Acórdão nº 13231/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelNUNO COUTINHO
Data da Resolução05 de Maio de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou contra José …………….. acção para declaração de perda de mandato, acção julgada improcedente por sentença proferida pelo T.A.F. de Castelo Branco em 8 de Fevereiro de 2106.

Interposto recurso da referida decisão, o aqui Recorrente concluiu nos seguintes termos 1ª - Constitui objecto do presente recurso a aliás douta sentença proferida a 8-2-2016, pela Mmª Juiz a quo, em que se julgou improcedente o pedido de declaração de perda de mandato do R. João ……….., na qualidade de membro da Assembleia de Freguesia da União de freguesias de ……………………………; 2ª - Discorda desde logo o Ministério Público da sentença recorrida, na parte em que designadamente não considerou provada a matéria aludida nos artigos 11º e 18° da petição inicial, a saber e respectivamente, o Réu interveio em contrato do qual resultou vantagem patrimonial para a Associação, consubstanciada na transmissão gratuita dos mencionados prédios, de valor pelo menos igual ao valor patrimonial de cada um dos prédios, os quais passaram a integrar o património de tal Associação, "Agindo [o Réu] com o intuito de atribuir uma vantagem patrimonial à Associação de que era membro fundador e vogal permanente da Direcção"; 3ª- Atenta a factualidade dada como provada na douta sentença recorrida, afigura-se-nos que deve ser dada como provada a factualidade refe rida nos artigos 11° e 18° da petição inicial, ou seja e por outras palavras, deve ser dado como provado que ao votar favoravelmente a dita proposta de doação dos bens imóveis por parte da Junta de Freguesia do N............. a favor da Associação Progresso e Melhoramento do N............., o Réu agiu com intenção de que tais bens viessem a integrar o património da dita Associação; 4ª- Na verdade, conceptualmente podemos definir vantagem patrimonial como a "que é susceptível de apreciação pecuniária, isto é, avaliável em dinheiro. Vantagem patrimonial pode definir-se como incremento do património ou proveito económico"- cfr. Mota Pinto, in "Teoria Geral do Direito Civil", Coimbra Editora, 1976, p. 232 e ss., o que se verificou no caso em apreço conforme decorre do ponto 1, 2, 3 e 12 dos factos provados; 5ª-Com efeito, atenta tal factualidade provada e o teor dos documentos nº 4 a 10 juntos com a petição inicial, é forçoso concluir que estamos perante bens passíveis de apreciação pecuniária que foram transmitidos gratuitamente, de valor pecuniário pelo menos igual ao valor patrimonial de cada um dos prédios que passaram a integrar o património da APMN- Associação de Progresso e Melhoramento do N............. e, consequentemente, visou o Réu a inerente vantagem patrimonial para tal Associação; 6ª- Por conseguinte, o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, ao não dar como provada a factualidade aludida nos pontos 11° e 18° da petição inicial, sendo que a factualidade dada como provada e a documentação junta aos autos com a petição inicial, designadamente documentos 4 a 10, impunham decisão diversa, pelo que esse Venerando Tribunal deve alterar em conformidade a matéria de facto dada por provada na 1ª Instância; 7ª- SEM PRESCINDIR, diremos ainda que a decisão recorrida fez errada aplicação do direito; 8ª- De acordo com a sentença recorrida a actuação do Réu teria visado a prossecução do interesse público da comunidade do N..............

9ª- Porém, em primeiro lugar, não se pode afirmar que com a sua actuação o Réu visou a prossecução do interesse público pois com tal actuação o Réu violou desde logo o princípio da igualdade ao atribuir bens a uma Associação de direito privado de que é associado, em detrimento de outras associações beneficiar a associação por si dirigida, o fez em detrimento de outras associações igualmente prestimosas e em cujos os estatutos se invoca sempre a prossecução de fins de interesse público, que não tendo na sua direcção um membro da Assembleia de Freguesia não conseguiram obter as mesmas vantagens patrimoniais.

10ª-A tal propósito dispõe o artigo 266º, nº 2 da CRP que " Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé." 11ª- De resto, invocamos os ensinamentos do douto Acórdão do TCA Sul nº 09381/12, 2º Juízo, 22-11-2012, disponível in www.dgsi.pt, que citando Ernesto Vaz Pereira, in "Da Perda de mandato autárquico, da dissolução de órgão autárquico", Almedina em anotação ao art. 8º da Lei nº 27/96 refere que "A teleologia desta norma é a evitação de obtenção pelos autarcas ou pessoas próximas de situações de favor, de primazia ou de privilégio em detrimento de terceiros que não têm à autarquia qualquer ligação funcional."- cfr ainda neste sentido o Ac. STA de 18.03.2003 (Proc. nº 0369/03), in www.itij.pt-, sendo precisamente a violação desta norma que ocorreu com a conduta do Réu na medida em que beneficiou a associação de que faz parte e é dirigente, em detrimento de outras das quais não faz parte; 12°- Em segundo lugar, ao contrário do que parece entender a Mmª Juiz os termos da citada deliberação e consequente contrato de doação não garantiam a alegada finalidade de os bens doados serem utilizados exclusivamente em benefício da comunidade do N............. e, por isso, a conduta do Réu nem sequer visou, por essa via, o interesse de tal comunidade; 13°- Com efeito, a deliberação em causa não impôs que o contrato de doação fosse celebrado com tal condição, o que efectivamente não veio a ocorrer.-cfr. doc. nº 4 junto com a petição inicial; 14ª- Assim, nada impede que no futuro tais bens tenham fim diverso daquele, não tendo assim, na prática, sido salvaguardado os interesses da população do lugar do N............. uma vez que de acordo com a clausula 15ª dos estatutos da associação, em caso de dissolução ou extinção da Associação, o destino do respectivo património fica apenas dependente da vontade dos associados que ocuparem à data o cargo de vogais permanentes da Associação, não estando garantida a salvaguarda do retorno à propriedade da autarquia; 15ª-Ressalta, assim, a omissão da obrigatoriedade de reversão a favor da Freguesia do N............. (rectius da União de Freguesias que a mesma agora integra), enquanto entidade autárquica doadora, no caso de extinção/dissolução da Associação donatária ou até no caso de impossibilidade de prossecução dos fins para que foi constituída; 16ª- Por outro lado, também parece entender a Mmª Juiz a quo que a vantagem patrimonial visada teria de ser ilícita; 17ª- Porém, conforme ensina Ernesto Vaz Pereira, in op. cit p. 35, " A lei não distingue entre vantagem patrimonial lícita ou ilícita. Por isso, para esta previsão legal típica de perda de mandato é indiferente tal natureza."; 18ª- Com efeito, a lei não distingue entre vantagem patrimonial lícita ou ilícita, razão pela qual se entende que tal impedimento de participar, discutir e votar as deliberações de onde resulte enriquecimento de outrem, existe sempre independentemente da natureza do enriquecimento; 19ª- Mas ainda que se entenda que tal vantagem tem de ser ilícita, no caso sub judice será sempre ilícita no sentido de não ser devida- cfr. a tal propósito Ac. do STA de 3-4-97, rec. 41 784, disponível in www.dgsi.pt-; 20ª-Acresce ainda que importa sublinhar o carácter abrangente da doação em causa - que abarca senão todo, praticamente todo, o património imóvel da ex-Junta de Freguesia do N............. - em virtude do qual a conduta do Réu reveste um carácter grave na medida em que visou privar a actual União de Freguesias dos meios necessários à prossecução da sua finalidade, qual seja a de "promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, em articulação com o município ", nos termos do nº 1 do artigo 7º da Lei nº 15/2013, de 12 de Setembro e, por essa via, reafirmamos, pôs em causa o fim teleológico da reorganização das freguesias; 21ª -Desta forma, resta concluir que a conduta do Réu constituiu aquilo que a Jurisprudência vem qualificando como uma indignidade de actuação que obsta à manutenção do cargo para o qual o Réu foi eleito; 22ª- O Réu, na qualidade de membro e dirigente da Associação, acabou por receber todos aqueles bens cuja atribuição ele próprio votara, como eleito local, revelando assim uma indesejável promiscuidade entre a Associação e a Assembleia de Freguesia, a qual consubstancia uma violação grosseira dos princípios de isenção e imparcialidade a que estão sujeitos os eleitos autárquicos; 23ª - Diga-se ainda que no caso em apreço é bem patente que o interesse do Réu/impedido na deliberação em causa era directo e pessoal, relevante de tal modo que afectava a capacidade do autarca de decidir, com isenção e imparcialidade, o interesse público posto a seu cargo.- cfr. Acórdãos do STA de 24-4-1996 rec. 39873; de 11-7-1996 rec. 40467 ; de 19-3-1996, rec. 39746; de 14-5-1996, rec.40138 .

24ª- Na verdade, e para além do supra referido, resulta do teor do documento 11, junto com a PI e que a Mmª Juiz a quo transcreveu no ponto 9 dos factos dados como provados, nomeadamente de acordo com a cláusula 12º, nº 2, b) de tais estatutos da Associação que incumbia ao Réu, enquanto vogal permanente da Direcção de tal Associação, gerir os bens da Associação e nos termos da cláusula 12°, 8º " Toda e qualquer deliberação sobre a fruição, utilização e destino a dar aos bens imóveis que possam fazer parte do património da associação, carece de voto por unanimidade por parte dos vogais permanentes." 25ª- A tais conclusões não obstam as doutas considerações da douta sentença no sentido de que a Assembleia de Freguesia era o órgão no qual se encontravam democraticamente representados os interesses próprios e específicos da comunidade do N............. e que tinha competência para autorizar a alienação de bens móveis. É que salvo o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT