Acórdão nº 2347/16.5BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Dezembro de 2016

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul 1 – RELATÓRIO L...

, melhor identificada nos autos, apresentou reclamação, nos termos do artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do despacho do Chefe de Divisão de Execuções Fiscais da Câmara Municipal de ..., proferido em 9 de Maio de 2016 (e não em 21 de Março de 2015 como, por lapso, consta do relatório da sentença recorrida), no âmbito do processo de execução n.º ..., que lhe indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia.

Inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação, a Reclamante, e ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, formulando a final as seguintes conclusões: … “UM: Como refere o artigo 94°, nº 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, “Na exposição dos fundamentos, a sentença deve discriminar os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes." DOIS: Ora, o douto Tribunal a quo apenas se reporta à "descrição que a Reclamante faz desses invocados documentos", o que demonstra que não os terá visto.

TRÊS: E não tendo visto os documentos referidos pela aqui Apelante, não poderia nunca aferir da relevância sobre a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida em execução ou que a prestação da garantia lhe causa prejuízo irreparável.

QUATRO: O Tribunal a quo deveria ter analisado os documentos que a aqui Apelante juntou com a Oposição à Execução, tendo todavia se pronunciado sobre estes, sem os analisar, em incumprimento do artigo 94°, nº 3 do CPTA.

CINCO: nos documentos nºs 1, 2 e 3 juntos pode-se verificar que o vencimento da Executada está penhorado em 1/3 devido à penhora relativa ao Proc. Nº .../10.1YYLSB, 1/6, devido à Ordem de Penhora Nº ..., sendo que após a conclusão destes processos se irá proceder a uma nova penhora de 1/6 do seu vencimento.

SEIS: Sendo que o seu vencimento, insuficiente para ser novamente penhorado, aguarda o levantamento das penhoras que incidem sobre este, para posteriormente se proceder a nova penhora de 1/6 do seu vencimento.

SETE: Dado que o vencimento é um bem parcialmente impenhorável, à luz do artigo 738° do Código de Processo Civil, qualquer penhora iria incidir, em primeiro lugar, em bens que pudessem ser totalmente penhorados.

OITO: Todavia, afirma o douto Tribunal a quo em que a aqui Apelante possui bens, pelo menos, o imóvel a que se reportam os autos.

NOVE: Tendo o douto Tribunal a quo afirmado que os documentos juntos pela aqui Apelante e que comprovam o estado do imóvel não são relevantes, não poderia a aqui Apelante dispor de outras provas, que não as já juntas e que não foram analisadas.

DEZ: O imóvel da aqui Apelante está parcialmente destruído, tem as fachadas desfeitas e o que sobrou está coberto de entulho.

ONZE: Ou seja, o valor económico que este poderia ter tornou-se irrisório, pois ninguém irá adquirir um imóvel parcialmente destruído e que só iria acarretar enormes despesas.

DOZE: Por outro lado, esta exigência demonstra apenas uma espoliação por parte da Câmara Municipal de ..., que decide proceder a obras coercivas, destrói parcialmente o imóvel da aqui Apelante, e, tendo o próprio contrato de empreitada sido incumprido, intenta um processo de execução fiscal, para forçar a aqui Apelante a pagar algo que não teve qualquer utilidade e que não foi devidamente executado.

TREZE : Como refere o artigo 62°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa: "A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição." CATORZE: Refere ainda o nº 2 do mesmo artigo: "A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização." QUINZE: A Câmara Municipal está a retirar o imóvel à sua legítima proprietária, sem uma indemnização de qualquer tipo, o que é claramente inconstitucional.

DEZASSEIS: Como diz o artigo 17º, nº 2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, “Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade. " DEZASSETE: Ora, esta actuação por parte da Câmara Municipal de ... leva, claramente, a uma privação arbitrária do imóvel da aqui Apelante, na medida em que esta se viu forçada a suportar obras coercivas, que só pioraram a situação e, consequentemente, a pagar obras que destruíram parcialmente o imóvel, sendo obrigada a dar o mesmo imóvel como garantia.

DEZOITO: Por outro lado, como refere o artigo 1° do Protocolo 1 da "Convenção Europeia dos Direitos do Homem", a qual vincula o Estado Português na ordem jurídica interna (vide artigo 8°, nº 2,da CRP): "qualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional. As condições precedentes entendem-se sem prejuízo do direito que os estados possuem de por em vigor leis que julguem necessárias para a regulamentação do uso dos bens, de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuições ou de multas." DEZANOVE: Não estamos perante qualquer tipo de imposto ou multa, a aqui Apelante não cometeu qualquer infracção, mas de uma situação de expropriação arbitrária, através do regime de obras coercivas, que não existe, de todo, para esse efeito.

VINTE: Como refere o artigo 52°, nº 4 da Lei Geral Tributária, "A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentálo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado." VINTE E UM: A base da argumentação da Câmara Municipal e do douto Tribunal a quo é a de que não existe prejuízo irreparável, sendo que a única maneira de justificar essa tese seria afirmar que a Apelante já está em tal situação financeira, que arruiná-la só mais um pouco não fará mal, o que é totalmente inaceitável.

VINTE E DOIS: A aqui Apelante está numa situação de manifesta falta de bens económicos, tendo sérias dificuldades de subsistência.

VINTE E TRÊS: Com a dificuldade inerente à necessidade de provar a inexistência de algo, o que consagra um facto negativo, a aqui Apelante comprovou que tem o salário repetidamente penhorado, que não poderia ter mais bens, senão não teria o salário penhorado, e que a única coisa que lhe resta é um imóvel parcialmente destruído, o que será impossível de vender e que não lhe pode trazer qualquer rendimento.

VINTE E QUATRO: Estando o imóvel parcialmente destruído e necessitando de obras, que terão preços exorbitantes, é natural que este não tenha condições de servir como garantia idónea.

VINTE E CINCO: Sendo que o douto Tribunal a quo não procedeu a qualquer avaliação do imóvel, nem este foi reavaliado pela Câmara Municipal de ..., não podendo afirmar, sem qualquer fundamento, que "não é crível" que este não tenha condições de servir como garantia idónea.

VINTE E SEIS: Não se podendo o Tribunal pronunciar sobre a inexistência de culpa da aqui Apelante, por a Câmara Municipal não se ter pronunciado previamente sobre este requisito, vem a aqui Apelante referir, à cautela, que é claro que a responsabilidade desta situação é, por um lado, da Câmara Municipal de ..., e por outro, da ... ... e da ..., que celebraram o contrato de empreitada e decidiram não retirar o entulho, em total incumprimento do mesmo contrato, deixando a aqui Apelante, que já tem imensas dificuldades económicas, com um prédio parcialmente destruído.

Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, considerando procedente a reclamação do indeferimento do pedido de isenção de garantia, com o qual se fará Justiça.” * A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo expendido a final o seguinte quadro conclusivo: “ I. A douta Decisão sob recurso julgou totalmente improcedente a Reclamação incidente sobre o acto praticado pelo Senhor Chefe de Divisão de Execuções Fiscais da ..., em 21 de Março de 2016 que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia peticionado pela Recorrente, executada no PEF n.º ..., com vista à sua suspensão. A improcedência da Reclamação fundou-se na falta de prova dos pressupostos de que depende o deferimento da pretendida dispensa de prestação de garantia, nos precisos termos em que a mesma foi delimitada pela então Reclamante, ora Recorrente, a quem incumbia o ónus de alegar e provar os pressupostos de que depende a dispensa, nos termos conjugados dos arts. 52.º, n.º 4 da LGT e 170.º, n.º 3 do CPPT.

  1. A douta Sentença Recorrida selecionou as questões a resolver na presente acção, bem como os factos que, no seu entender, se encontravam documentalmente provados e assumiam relevo, quanto à apreciação da questão controvertida, isto é, a legalidade do despacho reclamado.

  2. Não só a matéria apurada é a que, nos autos, importa para a decisão dos mesmos, como a seleção da matéria de facto e a necessária delimitação da mesma às questões que interessa solucionar, na acção, constitui verdadeiro imperativo legal (cfr. art. 123.º do CPPT), pois impende sobre o juiz o dever de selecionar, de entre os factos levados a juízo pelas partes e por referência à prova produzida no processo, os que considera provados e que importam para a apreciação das questões a decidir.

  3. A Sentença a quo, no âmbito da livre apreciação da prova, deu como provados os factos constantes do probatório, elencou os fundamentos do pedido da então Reclamante em que o mesmo se sustenta, com vista à obtenção da...

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