei da Concorrência de proibição de adopção de comportamentos que tenham por objecto ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.

XVI.

Concluindo-se que também o legislador nacional expressamente aludiu à proibição da adopção, pelas entidades adjudicantes, de práticas procedimentais que impedem, restringem ou falseiem a concorrência (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 01 029/15.0BEPRT) XVII. A revelação do modo como o concorrente chegou ou construiu determinado preço a propor vai levar a que os outros concorrentes fiquem numa posição de total conhecimento e percepção do modo como aquele concorrente decide os preços que vai praticar e os factores determinantes para esse efeito, o que permite aos outros concorrentes inferir ou antecipar os preços futuros que esse concorrente praticará no mercado.

XVIII.

O direito concorrencial nacional e comunitário opõe-se, terminantemente, ao estabelecimento de qualquer contacto, directo ou indirecto, entre operadores económicos que permita às empresas concorrentes que operam num dado mercado conhecer a estratégia dos seus concorrentes e adaptar a sua política comercial em função desta.

XIX.

Uma prática, seja qual for a sua forma, da qual resulte a possibilidade de obtenção de dados individualizados sobre as intenções em matéria de preços, é, pela sua própria natureza, prejudicial ao normal e correto funcionamento da concorrência (ver parágrafos 62, 73, 74 e 86 das Orientações da Comissão Europeia sobre a aplicação do artigo 101º do Tratado).

XX.

Concluindo-se que a exigência de justificação do preço constitui uma prática restritiva da concorrência na medida em que determina a divulgação de informação estratégica que permite aos agentes económicos antecipar o comportamento dos demais no mercado, potenciando a colusão.

XXI.

A abertura ilimitada da possibilidade das entidades adjudicantes impedirem os concorrentes de formarem livremente os preços das suas propostas constituiria uma contradição insanável no regime jurídico da concorrência previsto no TJUE, em consonância com o qual tem que ser interpretado o regime da contratação pública.

XXII.

Seria razoável que nos mercados privados a fixação de preços pelos agentes económicos seja punível como prática anti concorrencial com sanções elevadíssimas, permitindo-se, ao invés, às entidades adjudicantes no mercado da contratação pública uma prática semelhante não sancionada? Permitirá o artigo 101 º do TFUE uma interpretação que exclua a sua aplicação ao mercado da contratação pública? A resposta só pode ser negativa.

XXIII.

Não se vê razão para, existindo propostas de preço diferentes - situação que apenas espelha uma sã concorrência - os mesmos tenham que ser justificados.

É que XXIV.

No sistema da lei não há qualquer obrigatoriedade de os preços das propostas apresentados em procedimentos concursais tenham que ser preços racionalmente ponderados e que a sua fixação deva resultar de operações e cálculos aritmética e empresarialmente apropriados (cf. Mário Esteves de Oliveira, Parecer, pág. 53) XXV.

No sistema da lei não há qualquer obrigatoriedade de o preço proposto para um determinado contrato cobrir os custos decorrentes desse contrato, não havendo obstáculo legal que impeça o concorrente de repercutir os custos de um determinado contrato noutros contratos (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Fevereiro de 2013, proferido no processo 0912/12).

XXVI.

No sistema da lei não há qualquer obrigatoriedade de o preço ter que cobrir os chamados custos laborais e sociais obrigatórios (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18 de Dezembro de 2015, proferido no processo n.º 01029/15.0BEPRT, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Dezembro de 2015, proferido no processo 0657/15, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2015, proferido no processo 01047/15, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 01255/15) XXVII.

Sendo assim, como efectivamente é, a exigência da apresentação de nota justificativa do preço que não possa ser considerado anormalmente baixo não serve nenhum interesse público relevante já que, ainda que a mesma revelasse que o preço proposto não reflectia os custos laborais e/ou sociais inerentes ao contrato a celebrar, a proposta não poderia ser...

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