Acórdão nº 13191/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução16 de Junho de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO · ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA A DEFESA DO CONSUMIDOR - DECO, pessoa coletiva de utilidade pública, domiciliada para efeitos judiciais na Rua Nova da Trindade, 1, 5º S, em 1200 - 301 Lisboa, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa intimação para prestação de informações contra · AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES ICP – ANACOM, com sede na Av. José Malhoa, 12 em 1099 - 017 Lisboa.

Pediu o seguinte no Tribunal Administrativo de Círculo: - Acesso à informação estatística relativa à identificação do número de pedidos que foram efetuados relativamente aos kits DTH e aos anexos suprimidos nos documentos 5 a 9 juntos ao r.i.

* Após a discussão da causa e por sentença de 3-2-16, o referido tribunal decidiu: -Declarar a extinção parcial da lide, por inutilidade superveniente da mesma, no que se refere ao pedido de identificação do número de pedidos que foram efetuados relativamente aos kits DTH, com a consequente absolvição da entidade requerida desse pedido; -Intimar a entidade requerida a facultar cópia dos relatórios anexos aos documentos n.ºs 5 a 9 juntos à p.i., expurgados dos diagramas de radiação (desenhos), no prazo de 15 dias, sob pena de lhe ser aplicada sanção pecuniária compulsória.

* Inconformada com tal decisão, a requerente interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: I. O dever de fundamentação da sentença a que alude o Art. 607º n.º 3 do CPC (anterior artigo 659º do CPC de 1961) implica o dever de, na própria sentença, se fazer constar a análise critica das provas, estatuindo a al. b) do n.º 1 do Artigo 615.º do CPC (anterior Art.º 668.º CPC 1961) que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; II. Não constando da sentença a análise, ainda que sumaríssima, das provas, é nula a sentença por ausência da fundamentação de facto nos termos das normas suprarreferidas; III. Nos mesmos termos, não constando igualmente da sentença a fundamentação de direito que a suporta, é nula a sentença por ausência da fundamentação de direito; IV. Sem prejuízo do uso oficioso dos poderes previstos no Art. 662.º n.º2 do CPC, caso se julgue útil o esclarecimento de algum facto, designadamente, sobre a natureza ou conteúdo dos documentos em causa, deverá ser aditado, nos termos do Art. 662.º n.º 1 do CPC, para o caso de se haver de concluir que os documentos em causa contêm segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa, que sempre a PTC teria de autorizar a divulgação de tais informações nos termos do Art. 6.º n.º 6 da LADA, devendo por isso aditar-se, após o facto IV), que a PTC – Portugal Comunicações, S.A., recusou a divulgação das suas comunicações nos seguintes termos: “Em 27.02.2013 foi recebida carta da PTC com a ref. 20334060, junta como Doc. nº 11 com a oposição da requerida, que se dá por reproduzida, em que esta comunicou não se opor ao acesso, pela DECO, à correspondência relativa à licença temporária de rede TDT que lhe foi atribuída, «com exceção dos anexos às [suas] cartas (…) com as refs. 20284423 de 20.06.2012, 20293554 de 30.07.2012, 20300033 de 03.09.2012, 20305537 de 01.10.2012 e 2031166 de 31.10.2012, os quais compõem os relatórios das ações de otimização prosseguidas pela PT Comunicações no âmbito da gestão, monitorização e supervisão da rede TDT que são, na sua totalidade, confidenciais e que […]a referida informação respeita, no seu essencial, a procedimentos e estratégias e a metodologias e dados de operação da rede, as quais respeitam ao interesse comercial e empresarial da PTC, devendo por isso manter-se, exclusivamente, sob os seus domínios […] os elementos em causa nos ditos anexos envolvem segredo comercial e industrial da PTC, sendo confidenciais por natureza […] toda a informação constante dos ditos anexos consubstancia informação de carácter técnico específico e especializado, protegida por direitos de propriedade intelectual» da PTC […] o conhecimento e a interpretação dos ditos relatórios têm, necessariamente, que ser realizados de forma enquadrada com a informação de rede constante da proposta TDT, […] que a PT Comunicações já classificou, fundamentadamente, como sendo confidencial, não podendo por isso aceitar-se ou autorizar-se o acesso sem restrições de terceiras entidades à informação constante dos ditos relatórios […] solução diversa iria colocar seriamente em causa o “interesse concorrencial dos operadores económicos (como é referido no Parecer nº 44/2002 da CADA), o que é, naturalmente, de afastar”.

V. Nos mesmos termos se deverá aditar ao §5 da decisão de facto, em conformidade com o alegado no artigo 16 do r.i., e artigos 163º a 166º da resposta e Doc. 4 anexo ao requerimento inicial, para que a avaliação da existência de um eventual segredo comercial e industrial da PTC seja possível, que: “Tais relatórios continham informação sobre procedimentos estratégicos, metodologias e dados de operação da rede que respeitam ao interesse comercial e empresarial da então PTC.” VI. Os cinco relatórios mensais de otimização da rede da autoria da PTC que se referem no § 5 da decisão de facto, que a ANACOM foi condenada a facultar à Reqda com a exclusão de alguma informação apresentada em forma gráfica são, pela natureza das coisas, técnicos, por referirem soluções de engenharia, procedimentos e soluções técnicas que são uma criação intelectual de um terceiro; VII. Tendo o Tribunal a quo julgado, e bem, que a informação desses relatórios apresentada em forma gráfica, por ser técnica, estava excluída do âmbito do pedido que a Reqte dirigiu à Reqda e que se descreve no §1 da decisão de facto, forçosamente se conclui que aquela outra informação constante dos relatórios que não está apresentada de forma gráfica, está igualmente fora do âmbito do pedido devendo pelas mesmas razões, ser recusada à Reqda.; VIII. Ainda que tivesse sido pedida, o artigo 6º n.º 6 da Lei 46/07 de 24.08 (LADA) estatui que “um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade”; IX. A previsão dessa norma abrange um conjunto de informações heterogéneo: qualquer informação que se traduza numa partilha forçada de informação do operador económico, que revele o seu know-how e, só por isso, seja suscetível de lhe gerar um dano ou afetar a sua competitividade, designadamente a revelação de esquemas e diagramas de arquiteturas de rede/ arquiteturas do “Head-End”; de listas de clientes, fornecedores, preços contratados, condições de financiamento; o planeamento de recursos; as soluções tecnológicas e estratégias para a resolução dos problemas e gestão de qualidade que crie ou adote; moradas de potenciais clientes - ou até datas de aniversário; estudos de mercado; trabalhos de investigação; etc… X. Aquela restrição ao direito de acesso a documentos administrativos configura um poder vinculado da Administração; XI. O “interesse direto, pessoal e legítimo” que a Reqte. invoca para conhecer estes elementos é o “acompanhamento que (…) tem feito relativamente ao desenvolvimento gradual» da rede TDT”.

Só o qual não foi julgado, nem é, suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, para permitir o acesso a tal informação e à suscetibilidade, que é séria, do prejuízo gerado a terceiros pela sua divulgação; XII. A Reqte não está autorizada pela proprietária da informação constante daqueles relatórios a aceder-lhes (a PTC); XIII. Não tem, pelo exposto, o direito a aceder à mesma, conforme foi decidido e comunicado à requerente após consulta à PTC, de acordo com as boas práticas defendidas pela CADA.

XIV. Finalizando: se o Tribunal entendeu que os diagramas de radiação eram confidenciais e mereciam proteção, então, porque os diagramas e a restante informação técnica constante dos mesmos documentos constituem um “todo” da solução técnica adotada em cada situação, a “proteção das soluções técnicas” a que a sentença alude (na pág. 13), só se conseguirá se, para além de se ocultarem os diagramas de radiação, se ocultem também os restantes elementos que fazem parte dessa solução.

* O recorrido contra-alegou, sem concluir.

* O MP, através do seu digno representante junto deste tribunal, foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência. Para decidir, este tribunal superior tem omnipresente a nossa Constituição como síntese da ideia-valor de Direito vigente. Consideram-se as três dimensões do Direito como ciência do conhecimento prático, por referência à ação e ao dever-ser (I. KANT, Lógica, trad., Ed. Texto & Grafia, Lisboa, 2009, p. 86), quais sejam, a dimensão factual social e seus princípios (que influenciam muito e continuamente o Direito através das janelas de um sistema jurídico uno e real), a dimensão ética e seus princípios (que influenciam continuamente o Direito também através das janelas do sistema) e a dimensão normativa e seus princípios jurídicos. E, como há muito foi sintetizado por KANT (Crítica da Razão Prática, 1788, Livro 1º, Capítulo 1º, §1º), princípios práticos são proposições que encerram uma determinação universal da vontade (1), subordinando-se a essa determinação diversas regras práticas; o Direito tem o mais possível a ver com isso.

* II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. FACTOS PROVADOS Com interesse para a decisão a proferir, está provado o seguinte quadro factual: 1. A Requerente solicitou ao...

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