Acórdão nº 13190/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelHELENA CANELAS
Data da Resolução05 de Maio de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO inconformado com a sentença de 18/02/2016 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente a ação para declaração de perda de mandato que instaurou naquele Tribunal (Proc. nº 10/16.6BECTB) contra FELISMINO ……………………….

(devidamente identificado nos autos) ao abrigo dos artigos 11º nºs 1 e 2 e 15º da Lei nº 27/96, de 1 de Agosto, que invocou, vem dela interpor o presente recurso pugnando pela revogação da recorrida decisão de improcedência e sua substituição por outra que declare a perda de mandato do réu.

Nas suas alegações o aqui Recorrente formula as seguintes conclusões nos seguintes termos: 1ª - Constitui objecto do presente recurso a aliás douta sentença proferida a 18-2-2016, pela Mmª Juiz a quo, em que se julgou improcedente o pedido de declaração de perda de mandato do R. Felismino ………………, na qualidade de membro da Assembleia de Freguesia da União de freguesias de …………………, N.............. e P.............; 2ª - Discorda desde logo o Ministério Público da sentença recorrida, na parte em que designadamente não considerou provada a matéria aludida nos artigos 11º e 18° da petição inicial, a saber e respectivamente, o Réu interveio em contrato do qual resultou vantagem patrimonial para a Associação, consubstanciada na transmissão gratuita dos mencionados prédios, de valor pelo menos igual ao valor patrimonial de cada um dos prédios, os quais passaram a integrar o património de tal Associação, "Agindo [ o Réu] com o intuito de atribuir uma vantagem patrimonial à Associação de que era membro fundador e secretário da Direcção"; 3ª - Atenta a factualidade dada como provada na douta sentença recorrida, afigura-se-nos que deve ser dada como provada a factualidade referida nos artigos 11º e 18° da petição inicial, ou seja e por outras palavras, deve ser dado como provado que ao outorgar o contrato de doação dos bens imóveis por parte da Junta de Freguesia do N.............. a favor da Associação Progresso e Melhoramento do N.............., o Réu agiu com intenção de que tais bens viessem a integrar o património da dita Associação; 4ª - Assim, atenta a factualidade provada nos pontos 1 a 3 e 9 e o teor dos documentos nº 4 a 10, é forçoso concluir que estamos perante bens passíveis de apreciação pecuniária que foram transmitidos gratuitamente, de valor pecuniário pelo menos igual ao valor patrimonial de cada um dos prédios que passaram a integrar o património da APMN- Associação de Progresso e Melhoramento do N.............. e, consequentemente, visou o Réu a inerente vantagem patrimonial para tal Associação.

5ª - Por conseguinte, o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, ao não dar como provada a factualidade aludida nos pontos 11º e 18º da petição inicial, sendo que a factualidade dada como provada e a documentação junta aos autos com a petição inicial, designadamente documentos 4 a 10, impunham decisão diversa, pelo que esse Venerando Tribunal deve alterar em conformidade a ma téria de facto dada por provada na 1ª Instância; 6ª - SEM PRESCINDIR, diremos ainda que a decisão recorrida fez errada aplicação do direito; 7ª - De acordo com a sentença recorrida a actuação do Réu teria visado a prossecução do interesse público da comunidade do N..............; 8ª - Porém, em primeiro lugar, não se pode afirmar que com a sua actuação o Réu visou a prossecução do interesse público pois com tal actuação o Réu violou desde logo o princípio da igualdade ao atribuir bens a uma Associação de direito privado de que é associado, em detrimento de outras associações igualmente prestimosas e em cujos os estatutos se invoca sempre a prossecução de fins de interesse público, que não tendo na sua direcção o Presidente da Junta não conseguiram obter as mesmas vantagens patrimoniais; 9ª - A tal propósito dispõe o artigo 266º, nº 2 da CRP que " Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e de vem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé."; 10ª - De resto, invocamos os ensinamentos do douto Acórdão do TCA Sul nº 09381/12, 2° Juízo, 22-11-2012, disponível in www.dgsi.pt , que citando Ernesto Vaz Pereira, in "Da Perda de mandato autárquico, da dissolução de órgão autárquico", Almedina em anotação ao art. 8º da Lei nº 27196 refere que "A teleologia desta norma é a evitação de obtenção pelos autarcas ou pessoas próximas de situações de favor, de primazia ou de privilégio em detrimento de terceiros que não têm à autarquia qualquer ligação funcional.", sendo precisamente a violação desta norma que ocorreu com a conduta do Réu na medida em que beneficiou a associação de que faz parte e é dirigente, em detrimento de outras das quais não faz parte; 11ª - Em segundo lugar, ao contrário do que parece entender a Mmª Juiz a quo, os termos da citada deliberação e consequente contrato de doação não garantiam a alegada finalidade de os bens doados serem utilizados exclusivamente em beneficio da comunidade do N.............. e, por isso, a conduta do Réu nem sequer visou, por essa via, o interesse de tal comunidade; 12ª - Com efeito, o contrato de doação não foi celebrado com a condição de os bens doados virem a ser utilizados exclusivamente em benefício da comunidade do N............... - cfr. doc. nº 4 junto com a petição inicial.

13ª - Assim, nada impede que no futuro tais bens tenham fim diverso daquele, não tendo assim, na prática, sido salvaguardado os interesses da população do lugar do N.............. uma vez que de acordo com a clausula 15ª dos estatutos da associação, em caso de dissolução ou extinção da Associação, o destino do respectivo património fica apenas dependente da vontade dos associados que ocuparem à data o cargo de vogais permanentes da Associação, não estando garantida a salvaguarda do retorno à propriedade da autarquia; 14ª - Ressalta, assim, a omissão da obrigatoriedade de reversão a favor da Freguesia do N.............. (rectius da União de Freguesias que a mesma agora integra), enquanto entidade autárquica doadora, no caso de extinção/dissolução da Associação donatária ou até no caso de impossibilidade de prossecução dos fins para que foi constituída; 15ª - Por outro lado, também parece entender a Mmª Juiz a quo que a vantagem patrimonial visada teria de ser ilícita; 16ª - Porém, conforme ensina Ernesto Vaz Pereira, in Perda de Mandato Autárquico, Da Dissolução de Órgão Autárquico, Almedina, p. 35, " A lei não distingue entre vantagem patrimonial lícita ou ilícita. Por isso, para esta previsão legal típica de perda de mandato é indiferente tal natureza."; 17ª - Com efeito, a lei não distingue entre vantagem patrimonial lícita ou ilícita, razão pela qual se entende que a intervenção em contrato público ou privado, conforme ocorreu no caso em apreço, de onde resulte enriquecimento de outrem, existe sempre independentemente da natureza do enriquecimento; 18ª - Mas ainda que se entenda que tal vantagem tem de ser ilícita, no caso sub judice será sempre ilícita no sentido de não ser devida - cfr. a tal propósito Ac. do STA de 3-4-97, rec. 41 784, disponível in www.dgsi.pt.; 19ª - Acresce que importa sublinhar o carácter abrangente da doação em causa - que abarca senão todo, praticamente todo, o património imóvel da ex-Junta de Freguesia do N.............. - em virtude do qual a conduta do Réu reveste um carácter grave na medida em que visou privar a actual União de Freguesias dos meios necessários à prossecução da sua finalidade, qual seja a de "promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respectivas populações, em articulação com o município", nos termos do nº 1 do artigo 7º da Lei nº 15/2013, de 12 de Setembro - e, por essa via, reafirmamos, pôs em causa o fim teleológico da reorganização das freguesias; 20ª - Desta forma, resta concluir que a conduta do Réu constituiu aquilo que a Jurisprudência vem qualificando como uma indignidade de actuação que obsta à manutenção do cargo para o qual o Réu foi eleito; 21ª - O Réu, na qualidade de membro e secretário da Direcção da Associação, acabou por receber todos aqueles bens para cuja atribuição ele próprio contribuiu, como eleito local, revelando assim uma indesejável promiscuidade entre a Associação e a Junta de Freguesia, a qual consubstancia uma violação grosseira dos mencionados princípios de isenção e imparcialidade a que estão sujeitos os eleitos autárquicos.

22ª - Diga-se ainda que no caso em apreço é bem patente que o interesse do Réu/impedido no contrato em causa era directo e pessoal, relevante de tal modo que afectava a capacidade do autarca de decidir, com isenção e imparcialidade, o interesse público posto a seu cargo; 23ª - Na verdade, e para além do supra referido, resulta do teor do documento 11, junto com a PI e que a Mmª Juiz a quo transcreveu no ponto 7 dos factos dados como provados, nomeadamente de acordo com a cláusula 12°, nº 2, b) de tais estatutos da Associação que incumbia ao Réu, enquanto secretário da Direcção de tal Associação, gerir os bens da Associação; 24ª - A tais conclusões não obstam as doutas considerações da douta sentença no sentido de que a Assembleia de Freguesia era o órgão no qual se encontravam democraticamente representados os interesses próprios e específicos da comunidade do N.............. e que tinha competência para autorizar a alienação de bens móveis. É que salvo o devido respeito, a questão que se discute no caso sub judice não é essa, mas sim as que foram acima explanadas.

25ª - O Réu violou o disposto no artigo 8°, nº 2 e 3, da Lei nº 27/96, de 1-8, 4° da Lei nº 29/87, de 30-6, 24º e 44° do CPA e 266º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, disposições essas que não foram, assim, correctamente interpretadas na douta decisão recorrida; 26ª - Pelo exposto, deverá ser revogada a presente sentença, e...

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