Acórdão nº 09836/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução15 de Setembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I- Relatório B... [1º recorrente] e a Fazenda Pública [2º recorrente] interpõem, cada um por si, recurso jurisdicional. O recorrente particular tem em vista a revogação da sentença proferida fls. 136/147, que julgou improcedente a reclamação judicial deduzida contra o indeferimento tácito do pedido de anulação da venda do imóvel penhorado no processo de execução fiscal n.º ... e apensos.

A Fazenda Pública tem em vista a revogação do despacho proferido pelo tribunal recorrido a fls. 176, que rejeitou, por falta de legitimidade da recorrente, o recurso jurisdicional interposto contra a decisão que admitiu a petição de reclamação judicial em causa nos autos e ordenou a notificação da Fazenda Pública para responder, no prazo de 8 dias.

A) Quanto ao recurso jurisdicional interposto pelo 1.º R.

Nas alegações de fls. 178/210, o recorrente formula as conclusões seguintes: I) Como diria Terêncio, poeta da Roma Antiga: "A justiça inflexível é frequentemente a maior das injustiças." II) Sempre com o devido respeito por opinião diversa, a venda que mereceu a reclamação do ora Recorrente para além de manifestamente ilegal, é imoral; III) Devido a uma dívida de 4.500€ (Quatro Mil e Quinhentos Euros) o Recorrente ficou sem um imóvel onde só em construção foram gastos mais de 120.000C (Cento e vinte mil Euros) !!! A poupança de uma vida.

IV) Em face da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente, depoimento das testemunhas C... e L..., seus pais, que como o Tribunal "a quo" bem refere, apesar de emotivos, se afiguraram credíveis e com conhecimento directo dos factos relatados, o Tribunal deveria ter dado como provada a seguinte matéria factual constante do articulado do Recorrente 9º, 10º e 11º: Tais factos decorrem das seguintes passagens do depoimento da Testemunha C..., cujo depoimento se encontra gravado no CD único, ouvido na audiência de julgamento do dia 17/02/2016: • Passagens 04:35 a 06:40; V) Deviam igualmente ser dados como provados os pontos 15º e 16º do articulado do Recorrente, tais factos resultam do depoimento da testemunha C... , acima referida passagens: 07:05 a 08:25; VI) Por outro lado, o tribunal "a quo" deveria, ainda, ter dado como provados os pontos 28º, 29º, 34º, 36º, 37º, 39º e 40º.

VII) Quanto ao facto de que: "37º - a mãe do Requerente padece de profunda depressão há vários anos, tomando inclusive diversa medicação; Este facto decorre do relatório médico apresentado na audiência de discussão e julgamento e admitido pela Senhora Juíza, no qual se refere que: // "Eu M..., médico licenciado pela faculdade de medicina de Lisboa, portador da cédula profissional n.º …, declaro por minha honra que a Sr.

a L... portadora do cartão único …, válido até 12/05/2016 durante vários meses desde Fevereiro de 2010, até Março de 2012 andava a ser medicada para uma depressão reactiva, devido a múltiplos problemas familiares. Actualmente está muito melhor, e só faz terapêutica de manutenção.

Por ser verdade e por me ter sido solicitado passo o presente atestado que dato e assino." VIII) Por outro lado quanto aos pontos 28º, 29º, 34º, 36º, 39º e 40º, resultam quer da prova documental junta aos autos, ou seja, as assinaturas apostas nas notificações em causa nos presentes autos, nomeadamente, da notificação que designou data para abertura de propostas em carta fechada para venda do imóvel, não pertencem ao Recorrente; IX) Por outro lado, foi a própria mãe do Recorrente, que o tribunal "a quo" reconheceu, e bem, que prestou um depoimento credível a afirmar expressamente que não procedeu à entrega das cartas ao Recorrente, que as cartas nem eram abertas e eram entregues ao contabilista; Esta testemunha foi ouvida na audiência de discussão e julgamento do dia 17/02/2016, conforme depoimento que se encontra gravado no CD único, sendo importantes para dar como provados os factos acima referidos as seguintes passagens: // Passagens 16:00 a 17:00; // Passagens 18:30 a 19:30; X) O depoimento desta testemunha é confirmado por documentação junta aos autos, para além das notificações, como acima se referiu terem sido assinadas pela testemunha e não pelo Recorrente, existe a participação criminal, cujos factos foram dados como provados nas alíneas U), V) e W) da matéria de facto dada como provada; XI) Ou seja, dúvidas não restam que o Recorrente apenas teve conhecimento que o seu imóvel havia sido vendido após terem entrado no mesmo e este ter participado criminalmente os factos; XII) O Tribunal "a quo" teria que ter dado como provado que a mãe do Reclamante L... , não entregou as cartas a que se refere a alínea R) da matéria de facto dada como provada ao Recorrente.

B. NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO DO RECORRENTE DO DESPACHO QUE DETERMINOU A MARCAÇÃO DA VENDA DO IMÓVEL E INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO; XIII) Como bem refere o tribunal "a quo" constitui jurisprudência pacífica que as formalidades a observar no âmbito do presente procedimento de venda são as mesmas que se encontram previstas no CPC (neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferidos nos processos n.º 0161/12, em 20 de junho de 2012, e n.º0877/12, de 12 de Setembro de 2012); XIV) Antes de analisar e verificar se o Recorrente conseguiu ou não afastar a sua presunção importava apurar se, no presente caso concreto essa presunção existia, e se, por outro lado, a notificação em causa era ou não válida.

XV) Da matéria de facto dada como provada consta que a notificação por carta registada da marcação da venda do imóvel não foi efetuada na pessoa do Recorrente, nem foi este que assinou o aviso de receção; XVI) Da matéria de facto dada como provada não consta, desde logo, que a Autoridade tributária tivesse dado cumprimento ao disposto no artigo 233° do C.P.C.

XVII) Da matéria de facto dada como provada não resulta que a Autoridade Tributária tivesse dado cumprimento ao disposto no atual artigo 233° do C.P.C., ou seja, não tendo a notificação sido efetuada na pessoa do Recorrente estava a Autoridade tributária obrigada a remeter-lhe nova carta registada, comunicando-lhe: // A data e o modo por que o ato se considera realizado; // O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis á falta desta; // O destino dado ao duplicado; e // A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.

XVIII) Não cumprindo a Autoridade Tributária o disposto no artigo 233° do C.P.C, encontra-se a própria citação ferida de nulidade; XIX) Por outro lado, no caso sub judice a presunção relativa prevista no artigo 230° do C.P.C, só pode produzir efeitos no caso de ficar demonstrado o cumprimento do disposto no artigo 233° do C.P.C.

XX) Só quando remetida a carta a que se refere o artigo 233°, do CPC, com a advertência nele exigida se colocará a hipótese de o citando provar que não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável porque, não se cumprindo a formalidade aludida, não existem condições objetivas para, com razoável segurança, se admitir que o citando tomou conhecimento do ato em causa e, assim, accionar a mencionada presunção.

Por este motivo deveria, desde logo a Reclamação apresentada pelo recorrente ter sido julgada procedente, com as legais consequências; Mas mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se coloca à cautela ainda diremos o seguinte: C. DA EXISTÊNCIA DE PROVA CLARA DE QUE O RECORRENTE NÃO TEVE CONHECIMENTO DO DESPACHO QUE DESIGNOU O DIA 14/02/2014 PARA VENDA DO IMÓVEL.

XXI) Refere o tribunal "a quo" na sua fundamentação, para decidir como decidiu, pág. 21/23, penúltimo parágrafo, que "...

não ficou convencido que as duas cartas a que alude a alínea R), em concreto, não tenham sido entregues ao Executado.

XXII) Ora, esta afirmação afigura-se-nos que está em contradição com aquilo que o Tribunal "a quo" deu como provado BB) da matéria de facto dada como provada, ou seja: // "A mãe do Reclamante, L... , recebeu correspondência remetida pela Autoridade tributária para o seu filho, ora Reclamante, e não a entregou ao destinatário." XXIII) No caso sub judice temos pontos essenciais que demonstram claramente a impossibilidade do Recorrente receber a correspondência remetida pela Autoridade Tributária: O Recorrente era motorista de veículos pesados de mercadorias passando longos períodos no estrangeiro; A mãe do recorrente que recebia a correspondência encontrava-se num estado depressivo; Foi a mãe do Recorrente que recebeu a correspondência designando data para venda do imóvel; A mãe do Recorrente afirmou perentoriamente que não entregou as cartas ao recorrente; XXIV) Como referem José Lebre de freiras e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, 3a edição, Coimbra Editora, pág. 445: "Só a entrega da carta ao citando, permitindo o inteiro conhecimento dos elementos que a citação lhe visa transmitir, equivale ao conhecimento efetivo a que se refere o mesmo art. 225-4, pelo que a ilidibilidade da presunção estabelecida é uma exigência do direito de defesa." XXV) Pelo que, sempre com o devido respeito por opinião diversa, dúvidas não restam que por culpa que não lhe pode ser atribuída o Recorrente não teve conhecimento da venda do imóvel nos presentes autos; XXVI) Conforme refere Luís Filipe Pires de Sousa in "Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, pág. 86: "Na presunção legal relativa não pode extrair-se necessariamente a verdade do facto a provar mas apenas uma forte probabilidade e verosimilhança...

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