Acórdão nº 11572/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução06 de Outubro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I- RELATÓRIO ÁGUAS ………………, S.A.

intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco uma acção administrativa comum contra o MUNICÍPIO DO FUNDÃO, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia global de €803.196,84, sendo €793.504, 57, relativos aos serviços contratados de abastecimento de água e de recolha de efluentes [descriminados na p.i.] e €9.692,27, a título de juros de mora vencidos até 22.06.2010.

Alegou, para o efeito, que no âmbito da sua actividade comercial - por concessão da exploração e gestão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Côa para captação, tratamento e distribuição de água para o consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes, de que Município do Fundão é um dos utilizadores - contratou com o R., o fornecimento de água e a recolha de efluentes, tendo sido prestados ao R. os serviços contratados, mas que findo o prazo de vencimento o pagamento devido não foi efectuado.

Citado o Réu contestou, por impugnação e por excepção, por excepção suscitou a questão da incompetência absoluta (em razão da matéria) do Tribunal, a preterição do Tribunal Arbitral e a violação da convenção de arbitragem.

A Autora replicou pugnando pela improcedência das excepções suscitadas e pela condenação do Réu no peticionado em sede de r.i..

No despacho saneador de 20.03.2014 [prolatado em sede de audiência prévia a que alude o artigo 591º do NCPC] a Mº juiz a que julgou improcedente a excepção de incompetência material dos tribunais administrativos para conhecerem do pedido formulado na acção.

Inconformado com o assim decidido veio o MUNICÍPIO DO FUNDÃO interpôs o presente recurso autónomo, com subida em separado, ao abrigo do disposto nos artigos 644º nº 2 alínea b) e 645º nº 2 do NCPC, apresentando, nas suas alegações as seguintes conclusões: «1.

O despacho saneador ora recorrido viola o disposto nos artigos. 212°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos. 1°, n° 1, 4°, n° 1, al. a), 44°, n° 1,e 49°, todos do ETAF.

  1. Pelas razões ora alegadas a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, faz, ao decidir como decidiu, com todo o respeito se refere, uma interpretação errada do estipulado no artigo 77° n°2 e 80° da lei n°58/2005 de 29/12 (Lei da Água), do artigo 5° e 14° do Decreto lei n°97/2008 de 11/06 e dos pontos B.1.2 e B.1.3 do despacho n°484/2009 do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, publicado no Diário da República, 2° série de 8/01/2009.

  2. A questão que se coloca com o presente recurso é a de saber se o Tribunal Administrativo é competente para decidir o pedido de condenação do R. a pagar à A. a Taxa de Recursos Hídricos e respectivos juros 4.

    A cobrança dos valores reclamados a título de taxa de recursos hídricos, adiante designada por TRH, e respectivos juros de mora, pressupõe a apreciação de normas de direito fiscal substantivo, o que determina a incompetência do Tribunal a quo em razão da matéria.

  3. Pelo que nesta parte dos autos, estamos no âmbito de uma relação jurídica de natureza tributária ou fiscal pois implica a discussão e interpretação de normas de natureza fiscal e que se situam no domínio da actividade tributária; 6. E para a qual são competentes os Tribunais Tributários, nos termos conjugados dos arts.212°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa, e nos arts.1°, n°1, 4°, n° 1, al. a), 44°, n° 1, e 49°, todos do ETAF.

  4. Sendo, em consequência, incompetente em razão da matéria, para dirimir esta questão o presente Tribunal Administrativo de Castelo Branco, e sendo, em consequência, inidónea para tanto o presente meio processual utilizado - a acção administrativa comum.

  5. O artigo 212° nº3 da CRP dispõe que " compete ao tribunais (...) fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes da relações jurídicas (...) fiscais" 9. O artigo 212° n°3 da CRP tem concretização legal no n°1 do artigo.° do ETAF, segundo o qual " os tribunais da jurisdição (...) fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas (...)fiscais" 10.

    A TRH encontra-se disciplinada pela lei n°58/2005 de 29/12( Lei da Água), pelo Decreto lei n°97/2008 de 11/06 e pelo despacho n°484/2009 do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, publicado no Diário da República , 2ª série de 8/01/2009.

  6. O artigo 77° nº2 da Lei da Água determina que estão sujeitos ao pagamento de TRH todos os utilizadores dos recursos hídricos que utilizem bens do domínio público e todos os utilizadores de recursos hídricos públicos ou particulares que beneficiem de prestações públicas que lhes proporcionem vantagens ou que envolvam a realização de despesas públicas.

  7. O artigo 5° do decreto-lei 97/2008 de 11/06, determina que todas as pessoas, singulares ou colectivas, que efectuem as utilizações do domínio público hídrico descritas no artigo 4° do referido diploma são sujeitos passivos da TRH, devendo repercutir o valor da taxa no consumidor final.

  8. A base tributável encontra-se definida no artigo 77° da Lei da Água, dispondo o artigo 80° que a taxa é cobrada pelas autoridades licenciadoras aquando da emissão dos títulos de utilização privativa 14. Por seu turno o artigo 14° do decreto-lei 97/2008 de 11/06, determina que a liquidação compete à ARH, 15.

    E o artigo 16° n°4 dispõe que o pagamento é feito empregando todos os meios genericamente previstos na LGT.

  9. O ponto B.1.2 do despacho 484/2009 determina que as entidades gestoras dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e saneamento de águas residuais devem repercutir a TRH, que pagaram à ARH, nos Municípios utilizadores dos serviços, sendo a forma de repercussão disciplinada no ponto B.1.3 do referido despacho.

  10. face ao quadro legal que rege a liquidação, pagamento e repercussão da TRH, salvo melhor opinião e respeito por opinião contrária, a conclusão só pode ser a de que na apreciação do pedido de pagamento da TRH o Tribunal é chamado a interpretar e aplicar normas de direito tributário por forma a dirimir um litígio que emerge do exercício da função tributária da administração pública.

  11. No caso dos autos o objecto do litígio que o tribunal administrativo foi convocado a dirimir e decidir reconduz-se a apurar se são legalmente devidas e exigíveis da R. as quantias facturadas enquanto valores respeitantes à parcela reportada à recuperação do valor pago pela A. com os encargos legais obrigatórios, nomeadamente e no caso, com a taxa de recursos hídricos (cfr. Arts 20, 21, 22.°, do DL 97/08 e 82.° do lei n°58/05) 19.

    Em discussão nos presentes autos está , assim, o reflexo directo da relação jurídica fiscal que se estabeleceu e estabelece entre a ARH competente e a aqui A. - com a liquidação e pagamento anual da taxa de recursos hídricos cujo montante pago "adiantado" a concessionária tem o direito a ser ressarcida.

  12. Pelo que, o que está efectivamente em causa e é pedido prende-se, entre o mais, com o não pagamento duma parcela inserida nas facturas emitidas e que é relativa à cobrança da taxa de recursos hídricos.

  13. Pelo que a causa de pedir e o pedido não se enquadram no domínio da responsabilidade fundada no incumprimento do contrato de concessão enquanto fonte duma relação jurídica administrativa, Mas antes, 22.

    Numa decorrência de relação jurídica fiscal visto estar em discussão a legalidade da interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situa no campo da actividade tributária.

  14. Assim conclui-se que o pedido de condenação do R. dos montantes relativos à TRH, alegadamente devida e não paga, acrescida de juros moratórios, inscreve-se no âmbito de uma relação jurídico tributária, 24.

    Pelo que a competência para a sua apreciação pertence aos tribunais tributários e não aos tribunais administrativos.

  15. Pelo que terá, como é de inteira justiça, ser declarada a incompetência material do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco materialmente incompetente para conhecer o pedido relativo à TRH, absolvendo-se o R. da instância 26.

    Declarando-se competente para dirimir e conhecer este pedido os Tribunais Tributários.

    Termos em que, sempre com o douto suprimento do V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho saneador na parte ora recorrida, tudo como é de inteira e liminar JUSTIÇA».

    A Recorrida contra-alegou sem, no entanto, formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.

    O DMMP junto deste tribunal foi notificado para os termos do disposto no artigo 146º, nº1 do CPTA, mas nada disse.

    * 2. FUNDAMENTAÇÃO O despacho recorrido (no segmento abrangido pelo presente recurso) é do seguinte teor: “(…) Desde logo, mostra-se suscitada nos autos a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal em razão da matéria, a qual, a proceder, obsta ao conhecimento do pedido, importando a absolvição da instância.— — Ora, nos termos do art.212°, n°3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) (na redacção dada pela 7ª revisão constitucional), compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento de acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações administrativas e fiscais.— — Em sentido idêntico, o art. 1°. n°1. do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) dispõe que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal têm competência para administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.— — Ora, de acordo com o art.49°, n°1, alínea al.a), ponto iv), do ETAF, compete aos tribunais tributários conhecer das acções de impugnação dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais.

    — Tal dispositivo normativo delimita...

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