Acórdão nº 06178/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução17 de Março de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

R., inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os actos tributários de liquidação de IVA relativos aos anos de 2003, 2004 e 2005, nos valores de €8.568,06, de €27.429,63 e de € 85.567,45, respectivamente, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

  1. Em 07/12/2005 correu um incêndio na residência do ora recorrente, no qual a documentação contabilística e comercial relacionada com a sua atividade ficou destruída, o que era amplamente do conhecimento da Inspeção Tributária e foi aceite pela Administração Fiscal.

    b) Apenas se considera recusa de exibição, quando o contribuinte não permita o livre acesso dos funcionários à contabilidade nos locais sujeitos a fiscalização dos agentes tributários, o que não é manifestamente o caso (n° 3 do art. 113° do RGIT).

    c) Pelo que o ora recorrente, nunca recusou a entrega ou exibição da sua escrita, apenas não a entregou porque havia sido destruída e se mostrava impossível junto dos emitentes, obter 2as vias das faturas respeitantes a 3 anos de atividade, no prazo de 30 dias, e por via disso refazer a contabilidade.

    d) Acresce que, a obrigação de ter posse dos documentos reporta-se ao momento em que a dedução do IVA é efetuada e não ao momento em que a ação inspetiva ocorre (n° 2 do art. 19° do CIVA).

    e) De facto, obrigação de guarda e conservação dos documentos contabilísticos prevista no art. 52° do CIVA, não é absoluta, pelo que, quem não tem culpa pela perda ou destruição dos documentos (por facto de força maior), não pode ser penalizado por isso. E, f) Todos os elementos do processo administrativo apontam inequivocamente no sentido de que há data da dedução do IVA, o recorrente tinha em seu poder todos os documentos que a suportavam.

    g) Não se desconhece que em causa nos presentes autos está o direito à dedução do IVA, porém em momento prévio, há que analisar se no procedimento inspetivo gerador das liquidações adicionais de IVA, a Administração Tributária agiu de acordo com as normas e princípios a que se encontra vinculada.

    h) É a própria Administração Tributária que reconhece a impossibilidade de obtenção da documentação fiscalmente relevante por parte do ora recorrente.

    i) O princípio da colaboração obriga a Administração Fiscal a prestar a assistência necessária ao cumprimento dos deveres acessórios por parte dos contribuintes (art. 59°, n° 3, al. c) da LGT).

    j) Acresce que, o art 6° do Regime Complementar da Inspeção Tributária (RCPIT), não é uma norma meramente programática, é uma regra de conduta imperativa que deve nortear a Inspeção Tributária, o que não sucedeu no caso "subjudice".

    k) Porquanto a descoberta da verdade material foi postergada pela não realização de diligências que poderiam confirmar a existência das faturas junto dos emitentes, incluindo a apresentação de 2 as vias das mesmas.

    l) Como ensinam o Prof. Diogo de Leite Campos e os Juízes Conselheiros Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao art. 55° da LGT, a administração Tributária deve "realizar todas as diligências necessárias para averiguar a verdade material, independentemente de os factos a averiguar sejam contrários aos interesses patrimoniais que à Administração Tributária cabe defender", in, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada... cit.

    m) Mais, a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.art.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atuação.

    n) Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração (neste sentido, vide, o Acórdão do TCA Sul de 3 de Julho de 2012, proferido no Recurso n° 04397/10, cit.).

    o) A problemática do ónus da prova só se coloca posteriormente após o esgotamento de todos os meios instrutórios ao alcance da Administração, para a averiguação dos factos, pois o princípio do inquisitório coexistente com a disciplina do ónus da prova cruza o ordenamento tributário em momento prévio (art. 58° da LGT).

    p) Em sede de inspecção, nada foi feito no sentido de identificar os emitentes, comprovar junto destes a existência das faturas ou solicitar 2as vias das mesmas, a qual era naturalmente possível, com consulta de anexo próprio, nos mesmos moldes em que o sistema deteta ativos penhoráveis no que se reporta a créditos tributários de clientes.

    q) Razão pela qual, as liquidações adicionais de IVA em causa nos presentes autos, por decorrerem de ação inspetiva concluída em desrespeito pelas normas e princípios a que a Administração Fiscal se encontra vinculada, são ilegais impondo-se a sua anulação, r) Assim, por todo o exposto, ao ter decidido em sentido contrário, a douta Sentença recorrida padece de erro de julgamento não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.

    Se assim não se entender, o que apenas por cautela de patrocínio se concebe s) Naturalmente que se acompanha a Sentença recorrida na parte em que refere que a documentação junta aos autos, cumpre os requisitos do n° 5 do art. 35° do CIVA.

    t) Não restam dúvidas de que, não obstante os documentos juntos se tratarem de fotocópias, a jurisprudência tem consagrado a sua validade, desde que cumpram os requisitos referidos no ponto anterior (neste sentido se decidiu, entre outros no Acórdão do STA de 27/09/2000, tirado no Recurso n° 025033).

    u) Resulta das cópias das faturas juntas aos autos na impugnação como docs. 17 a 20 que nos anos de 2003, 2004 e 2005, o ora recorrente adquiriu cortiça nos valores naquelas inscritos, v) Adquirindo o recorrente cortiça para revender depois, a cortiça faturada ao recorrente nas identificadas faturas, consubstanciam aquisições utilizadas na realização de transmissões de bens sujeitas a imposto. E, w) O mesmo se diga relativamente às restantes faturas, que se reportam à aquisição de tratores, pneus para os tratores, gruas, máquinas, ferramentas necessárias à respetiva manutenção, bombas, tubos, utilizados para recolher a cortiça no campo. E, x) O mesmo se diga relativamente ao gasóleo faturado em valor médio aproximado de € 1.000,00 por cada fatura, que resulta evidente ter sido utilizado na sua atividade, pela singela razão de que atendendo aos respetivos montantes, não seria possível corresponderem a combustível para uso particular, y) Pelo que, pelo menos no que respeita às faturas cujas cópias foram juntas com a p. i. o IVA dedutível sempre deveria ter sido considerado, por ser evidente que se reportam a custos que o recorrente suportou no exercício da sua atividade.

    z) Pelo que, também pelo ora exposto as liquidações na origem dos presentes autos são ilegais, devendo ser anuladas.

    a

  2. Assim, também pelo exposto, a douta Sentença recorrida, ao ter considerado como não demonstrado que as operações tituladas nas faturas foram utilizadas para a realização de transmissão de bens sujeitas a imposto, padece de erro de julgamento, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.

    Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso interposto ser julgado procedente, pelas razões expendidas, e em consequência, revogada a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais dai advindas.” * Não foram apresentadas contra-alegações.

    * A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

    * Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

    * 2 - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida: “

  3. O impugnante foi objecto de uma acção inspectiva, que decorreu no período de 12.09.2006 a 22.10.2007, com origem na ordem de serviço n° 0………, e incidiu sobre os exercícios de 2002 a 2005 (cfr. relatório de fls. 9 a 27 do processo administrativo apenso); b) Tal acção inspectiva foi desencadeada na sequência de pedido dos Serviços de Inspecção Tributária de A…., para efeitos de confirmação da emissão de facturação a uma sociedade sedeada naquele distrito, a qual emitira meios de pagamento de valor superior aos rendimentos declarados pelo impugnante (cfr. ofício de fls.14 verso e 15 do PA- Anexo 1); c) Em 06.11.2006 o impugnante foi ouvido em sede de procedimento de inspecção, tendo sido notificado para, no prazo de 30 dias, proceder à elaboração da escrita, mas não cumpriu tal obrigação (cfr. fls. fls. 9 a 27); d) De acordo com a decisão proferida em 05.12.2007 do director de finanças adjunto da Direcção Distrital de Finanças de ….., considerou-se terem sido deduzidos indevidamente, por falta de exibição de quaisquer elementos de escrita, os seguintes valores anuais, no valor global de € 122.565,14 euros: -Ano de 2003: € 9.568,06; -Ano de 2004: € 27.429,63; -Ano de 2005: € 85.567,45 (cfr. fls. 9 e 9v. do PA) e) Em sede de reclamação graciosa, que foi indeferida por despacho datado de 24.06.2008, a administração tributária invocou que apesar de notificado, « (…) o contribuinte não apresentou aquando da acção inspectiva, nem na presente reclamação graciosa as segundas vias das facturas, cuja obtenção justificaria o direito à dedução do IVA nelas contido, nos termos do n° 2 do art. 10 do IVA, pelo que bem andaram os Serviços ao proceder à liquidação do IVA, porquanto não pode ser objecto de dedução o IVA suportado quando se verifique que o documento de suporte não se mostra passado na forma legal ou não retina a totalidade dos requisitos legalmente exigidos, o que se verifica no caso vertente, porque o sujeito passivo não exibiu as segundas vias das facturas» (cfr. fls. 55 do PA); f) E em sede de recurso hierárquico...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT