Acórdão nº 13030/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO · ANTÓNIO …………………………. e · DIOGO ……………………………….., devidamente identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de ALMADA ação administrativa comum contra · ESTADO PORTUGUÊS e · NUNO …………………………..

O pedido formulado foi o seguinte: Condenação dos réus a: a) Pagar ao 1.º autor uma indemnização correspondente ao montante já despendido com as despesas de saúde, educação e alimentação do filho do falecido Paulo ………….., bem como as incorridas com o cemitério e o seu funeral, no montante total de €38.675.00; b) Pagar ao 2.º autor uma indemnização correspondente ao dano da perda do direito à vida do seu pai, Paulo .........., no montante de €100.000.00, a ser atribuída em sede sucessória ao seu sucessor legitimário; c) Pagar ao 2.º autor uma indemnização correspondente aos danos físicos e psicológicos sofridos pelo seu pai, Paulo .........., antes de morrer, no montante de €80.000.00, a ser atribuída em sede sucessória ao seu sucessor legitimário; d) Pagar ao 2.º autor uma indemnização no valor de €60.000.00, correspondente aos danos não patrimoniais sofridos em consequência da morte do seu pai; e) Pagar ao 2.º autor uma indemnização correspondente aos danos patrimoniais sofridos pelo seu pai, na forma de lucros cessantes, no montante de €170.000.00, relativos às importâncias que este deixou de auferir em consequência da sua morte, a ser atribuída em sede sucessória: Pagar ao 1.º e 2.º autores os juros de mora que, às taxas legais em vigor, desde a data da morte de Paulo .........., se vencerem sobre as referidas importâncias.

Por sentença de 23-10-2015, o referido tribunal veio a prolatar decisão, condenado o réu Estado a pagar ao autor Diogo ……………… .......... a quantia de €150.000.00 [cento e cinquenta mil euros], acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a data da prolação da sentença até efetivo e integral pagamento * Inconformado com tal decisão, o Estado interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: A- Face ã redação dos artigos 22 e 271 da CRP não pode deixar de considerar-se que, em casos de negligência grave, o agente responde de forma solidária com o Estado.

B- A irresponsabilidade do funcionário perante o lesado, nos casos de negligência, não se harmoniza com a função pedagógico-educativa da responsabilidade civil e, sobretudo, não protege o direito de indemnização dos particulares, razão pela qual a Constituição da República Portuguesa de 1976 veio estabelecer a regra da solidariedade.

C- Esta parece ser a melhor forma de compatibilizar o normativo vigente à data dos factos com a Constituição, uma vez que foi este regime de responsabilidade solidária que veio a ser consagrado na lei ordinária, com a entrada em vigor da Lei 67/2007, de 31 de dezembro.

D- Nestes termos, o agente Nuno ............ responder de forma solidária com o Estado Português, considerando que atuou com negligência grave.

E- No decorrer da perseguição veio a ocorrer o disparo de projétil que vitimou Paulo ........... Tal veio a ocorrer pela resistência da própria vítima à ação da autoridade, visando não ser identificado e responsabilizado, propósito que os militares da GNR tentaram, a todo o custo, impedir.

F- O projétil pelo qual Paulo .......... veio a ser atingido e lhe causou a morte ocorreu no decurso de uma perseguição que lhe foi movida e que nunca teria ocorrido se o mesmo não tivesse resistido e reagido com violência contra os militares da GNR que o abordaram, solicitando-lhe informação sobre a identidade do legal proprietário do motociclo.

G- A vítima concorreu de forma relevante para tal resultado, pelo que importa proceder à exclusão da indemnização, ou caso assim se não entenda, à sua considerável redução. Neste sentido considerar-se-ia ajustada uma proporção não inferior a 50%, pelo que os valores a atribuir terão de ser reduzidos, pelo menos, para metade, nos termos do artigo 570 do CC.

H- Não existe contradição entre considerar que o militar atuou com negligência, ao utilizar a arma de fogo de forma desadequada e defender que a vitima contribuiu de forma decisiva para a ocorrência do evento, uma vez que foi a sua conduta ilegítima que motivou a atuação do servidor do Estado.

I- Os danos morais devem ser fixados segundo os critérios definidos no artigo 496 do CC, devendo ser fixados equitativamente, isto é, serem proporcionados ao caso concreto, à gravidade do dano e serem ajustados à realidade, mediante uma criteriosa ponderação da situação em apreço, tendo também em conta as regras da boa prudência.

J- Ora, considerando as condições pessoais da vítima - importa não olvidar que o falecido não desempenhava qualquer atividade e vivia a expensas dos seus pais - o montante fixado a título do dano morte em € 70.000, afigura-se exagerado, parecendo-nos que seria adequado fixar tal indemnização em montante não superior a € 50.000.

K- Por outro lado, afigura-se que o valor de € 50.000 relativa a perda de alimentos futuros também se mostra manifestamente exagerada, uma vez que foi calculada com base no valor do salário mínimo nacional (C 505) multiplicado por 25 anos (idade até à qual o filho teria direito a alimentos), considerando um terço (referente à prestação de alimentos a prestar ao filho).

L- Para além de não se mostrar demonstrado que este auferia tal salário, sendo improvável que tal sucedesse nos anos subsequentes, o quantitativo da pensão nunca seria de um terço, ou seja, de € 166,00.

M- Com base num rendimento equivalente ao salário mínimo nacional a pensão a pagar pelo progenitor nunca atingiria tal valor, uma vez que que este teria de custear as suas próprias despesas, assim sendo, parece razoável entender que tal pensão não excederia € 50,00 mensais, pelo que se admite que tal quantitativo deveria ser fixado no máximo de € 15.000.

N- Todavia, não se olvide, que a vítima concorreu para o resultado, pelo que, se a exclusão da indemnização se mostrar excessiva, parece-nos que os montantes das indemnizações terão de sofrer uma redução mínima de 500, considerando o contributo decisivo do falecido na produção do infeliz evento.

O - A douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 483, 495, 496, 564, 570 e 572 do Código Civil, os artigos 22 e 271 da Constituição de República Portuguesa e os artigos 2, 3 e 6 do Decreto-lei nº 48.051 de 21 de novembro de 1967.

P - Deve, assim, ser revogada e substituída por outra que condene os réus, na forma e nos montantes acima referidos.

* O recorrido Nuno ………………… contra-alegou, concluindo: Inadmissibilidade do Recurso: 1.º O Recorrente vem versar o seu recurso em matéria de direito e matéria de facto.

  1. não cumprindo o n.º 2 do art. 639.º do CPC, por não ter aqui aplicação o seu n.º5, 3.º nem respeita os n.ºs 1 e 2 do art. 640.º, do mesmo diploma legal.

  2. Deve, pois, o recurso ser rejeitado, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 640.º do CPC.

    Embora sem se conceder, mas apenas por hipótese académica, sempre deveria ser negado provimento ao recurso.

    Vejamos, 5.º O Recorrente vem pedir que o Recorrido responda de forma solidária com o Estado Português, por considerar que aquele atuou com negligência grave.

  3. Ora, julgou e decidiu o Tribunal, onde correu termos o processo-crime, que "a atuação do arguido não integra o conceito de negligência grosseira".

    (Negrito nosso) 7.º O mesmo Estado, que nestes autos apresentou contestação, no art. 14.º deste articulado, não coloca em crise a sentença proferida no processo-crime, dando enfase ao facto da mesma ter transitado em julgado, aceitando o que ficou decidido quanto à culpa do arguido/Recorrido, e transcrevendo que "a culpa do militar foi diminuta (negligência simples)", e 8.º no art. 68.º do mesmo articulado, o Estado aceita que o Recorrido agiu ao nível da negligência simples.

  4. As alegações que constam no presente recurso da autoria do Recorrente Estado, não se coadunam com a contestação apresentada.

  5. O Recorrente Estado vem qualificar a conduta do Recorrido, quando os respetivos factos já foram julgados, cuja decisão já transitou em julgado, e com efeitos sobre o Estado Português 11º O Tribunal a quo veio fazer aplicação do art. 623.º do CPC, considerando que o ora Recorrente Estado Português não é terceiro para efeitos deste preceito legal (p. 27 da douta sentença).

  6. A razão da existência daquele preceito legal consta no relatório do DL 329-A/95, de 12/12, onde se refere que, por exigências decorrentes do princípio do contraditório, a decisão penal condenatória deixou de ter eficácia erga omnes, tendo a absoluta e total indiscutibilidade da decisão relativa à culpa então apurada sido transformada em mera presunção juris tantum, elidível por terceiro, da existência do facto e da sua autoria.

  7. A decisão penal tornou-se indiscutível - nos presentes autos- para o Recorrente Estado, que não é terceiro.

    No que tange à aplicação do DL n.º 48051, de 21 de novembro de 1967, 14.º Os factos integradores da causa de pedir decorreram no domínio da gestão pública, sendo que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas rege-se pelo DL n.º 48051, de 21 de novembro de 1967.

  8. Mais uma vez, sublinhamos o afirmado pelo Tribunal Constitucional: “a configuração do instituto da responsabilidade civil extracontratual da Administração, com a consagração do dever público de indemnizar e respetivos pressupostos, foi obra do Decreto-Lei nº 48051, no termo de uma evolução feita ao nível do direito infraconstitucional; e que o artigo 22º da Constituição acaba por acolher o instituto que a legislação ordinária modelara, conferindo-lhe dignidade constitucional.”.

  9. O que o art. 22º da CRP impõe é –apenas- que o Estado e demais entidades públicas respondem sempre ao lado dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes, por atos funcionais, quando a lei impuser a...

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