Acórdão nº 2019/17.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução05 de Abril de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Ministério X, devidamente identificado nos autos de ação de impugnação instaurada por R.

, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 20/11/2007, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação procedente, condenando a entidade demandada na prática do ato de concessão de asilo devido, com a consequente anulação do ato de indeferimento impugnado.

* Formula o Recorrente, nas respetivas alegações as seguintes conclusões, que se reproduzem: “1.ª O ora Recorrente não pode deste modo concordar com a douta sentença, a qual procedeu num incorreto enquadramento e interpretação dos factos.

  1. Contrariamente ao que a mesma fez, os fundamentos em que se alicerçou conduzem precisamente à posição inversa.

  2. Aliás, os esforços envidados no sentido de esclarecer o melhor possível do merecimento do pedido em causa, ao invés do concluído pelo tribunal a quo, vieram reforçar a irrepreensibilidade da decisão adotada pelo recorrente - Não acato do desiderato em causa.

  3. O ora recorrente mantém assim tudo quanto verteu para o processo em causa, onde logra provar que a decisão do Réu respeitou integralmente os princípios, normas e trâmites legalmente previstos.

  4. Enfim, a douta sentença ao considerar sob a égide do instituto da proteção internacional a factualidade aduzida pelo recorrido, extravasou o âmbito da mesma.

  5. Ainda que assim não fosse, igualmente se poderia afirmar, que o pedido subjacente à decisão de recusa de entrada em território nacional do Recorrido tem por objetivo ludibriar as autoridades nacionais para, na ausência de fundamento legal e factual, para que o mesmo possa usufruir de um estatuto a que não tem direito.

  6. Na verdade, ostensivo se mostra que o Autor não preenche qualquer dos requisitos, quer do art. 3.º da Lei 27/2008, de 30 de Junho, quer do art.7.º do mesmo diploma legal.”.

    Pede a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida com todas as legais consequências.

    * O Recorrido, notificado, não contra-alegou o recurso.

    * O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento, por o pedido de asilo ser infundado, não satisfazendo nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque, com vista ao reconhecimento do estatuto de Refugiado.

    Sustenta que o Requerente não concretizou nem comprovou quaisquer medidas individuais persecutórias de que tenha sido alvo.

    Conclui que a sentença recorrida encerra de erro de direito ou de julgamento, assim como da sua subsunção do direito aos factos provados, nomeadamente com ofensa e erro de interpretação e aplicabilidade das disposições legais que ali vêm apontadas.

    * O processo vai, sem vistos, dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.

    II.

    DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

    As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, na interpretação dos factos e do direito, quanto à demonstração dos requisitos previstos no artigo 3.º ou do artigo 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, por não ser concretizado o alegado receio de perseguição que justifique a necessidade de proteção de asilo ou de protecção subsidiária.

    III.

    FUNDAMENTOS DE FACTO O acórdão recorrido considerou assentes os seguintes factos: “a) O autor aparenta ser e apresenta-se de nacionalidade da Gambiana, nascido a X, na localidade de Y (cfr. fls. 1 e 9 do Processo Administrativo (PA)); b) A 14/06/2017, o autor apresentou pedido de protecção internacional ao Estado Português (cfr. fls. 23 do PA); c) A 21/06/2017, o autor prestou declarações no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, nas quais pode ler-se o seguinte (cfr. fls. 29 a 33 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): “Pergunta (P). Que Língua(s) fala? Resposta (R). Inglês e mandika e um pouco de Wolof.

    1. Em que língua pretende efectuar esta entrevista? R. Em inglês e mandika.

    2. Tem advogado? R. Não.

    3. Refere ser nacional da Gâmbia. Tem algum documento que comprove a sua nacionalidade e/ou identidade? R. Tenho o passaporte que está com a polícia no aeroporto. P: Qual é o seu estado civil? Tem filhos? R. Sou solteiro. Não tenho filhos.

    4. Qual é a sua escolaridade? R.Tenho o ensino secundário, terminei em 2013 P. Professa alguma religião? R. Sou muçulmano P. Pertence a algum grupo étnico? R. M P. Em que local residia na Gâmbia? Desde quando e até quando residiu nessa morada? Com quem morava? R. Em Y nasci, cresci e vivi em Y até Março de 2017. Mudei-me depois para Y., um local entre Senegal e Gâmbia. Vivia em Y com a minha mãe e irmãos (4 irmãos e três irmãs). Em Y. vivi sozinho.

    5. Qual é a sua profissão? Até quando trabalhou? Qual o local de trabalho? R. Controlador de material e logística num armazém em Fajara. Comecei em finais de Novembro de 2016 e fiquei até Março de 2017.

    6. Tem familiares a residir atualmente na Gâmbia? Em que local? Tem contacto com eles? R. Sim, a minha mãe e irmãos. Eles continuam a viver em Y. Não mantenho contacto com a minha família porque tenho um problema com eles.

    7. É, ou alguma vez foi, membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, na Gâmbia? R. Não.

    8. Tem ou teve algum problema com as autoridades policiais, judiciais do seu país? R. Tenho um problema com o departamento de polícia. Eu não tenho carta de condução e não sou bom condutor, e tive que conduzir o carro do meu primo porque estava a fugir da minha família. Tive um acidente, em Março de 2017, e a minha família informou a polícia que eu estava a conduzir aquele carro.

    9. Por que motivo é que deixou o país de onde é nacional? R. No ano passado a excisão foi banida da Gâmbia, mas a minha mãe praticava essa mutilação genital feminina in Y na nossa sociedade, eles faziam isso anualmente. Quando a minha mãe quis praticar essa mutilação na minha irmã, M.., de 8 anos eu discordei e fui reportar a polícia. A minha mãe utilizava o sangue retirado dessas operações em rituais e vinham pessoas de todo o lado para esses rituais para os ajudar a nível profissional, para serem promovidos.

    10. E depois? R. O polícia, O., não seio nome completo dele, era o chefe do departamento de polícia, e também ia frequentemente ter com a minha mãe para obter ajuda e usavam o tal sangue nos rituais. Quando fui falar com ele da intenção da minha mãe não sabia que ele participava nesses rituais e falei com ele porque pensei que ele ia fazer o seu trabalho. Eu não queria que a minha mãe fizesse isso a minha irmã pois gosto muito dela e somos muito chegados. Esse polícia foi contar o que eu tinha reportado à minha mãe. Depois o polícia disse a minha mãe que se ele não fizesse nada, talvez eu fosse reportar aos superiores dele P. E depois? R. O meu primo L. disse que se eu não fugisse dali, talvez a policia e a minha mãe seriam capazes de me matar, P. E então? R. O meu primo levou-me de mota e tivemos um acidente e fomos para F.. Isto foi em Março de 2017.

    11. Quando foi queixar-se a polícia das intenções da sua mãe? R. Em início de Março.

      P.A sua mãe praticou a mutilação genital na sua irmã? R. Sim. P. Quando? R. Quando eu fugi, não me lembro.

    12. Como sabe então que a sua irmã foi mutilada? R. Porque um amigo (B.) do local onde vivia me disse por telefone. Falei com o B. dois dias depois de ter fugido.

    13. Tiveram um acidente de mota, mas houve consequências desse acidente de mota para si? Teve problemas com a polícia devido ao acidente? R. Batemos num restaurante mas a polícia estava a procura de quem tinha feito aquilo.

    14. Como sabe que a polícia estava a procura de si? R. Porque o meu primo disse que a polícia estava a minha procura porque ele tinha dito que era eu que estava a conduzir a mota.

    15. Então a polícia estava a sua procura por causa desse acidente? R. Eu estava a ser procurado por causa do acidente. A minha mãe também disse a polícia que eu é que tinha causado o acidente.

    16. Então não estava a sua procura por causa do assunto da sua mãe, daquilo que reportou sobre a mutilação genital feminina? Foi só por causa do acidente? R. Sim porque o assunto sobre a mutilação ficou só entre mim, O. e a minha mãe, eles esconderam o facto de eu ter reportado aquilo a polícia.

    17. Então fugiu do seu país porque motivo? R. Inicialmente foi por causa da minha família mas depois foi por causa do acidente.

    18. Como é que você sabe que o O. contou o que reportou a sua mãe? R. O meu primo disse, P. Mas você disse que o assunto ficou só entre si, O. e a sua mãe.

    19. Mas o meu primo estava comigo quando reportei a polícia. Eu quando conversei com o O. o meu primo não estava lá mas sabia do assunto.

    20. Mas como é que o seu primo sabia que O. foi queixar à sua mãe? R. O meu primo foi cumprimentar a minha mãe e viu ele a contar à minha mãe que eu tinha ido fazer queixa dela.

    21. Quando é que ele foi cumprimentar a sua mãe? R. Não sei mas foi numa noite do mês de Março de 2017.

    22. Quantos dias se passaram entre a sua queixa a O. e a sua fuga do país de mota? R. Talvez dois ou três dias.

    23. Durante esses dois ou três dias ficou na sua casa? R. Sim, mas não estava bem com eles.

      P.O que quer dizer com "Não estava bem com eles"? R. Após verem a minha resistência ao que faziam eles não me tratavam bem. Eu disse que aquilo não aconteceria enquanto eu estivesse ali e então eles não me davam comida e não me deixavam tirar água para tomar banho em casa, eu tinha...

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