Acórdão nº 10737/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelHELENA CANELAS
Data da Resolução19 de Abril de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO A Santa Casa da Misericórdia de ...

, autora na Ação Administrativa Comum que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (Proc.º nº…) contra o Estado Português – na qual peticionou a condenação do réu a reconhecer que ao abrigo do artigo 9º da Lei nº 24 de Junho de 2012, publicada do Diário do Governo nº 150º, de 28 de Junho de 1912 assiste à autora o direito a receber a transferência de 25% sobre o valor proveniente das entradas nos Palácios de Sintra e da Pena ali prevista – inconformada com a sentença de 24/05/2012 do Tribunal a quo que julgando improcedente a ação absolveu o Réu do pedido, dela interpôs o presente recurso, pugnando pela sua revogação.

Formula, a final, as seguintes conclusões nos seguintes termos: 1. Mal andou a douta sentença recorrida ao entender que operou a revogação tácita da Lei do Congresso da República de 24 de Junho de 1912, por incompatibilidade do regime entretanto instituído com aquele que decorria do referido diploma legal.

  1. Isto porque o regime geral introduzido na nossa ordem jurídica pelo Decreto-Lei n.º 512-G2/79, de 29 de Dezembro, não expressa a intenção inequívoca do legislador de proceder à revogação do regime especial estabelecido pela Lei do Congresso da República de 24 de Junho de 1912, nos termos exigidos pelo n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil.

  2. Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 512-G2/79, de 29 de Dezembro e o Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro manifestaram, expressamente, a intenção inequívoca do legislador de não afetar os regimes especiais vigentes à época, para as instituições particulares de solidariedade social abrangidas pelo novo regime geral.

  3. Pelo que, também por este prisma, se conclui pelo erro de julgamento perpetrado pela douta sentença recorrida ao entender que operou a revogação tácita da Lei do Congresso da República de 24 de Junho de 1912.

  4. Errou ainda a douta sentença ora recorrida ao considerar a vigência da norma da Lei do Congresso da República de 24 de Junho de 1912 viola o princípio da igualdade, ínsito na Constituição da República Portuguesa.

  5. Não obstante, é o próprio Tribunal de Contas que assume que os apoios concedidos às instituições particulares de solidariedade social são concedidos por outras vias que não apenas os acordos de cooperação instituídos pelo Decreto-Lei n.º 512-G2/79, de 29 de Dezembro.

  6. Sendo certo que nem se poderá reconduzir a regalia concedida pela norma em causa a um apoio financeiro do Estado, porquanto tal receita é originariamente afetada à Recorrente, sua proprietária, sendo o Estado como o depositário que intermedia a operação de cálculo do montante a que corresponde, em cada ano, a percentagem legalmente definida.

    O recorrido Estado Português contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo formulando o seguinte quadro conclusivo a tal respeito: 1º- A A. Santa Casa da Misericórdia de … interpôs o presente recurso da douta sentença de fls. no qual pede a revogação da sentença proferida por considerar verificarse erro de julgamento determinado pela incorrecta interpretação e aplicação das normas e princípios aplicáveis.

    1. - Do teor da decisão sob recurso extrai-se que se considerou, comparados os regimes legais, ser caso de aplicação do disposto no artgº. 7º nº 2 do CC, ou seja que a aplicação da nova lei, no caso o DL 519-G2/79, e Despachos Normativos subsequentes, é incompatível com o preceituado na regra precedente ou seja com a disposição do artgº. 9° da Lei de Congresso, verificando-se assim que ocorreu a revogação tácita deste último dispositivo legal.

    2. - Decisão que ao contrário do alegado se afigura totalmente correcta e em coerência com a lei aplicável, designadamente com o sobre esta matéria dispõe o artgº. 7° nº 2 do Código Civil.

    3. - É o seguinte o texto decisório da sentença, na parte que agora interessa: «Por quanto vem dito, impõe-se concluir que o parágrafo único do artgº. 9º da Lei de Congresso de 24 de Junho de 1912, que conferia à Autora o direito a auferir 25% do valor da venda de bilhetes de entradas nos Palácios de Sintra e da Pena, se encontra tacitamente revogado desde a entrada em vigor Decreto-Lei nº 519-G2/79 e Despachos Normativos emitidos para a sua execução, por incompatibilidade do regime instituído com aquele que decorria da lei de 24 de Junho de 1912.» 5°- Assim e ao contrário do que neste aspecto alega a recorrente não se coloca a questão da revogabilidade da lei especial pela lei geral, neste caso da Lei de Congresso (lei especial) pelo Estatuto das IPSS (lei geral).

    4. - Verificando-se que o DL 519-G2/79 configura também ele a criação de Lei especial na medida em que veio consagrar de forma autónoma o Estatuto Jurídico das IPSS, que anteriormente se encontrava regulamentado em termos genéricos na legislação que regulava o regime jurídico das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, previsto no DL 460/77 de 7/11.

    5. - Alega ainda o recorrente que os DL 512-G2/79 de 29/12 e 119/83 de 25/2, artgº. 97°, manifestaram expressamente a intenção inequívoca do legislador de não afectar os regimes especiais vigentes à época, para as IPSS, abrangidas pelo novo regime, daí dever manter-se o disposto no artgº. 9° da Lei de Congresso.

    6. - Sucede no entanto que aquilo que a recorrente denomina de regalias, vantagens, benefícios, privilégios, nada tem a ver com a manutenção do preceituado no artgº. 9º da Lei de Congresso, mas sim com os benefícios que anteriormente já eram concedidos a este tipo de instituições através do DL 460/77 de 7/11, designadamente quanto a isenções fiscais, artgº. 9°, regalias, artgº. 10º e direitos de expropriação, artgº 11°.

    7. - Benefícios estes que foram sendo até ampliados dada a natureza da actividade prosseguida, como se alcança do DL 9/85 de 9/1, Estatuto dos Benefícios Fiscais, DL 215/89 de 1/7 e demais legislação aplicável em sede de Códigos de IRC e IVA.

    8. - Sendo certo que nestes benefícios não cabe o previsto no artgº. 9° da Lei de Congresso, nem a lei artgº. 97º do DL 119/ 83, quando estipulou a manutenção dos benefícios, teve em vista a preservação do mesmo, que apenas se aplicava à Santa Casa da Misericórdia de …, mas sim aqueles que já anteriormente existiam e que abrangiam de forma genérica as pessoas colectivas de utilidade pública.

    9. - O Tribunal Constitucional como se alcança da decisão proferida nestes autos pronunciou-se sobre a constitucionalidade do artgº. 9º da Lei de Congresso, apenas como foi requerido na vertente da eventual violação de normas e princípios constitucionais de natureza orçamental, constantes do artgs. 105º da CRP e não quanto à eventual violação de outros direitos constitucionalmente consagrados.

    10. - Não pode assim afirmar-se como faz a A. que; "... o juízo de inconstitucionalidade quanto à vigência da norma da lei de Congresso da Republica de 24 de Junho de 1912, quanto ao ora recorrente já obteve uma pronúncia do próprio Tribunal Constitucional, sobre a não constitucionalidade da norma em questão." 13º- O juízo de inconstitucionalidade da norma cingiu-se apenas, como a própria decisão deixou bem claro, à questão de saber se o título atributivo da receita reclamada pela A. violava princípios orçamentais.

    11. -Argumenta ainda a recorrente invocando o acórdão do TC, que os apoios concedidos às IPSS, não se esgotam nos acordos de cooperação estabelecidos no âmbito do DL 19/83 de 25/2 e do Despacho Normativo que o Regula, podendo assumir outras vertentes, designadamente como consta da decisão do TC, os subsídios eventuais por via do FSS e os apoios através de programas, como sejam o Pilar e o PAII, bem como as transferências destinadas a investimento através do PIDAC, daí supõe-se a legalidade do artgº. 9° da Lei de Congresso.

    12. - No entanto tal afirmação por parte do TC, em nada colide com a fundamentação da sentença recorrida, já que muito embora os acordos de cooperação possam assumir outras vertentes para além dos já previstos no DL 119/83, qualquer deles é também sujeito a contratualização e fiscalização rigorosa, como determina a lei.

    13. - Os acordos celebrados entre as instituições e o Estado que, envolvam comparticipações financeiras, bem como as respectivas alterações revestem sempre a forma de contrato escrito, Norma XIV do DN 75192 de 20/5 com as alterações do DN 31/2000 de 31/7/2000, protegendo-se assim a transparência nas relações entre o Estado e as instituições.

    14. -É atribuído ao Estado o poder de fiscalização ou de inspecção do cumprimento dos acordos de cooperação por parte das instituições, Norma XVI- nº 1- h), (com as alterações constantes do Despacho Normativo nº 31/2000 de 31/7/2000) do DN, artgº. 63 nº 5 da CRP, e DL. 119/83.

    15. -Todos os programas/projectos citados, FSS, PILAR, PAII e PIDAC, obedecem a rigorosa contratualização e o seu cumprimento está sujeito a fiscalização da respectiva tutela, v. a este propósito Relatório do Tribunal de Contas, Proc. 45/05, AUDIT, Auditoria à Concessão de Apoios às lPSSS htp://www.tcontas.pt/pt/actos/rel _auditoria/2006/audit-dgtc-rel035-2006-2s.pdf, se não vejamos; 19º- O mesmo sucede quanto às receitas provenientes do jogo que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa organiza em regime de exclusividade, como determina o artgº. 4° nº 3-s) dos seus Estatutos, DL 235/2008 de 3112, dado que todas essas receitas se encontram afectas a um fim legalmente previsto, como se alcança do DL 56/2006 DE 15/3, alterado pelo DL 44/2011 de 24/3 e 106/2011 de 21/10 e Portarias 327/2012 de 18/10 e 359/2012 de 31/10.

    16. -Acresce que constituindo receitas da SCML, «A parte dos resultados líquidos e financeiros de exploração de jogos que for legalmente fixada», artgº. 43º nº 1- a), dos Estatutos, essas receitas necessariamente são englobadas no orçamento desta instituição e a sua afectação sujeita a aprovação da tutela, v. artgº. 44º dos Estatutos.

    17. -Verificando-se assim que, o que importa aqui realçar, é que todas as verbas obtidas com os jogos cuja exploração a SCML assegura em regime de exclusividade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT