Acórdão nº 12843/15 de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução10 de Março de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO · O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ação, com processo especial, de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra · DORACY ………………….., residente no Brasil, melhor identificada a fls. 3 dos autos.

* Discutida a causa, o referido tribunal decidiu julgar a ação improcedente.

* Inconformado, o autor recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1) A ação destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa - que tem por fim unicamente obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (art. 4°, nº 2, al. a), do CPC) - deve ser qualificada como uma ação de simples apreciação negativa.

2) De acordo com o disposto no art. 343º, nº 1, do Código Civil, nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

3) À mesma conclusão se chegando se tivermos em conta o facto de que estamos perante uma ação que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por banda do interessado. que aí manif esta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, pelo que lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos dessa sua pretensão.

4) Da matéria factual e documental carreada para os autos resulta apenas que a R. é casada com um cidadão de nacionalidade portuguesa, desde 1982, tem uma filha de nacionalidade portuguesa e reside e sempre residiu no Brasil.

5) Mas tal, por si só, não obstante os seus laços matrimoniais e familiares e a sua pertença a uma família de portugueses, não é demonstrativo da existência da ligação efetiva a Portugal que se exige.

6) Isto atendendo a que vive e sempre viveu no Brasil, pais onde nasceu, no qual tem todas as suas referências sociais e culturais, sendo que, a documentação exibida não comprova que a R. pretende. de facto, estabelecer-se em Portugal.

7) Não ficaram provados - até porque não foram alegados - quaisquer outros factos que pudessem ser indiciadores da referida ligação a Portugal, afigurando-se insuficiente a R. falar a língua portuguesa, pois que essa circunstância advém não de uma particular afinidade com Portugal, mas sim por ser essa a língua oficial do país onde reside.

8) Ou seja, não se mostram provados factos que possam fazer concluir que a R. participe ativamente na vida comunitária portuguesa ou que demonstre conhecimentos arreigados dos usos e costumes, da história e da geografia de Portugal, ao ponto de se poder concluir que tenha uma ligação efetiva à comunidade portuguesa.

9) Em suma, face à matéria de facto dada como provada, deveria o Tribunal a quo, considerar que a R. não tinha ligação efetiva à comunidade portuguesa e, em consequência, declarar procedente a ação.

10) Até porque. tratando-se de uma ação de simples apreciação negativa. tendo o Ministério Público junto aos autos os documentos que estavam ao seu dispor, impor-se-ia que a R. trouxesse ao processo outros elementos que pudessem fundar o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa, o que não fez.

11) Não o tendo feito. o Tribunal. o quo violou o disposto nos arts 56º nº 2. al o), 57°, nº l, ambos do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo DL nº 237-A/2006 e artº 343 nº 1 do Código Civil.

12) Pelo que a sentença recorrida, deve ser revogada e substituída por outra em que se declare a procedência da presente ação.

* Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

* QUESTÃO A RESOLVER Os recursos, seja para o TCA, seja para o STA, devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos. Têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido, ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

Cabe-nos, assim, resolver a seguinte questão: -A factualidade provada demonstra ou não que a ré tem uma ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa? * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. FACTOS PROVADOS Com interesse para a decisão a proferir, está provado o seguinte quadro factual: A. A Requerida, Doraci …………………., filha de António …….. e Maria …………, é natural de Iguape, Estado de São Paulo, Brasil, onde nasceu a 04 de abril de 1964 (cf. documento de fls. 16 - processo físico).

B. Tem nacionalidade brasileira (cf. documento de fls. 20/21).

C. Reside e residiu sempre no Brasil (cf. documento de fls. 13/14).

D. Em 20 de Março de 1982, em São Vicente, São Paulo, Brasil, casou com o cidadão português António …………….., natural de Santa Eulália, Arouca (cf. documentos de fls. 19).

E. Em 14 de Novembro de 2013, prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, com base no referido casamento, mediante impresso de modelo próprio, com registo de entrada na Conservatória dos Registos Centrais em 06 de janeiro de 2014, tendo assinalado que tem ligação efetiva à comunidade portuguesa (cf. documentos de fls. 11-14).

F. A Requerida e o seu cônjuge têm uma filha, Maria …………….., nascida a 14 de agosto de 1982, em Santos, São Paulo, Brasil (cf. Assento de Nascimento n.º 265/2012, junto a f1s. 69/70, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

G. A Requerida e o cônjuge contraíram empréstimos bancários em Portugal, junto do "Banco ……… & ……….., S.A.", para aquisição de imóveis no país (cf. documentos de fls. 23, e seguintes).

H. A Requerida e o seu cônjuge adquiriram imóveis em Portugal (cf. documentos de fls. 23, e seguintes).

I. A Requerida visita frequentemente Portugal (cf. documento de fls. 75 -77).

J. Está integrada no sistema fiscal português, onde tem o NIF …………., emitido em 05.01 .1 994 (cf. documento de fls. 65).

K. No ano de 2012, apresentou declaração anual de IRS juntamente com o seu cônjuge (cf. documento de fls. 61).

L. A declaração para aquisição de nacionalidade portuguesa deu origem ao Processo da Conservatória dos Registos Centrais n.º ………...

M. Por de oficio 25 de Fevereiro de 2014, dirigido à Requerida, a Conservatória dos Registos Centrais, informou, além do mais, que a inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos da alínea a) do artigo 9 da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, e que poderia juntar "mais e melhor provas de ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa" (cf. documento de fls. 71).

N. Na sequência do Ofício referido na Alínea anterior, a Requerida apresentou a exposição de fls. 74, subscrita pela própria, com o seguinte teor: «Estou habilitando-me para a realização de um grande e incomensurável desejo, qual seja, obter a nacionalidade portuguesa, conforme Artigo 3". da Lei de Nacionalidade 37/81, 3/ 10, cujo processo está registado nesta Conservatória com o nº 137/14 em virtude de ser casada com cidadão português, com quem tenho filhos já detentores de nacionalidade portuguesa, para além de ser bisneta legítima de cidadã portuguesa por parte paterna, vindos para o Brasil de Nazaré em Portugal. Informo que minha ligação com Portugal é muito profunda, dada a criação familiar que tive em ambiente puramente português, para além de ser associada de entidade luso-brasileira que frequento e participo ativamente, demonstrando assim um forte espírito lusitano que herdei de meus pais e avós e bisavós. Viajo todos os anos para Portugal onde eu e meu marido possuímos imóveis em nosso nome, como V. Exa. poderá constatar através das provas já enviadas e anexas ao processo.».

O. Por despacho da Conservadora-auxiliar da Conservatória dos Registos Centrais, de 15 de julho de 2014, foi determinada a remessa de certidão do Processo da Conservatória dos Registos Centrais n.º 137/2014, ao Ministério Público junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (cf. documento de fls. 89-93v, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

* Continuemos.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e apreciarmos o seu mérito de modo sindicável, com base em argumentos jurídicos explícitos e racionais, que respeitem o Direito e a Constituição, designadamente os direitos individuais ou de liberdade, o princípio fundamental da legalidade de todas as atividades de administração pública e, ainda, os corolários jurídicos do ideal de justiça. Isto quer dizer que o disposto nos artigos 2º, 13º, 17º, 18º/2, 112º, 266º, nº 2, e 268º, nº 4, da Constituição e nos artigos 6º a 10º do Código de Procedimento Administrativo é para ser efetivamente respeitado pelas decisões normativas e decisões concretas emitidas por todas as administrações públicas, bem como para ser materialmente garantido pelos tribunais.

(1) A.

Vejamos o tipo de ação que aqui temos e o chamado ónus da prova dos factos que interessam à causa.

Em obediência ao art. 10º/3/a) do Código de Processo Civil, segundo o qual estamos perante uma ação de simples apreciação se a ação tiver por fim único obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de uma factualidade, temos de afirmar o seguinte: -a presente ação é de simples apreciação negativa, pois que o autor (MP) visa, com o seu pedido, a declaração judicial de inexistência de um direito (2) (e não de um facto) invocado pelo réu junto da Administração Pública portuguesa.

Assim, numa ação de apreciação negativa, como a presente, o direito em causa é do réu.

E, por isso, como é natural e lógico, o fundamento da ação pode ser apenas a inexistência de factos constitutivos desse alegado direito subjetivo (isto é, a inexistência de factos idóneos a, segundo a lei substantiva, fazer nascer o direito invocado).

É claro que antes de abordar factos constitutivos (ou fundamentadores) de um direito...

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