Acórdão nº 13493/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Agosto de 2016

Magistrado ResponsávelNUNO COUTINHO
Data da Resolução02 de Agosto de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório A... recorreu da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 4 de Abril de 2016, que julgou improcedente acção administrativa especial contra o Ministério da Administração Interna na qual impugnou despacho proferido pelo Director Nacional Adjunto do SEF, em 10 de Fevereiro de 2016, que indeferiu o pedido de asilo e de protecção subsidiária, por razões humanitárias, que formulou.

O Recorrente formulou as seguintes conclusões: “1. - O aqui recorrente, que apenas fala língua peule, foi ouvido - e bem nesta parte - pelo SEF, em Auto de Declarações, em tal idioma; 2. No entanto, a decisão proferida no Processo Administrativo, foi-lhe comunicada por escrito, mas em língua Portuguesa, que o mesmo não compreende; 3. Ora, se é certo que a decisão deve ser comunicada por escrito, ao abrigo do disposto no artigo 24º nº 5 da Lei de Asilo, deve também sê-lo em língua que o interessado compreenda; 4. São, por conseguinte, dois os requisitos de comunicação da decisão administrativa: comunicação por escrito; e que essa comunicação escrita seja na língua do requerente, ou em outra que o mesmo domine (elemento literal do artigo 24º nº 5 da Lei de asilo); 5. Assim, a comunicação - leitura - na língua nativa não satisfaz o requisito de comunicação escrita na língua nativa do interessado noutra que seja de presumir que o mesmo domina; 6. Aliás, a mera leitura, por intérprete, de decisão extensa e técnica proferida, não implica que o destinatário - no caso, sem escolaridade - tenha tomado conhecimento da mesma (aliás tomou, mas só que a decisão era "negativa"); 7.Sem prescindir, ainda que a mera leitura e tradução fosse suficiente, no que não se concede, subsistiria o problema de saber como assegurar ao requerente uma – ou várias - releituras da decisão ou dos seus trechos, caso o mesmo delas necessitasse (haveria um intérprete suficientemente disponível para tal efeito)? 8. Além disso, ainda que esta leitura - ou leituras - fosse - ou fossem - suficiente(s), sempre haveria uma situação de evidente desvantagem entre este requerente e os portugueses - ou estrangeiros - relativamente aos quais fossem cumpridas as formalidades de entrega de decisões, por escrito, em línguas que os mesmos entendessem.

9. Ora, nos termos do disposto no artigo 15º da Constituição Portuguesa, todos os cidadãos, portugueses ou estrangeiros, têm direitos iguais perante a Administração, direitos estes que não estariam a ser observados neste caso; 10. Deve pois, por todos estes fundamentos, ser invalidada a decisão proferida; 11. Para além disso, não existiu audiência prévia do interessado, como a mesma resulta explanada no Acórdão da União Europeia acima citado e explicitado, na decorrência da aplicação do disposto nos artigos 37º e 38º da Carta Europeia dos Direitos do Homem; 12. O direito de audiência prévia dos administrados, ainda que candidatos a asilo ou a protecção subsidiária, compreendem quatro etapas, a saber: 13. o requerente seja ouvido sobre os fundamentos do pedido de protecção; 14.o requerente seja informado da resposta negativa que a entidade administrativa 15. se propõe dar àquele pedido; 16. o requerente seja informado dos argumentos que fundamentam esse indeferimento; 17. e que ao requerente seja efectivamente dada a possibilidade de com utilidade para a decisão a tomar, apresentar o seu ponto de vista, expor as observações sobre o projecto de decisão de indeferimento e respectivos fundamentos.

18. No caso em apreço, apenas foi ouvido o então requerente sobre os factos que apresenta, sem se lhe dar conhecimento da intenção de indeferir o seu pedido, com que fundamentos ou, sequer, sem lhe dar a oportunidade de apresentar os seus comentários finais sobre o projecto de indeferimento.

19. Finalmente, sem conceder, sempre as declarações prestadas pelo então requerente justificam a concessão do requerido pedido de asilo ou de atribuição de autorização de residência subsidiária, por razões humanitárias.

20. No entanto, ainda que assim não fosse, o que só por zelo de patrocínio se admite, sempre seria de conceder-lhe o benefício da dúvida, no sentido de iniciar uma fase de instrução do seu processo, nem que fosse pelas notícias de distúrbios e manifestações reveladas pelo interessado, nos artigos 35º a 37º da respectiva Petição Inicial.” O recorrido conclui das suas contra alegações da seguinte forma: “A. Ao contrário do invocado pelo recorrente, a decisão recorrida não enferma de quaisquer vícios ou erros de julgamento, mostrando-se inteiramente válida e legal.

  1. Com a devida vénia, as alegações do recorrente são totalmente improcedentes.

  2. Os argumentos esgrimidos pelo ora recorrente para fundamentar o presente recurso não merecem a concordância da Entidade Recorrida que entende que a Sentença interpretou correctamente os factos carreados para os autos, subsumindo-os nas normas legalmente aplicáveis. Assim, D. Quanto à alegada nulidade por falta de fundamentação e de notificação em língua que o autor compreendesse, ou seja na lingua peule, julgou o douto tribunal a quo pela improcedência, sustentando que, "ficou igualmente provado que também o mandatário do Autor foi notificado da decisão, o que, aliado ao facto de ter proposto a presente acção, conduz à conclusão de que as notificações efectuadas cumpriram a sua função de levar o teor do acto administrativo em causa ao conhecimento do seu mandatário, iniciando-se o prazo de impugnação contenciosa do mesmo." E. Ainda com referência à questão da língua que entende o recorrente ser a obrigatória para sua notificação, atreve-se o recorrido a dizer que em última instância também a sentença proferida pela Tribunal a quo deveria ter sido exarada em escrita peule.

  3. Ora, não se afigura que tal seja concebível.

  4. O recorrente tem mandatário constituído desde 2 de Fevereiro de 2016, data em que apresentou o pedido de protecção internacional junto do Aeroporto de Lisboa, sendo que o mesmo também foi notificado da decisão administrativa que rejeitou a admissibilidade do seu pedido.

  5. Não viu portanto em momento algum beliscados os seus direitos, mormente o direito de impugnar contenciosamente a decisão negativa de que foi alvo.

    I. No que tange à arguição da nulidade por falta de audiência prévia urge esclarecer, em primeiro lugar, que este pedido é novo e extemporâneo, ou seja, não fazia parte da instância que se encontra estabilizada, e não se trata de um facto superveniente, devendo assim ser indeferido.

  6. No entanto, sempre se dirá que o ora Recorrente procedeu numa incorrecta interpretação das normas constantes da Lei nº 27/008, de 30 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 26/2014 de 5 de maio, bem como das normas constantes na Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004 (revogada pela Directiva 2011/95/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro de 2011, relativamente aos Estados-Membros por ela vinculados com efeitos a partir de 21 de Dezembro de 2013), da Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia, da Directiva 2013/32/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013 relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de protecção internacional, bem como das normas constitucionais invocadas, bem assim corno do invocado Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Vejamos, K. A Lei nº 26/2014 de 5 de Maio "...estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerentes de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária..." L. Transpostas as directivas comunitárias para o ordenamento jurídico nacional, no que tange à matéria em causa, estabelece a al. s) do nº 1 do art.º 2° da Lei 27/2008 de 30 de Junho, alterada pela Lei 26/2014 de 5 de Maio, que para efeitos da presente lei entende-se por «Pedido de protecção internacional», pedido de protecção apresentado por estrangeiro ou apátrida que pretenda beneficiar do estatuto de refugiado ou protecção subsidiária e não solicite expressamente outra forma de protecção susceptível de ser objecto de um pedido separado. (Sublinhado nosso) M. Por sua vez o art.º 10° da referida lei, sob a epigrafe «Pedido de protecção internacional» estabelece que: 1- Presume-se que qualquer pedido de protecção, ainda que implícito, é um pedido de protecção internacional conforme o disposto na alínea s) do nº 1 do artigo 2° 2- Na apreciação dos pedidos de protecção internacional deve ser determinado, em primeiro lugar, se o requerente preenche as condições para beneficiar do estatuto de refugiado e, caso não preencha, se é elegível para protecção subsidiária. (sublinhado nosso) N. A definição de «Pedido de protecção Internacional», bem como a recepção e tratamento do mesmo, leva-nos a concluir que quando entregue às autoridades competentes, o requerimento de protecção internacional compreende, em simultâneo, o pedido de protecção para beneficiar do estatuto de refugiado e o pedido de protecção subsidiária, sendo que ambos são analisados num único procedimento.

  7. Aliás, este foi o entendimento do legislador comunitário quando procedeu à revogação da Directiva 2004/83/CE do Conselho de 29 de Abril, passando então a vigorar a Directiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro de 2011.

  8. Na pendência da Directiva 2004/83/CE fazia-se a distinção entre pedido de asilo ou de estatuto de refugiado e pedido de protecção subsidiária, correspondendo a cada pedido um procedimento distinto, situação que se alterou com a entrada em vigor da Directiva 2011/95/ UE que, com o intuito de uniformizar e tornar mais célere, procedeu à inovação da figura do Pedido de Protecção Internacional, considerando que qualquer pedido de Protecção internacional encerra em si quer o pedido de estatuto de refugiado, quer o pedido de protecção subsidiária.

  9. Refira-se que em Portugal...

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