Acórdão nº 420/16.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Agosto de 2016

Magistrado ResponsávelNUNO COUTINHO
Data da Resolução02 de Agosto de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório P..., recorreu da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 15 de Abril de 2016, que julgou improcedente acção administrativa de impugnação de despacho proferido pelo Director Nacional Adjunto do SEF, em 16 de Fevereiro de 2016, que indeferiu o pedido de asilo que formulou.

O Recorrente formulou as seguintes conclusões: “1. A sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação dos elementos de prova constante nos autos, os quais deveriam ser valorados no sentido de considerar como credíveis as afirmações proferidas pelo recorrente na entrevista que lhe foi efectuada pelo SEF; 2. Dever-se-ia dar como provado que o recorrente foi preso na sequência de ter participado numa manifestação em defesa da democracia e contra a pretensão do Sr. K... se perpetuar no poder na República Democrática do Congo; 3. Que, pelo facto de ter sido preso por questões políticas e de ter fugido da prisão, corre sérios riscos de ser novamente preso e sujeito a tortura ou mesmo à morte, pois que está catalogado como opositor ao regime; 4. Bem como dar como provada a forte probabilidade de, caso o recorrente seja obrigado a regressar à República Democrática do Congo, aí será perseguido, preso e até executado; 5. Violou, assim, a sentença recorrida o preceituado no artº 3° da Lei nº 27/2008, de 30 de junho; 6. O aqui impugnante é cidadão da República Democrática do Congo; 7. O seu país de origem é uma ditadura que tem à frente um presidente que se quer vitalício, o Sr. J...; 8. Na República Democrática do Congo é prática corrente a perseguição de quem se oponha ao regime ou que, simplesmente, manifeste discordâncias, existindo sistemática violação dos direitos humanos, sendo correntemente aplicada a pena de morte, tortura ou a sumária execução de quem se atravesse à frente das autoridades; 9. Pelo que, ainda que não fosse concedido ao recorrente asilo político ao abrigo do preceituado no artº 3° da Lei nº 27/2008, face à situação existente naquele país, haveria sempre que ser-lhe concedida autorização de residência por protecção subsidiária; 10. Assim, a sentença recorrida violou o preceituado no artº 7° da Lei nº 27/2008, de 30.06; 11. Pelo que deverá ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra em que seja ordenada a revogação a decisão da Sra. Directora Nacional do SEF de considerar infundado o pedido de asilo formulado pelo aqui impugnante e lhe seja concedido o estatuto de refugiado.

12. Ou, se assim não se entender, seja na mesma revogada a sentença recorrida e concedida ao recorrente autorização de residência por protecção subsidiária O recorrido conclui das suas contra alegações da seguinte forma: “1 - A situação factual, tal como caracterizada pelo Recorrente, não permite subsumir a pretensão à tutela que é requerida.

2 - O Recorrente não concretiza quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de actividade desenvolvida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, também não se verifica perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição.

3 - Por outro lado, a protecção subsidiária é aplicável a situações em que os estrangeiros, que não se enquadrem no âmbito de aplicação do direito de asilo, estejam impedidos ou impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações de violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.

4 - Urge concluir, a final, que a Sentença recorrida não enferma de quaisquer vícios ou erros de julgamento, mostrando-se inteiramente válida.” O M.P. emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

II - Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1. O Requerente identificou-se com o nome de T... e como nacional da Guiné-Bissau. cfr. fls.4-11 do Processo Administrativo (PA).

2. O Requerente apresentou-se no posto de fronteira do aeroporto de Lisboa proveniente de Dakar no voo TP1480 em 07.02.2017. cfr. fls.4-11 do PA.

3. Ali se identificou apresentando o passaporte da República da Guiné- Bissau nº..., emitido em nome de T.... cfr. fls.4 a 11 do PA.

4. Tal passaporte veio a verificar-se tratar-se de documento falsificado por emissão fraudulenta, de acordo com o relatório de análise documental nº64/2016, pelo que foi recusada a entrada do Requerente em território nacional por não ser titular de documento de viagem válido. cfr. fls.4 a 12 dos autos.

5. Em 07.02.2016 o Requerente foi notificado da recusa da sua entrada, pedindo nesse mesmo dia a concessão de asilo ao Estado Português. cfr. fls.4-8, 15-18 e 19-20 do PA.

6. Em 10.02.2016, no âmbito do pedido de asilo por si apresentado, o Requerente, assistido pelo intérprete de língua lingala, prestou declarações junto do SEF, com o seguinte teor: (…) Pergunta (P). Que Iíngua(s) fala? Resposta (R). Lingala, Kikongo e um pouco francês.

P. Em que língua pretende efectuar esta entrevista? R. Em lingala.

P. Tem advogado? R. Sim, o Dr. J... (cédula …, com escritório na Av. …, E-mail: …. telefone …), mas posso fazer a entrevista sem ele.

P: Qual é o seu estado civil? Tem filhos? R. sou casado com C… desde 2008 e tenho três filhos: E…, nascido em 20/04/2011, T… nascido em 27/04/2013 e C… nascido em 10/01/2015.

P. Qual é a sua escolaridade? R. Tenho o ensino secundário completo, estudei em Kinshasa.

P. Professa alguma religião? R. Sou cristão.

P. Pertence a algum grupo étnico? R. Tandu.

P. Em que local residia na República Democrática do Congo? Desde quando e até quando residiu nessa morada? Com quem morava? R. Residi sempre em Kinshasa, com a esposa, filhos e com a minha cunhada. Morei ali, no bairro de Masina, até vir para Portugal.

P. Qual é a sua profissão? Até quando trabalhou? R. Técnico de ar condicionado e trabalhei por conta própria. Tinha muito trabalho e trabalhava em Kinshasa, trabalhava conforme os pedidos dos clientes, não trabalhava regularmente.

P. Tem familiares a residir atualmente na República Democrática do Congo? Em que local? Tem contacto com eles? R. A minha mulher, filhos, cunhada que residem em Kinshasa. Não tenho contacto com eles desde que fui detido no dia 20/01/2015.

P. É, ou alguma vez foi, membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, na República Democrática do Congo? R. Não.

P. Por que motivo é que deixou o país de onde é nacional e está a pedir proteção? R. Porque me queriam matar.

P. Pode concretizar? O que, como, quem (como o conheceu, qual o estatuto, posição dele)), quando, onde e porquê? R. Houve manifestações nos dias 19 a 21 de janeiro de 2015 em Kinshasa e no dia 19 eu participei na manifestação contra o governo de J..., porque ele queria mudar a lei para ter o terceiro mandado para continuar a governar. Houve um confronto entre agentes e manifestantes, houve agentes que perderam a vida e eu fui uma das pessoas detidas pela polícia militar (também havia polícia vestida com roupa civil). Foi detido muita gente mas eu não conhecia ninguém. Levaram-me até uma agência chamada ANR (um quadro da polícia) e fiquei ali até a noite e depois a noite transportaram-me para um sítio estranho que não sabia onde ficava, fiquei detido até ao dia 05/05/2015. Torturaram-me, a comida não era boa, era pobre, sofria ameaças verbais pois diziam que eu ia morrer, que nos iam matar, batiam-me com chapadas sem qualquer motivo. Eu fui bastante maltratado porque a polícia acusou-me de organizar os jovens para a violência para derrotar o governo. Quem me maltratou foi um inspetor do ANR cujo nome desconheço, mas também os soldados que passavam agrediam verbalmente a todos os que estavam detidos. Todos os que estavam detidos sofreram esse tratamento.

P. Você foi acusado de organizar os jovens, fez alguma coisa disso? R. Não.

P. Em Kinshasa esteve envolvido na política? R. Não.

P. Participava em protestos, manifestações, reuniões ou comícios? R. Nunca participei, só participei pela primeira vez no dia 20/01/2015.

P. Tem alguma opinião politica? Tem interesse na politica? R. Não sou membro de um partido político, mas às vezes falava de política na rua, com os amigos ou quando jogava a bola. Falava da política do país, como o país estava. Eu não gosto do governo de K....

P. A sua opinião era conhecida das autoridades? R. Sim.

P. Como é que eles sabiam se você disse que só falava com os amigos na rua ou quando jogava futebol? R. Eu falava com pessoas amigas e conhecidas e havia pessoas que iam transmitir às autoridades às minhas opiniões, e havia um chamado S… que pertencia ao governo foi contar mas não sei a quem. Isso aconteceu várias vezes. Ele dizia para mim "Você, espera só". Eu também fazia parte de uma organização de Ajuda chamada "C..."- C... (C...) e o líder do partido da oposição para organizar os protestos foi falar connosco, com a organização.

P. Quando isso aconteceu? R. Foi no início do mês de Janeiro. Eu criei essa organização no dia 27/04/2013, e no início eramos 10 pessoas e agora no final eramos 32. Essa organização ajudava os pobres, não tinha nada a ver com política, era só para prestar assistência social. O líder veio falar connosco porque fazíamos parte da população e foi para nos sensibilizar. Eu quando participei na manifestação foi como membro do "C...".

P. Onde ficava a sede da organização? R. No bairro de Masina, na rua solidarité n.º 8. Não havia nada em concreto dessa organização.

P. Mas a organização tinha uma sede, tinha 32 pessoas e funcionava desde 2013.

Como é possível? R. A morada era na minha casa. Não havia nada por escrito dessa organização. O projecto era começar a funcionar em Abril de 2015.

P. Então como explica que um...

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