Acórdão nº 2585/17.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução05 de Abril de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo IP, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dela vem recorrer, concluindo com segue: 1. A douta sentença recorrida padece do vício de violação de lei que justifica a sua revogação; 2. Com efeito, o Tribunal a quo não procedeu à correta interpretação e aplicação dos artigos 3º nº 3 da Lei 12/2005 e 1º nº 3 da LADA, que são a sua única base legal para fundamentar a sentença; 3. O Tribunal a quo descurou a aplicação ao caso concreto do regime legal vertido na LPDP, maxime dos seus artigos 3º al. h), 6º e 7º nº 2, que concretizam os artigos mencionados na conclusão II.

  1. Bem como descurou a aplicação ao caso concreto do regime legal vertido no artigo 6º nº 5 al. a) da LADA, que também concretiza os artigos mencionados na conclusão II.; 5. Tais normativos exigem que o consentimento do titular dos dados de saúde que legitima o seu acesso por terceiros resulta de uma manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida; 6. Conceitos que há muito se encontram consolidados na jurisprudência e doutrina administrativa da CNPD, que o Tribunal a quo simplesmente ignorou; 7. O Tribunal a quo limitou-se a verificar que formalmente existia uma cláusula, a final da apólice, denominada «Tratamento de dados pessoais» e a considerar que isso preenchia a previsão da norma, que permite o acesso aos dados de saúde; 8. Ao invés, o Tribunal a quo deveria ter avaliado e verificado se materialmente aquela cláusula preenchia a previsão da norma. Isto é, se no caso concreto, estamos perante um consentimento que resulta de uma manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida, tal como obrigam os artigos 6º nº 5 al. a) da LADA e artigos 3º al. h), 6º e 7º nº 2 da LPDP 9. O Tribunal a quo descurou igualmente a aplicação ao caso concreto da jurisprudência consolidada dos tribunais cíveis superiores que entendem que as cláusulas apostas em contratos de seguro que exigem a apresentação de relatório de onde constem as causas, início e duração da doença que causou a morte do de cujus são nulas nos termos do artigo 12º e 21º al. g) da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, porquanto modificam a repartição do ónus da prova.

  2. Caso tivesse procedido à correcta aplicação do Direito aos factos, bem como tido em conta o ordenamento jurídico, no seu todo, incluindo a doutrina administrativa consolidada da CNPD e a jurisprudência dos tribunais cíveis superiores, o Tribunal o quo facilmente teria concluído que o consentimento prestado à Recorrida pela falecida C… não resulta de uma manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida; 11. A leveza com que o douto Tribunal a quo interpretou e aplicou o Direito tanto é mais grave quando a Recorrida é uma Companhia de Seguros e é, notória e publicamente, sabido que o acesso de empresas seguradoras a dados médicos de pessoas falecidas, em busca de informação clínica, visa sobretudo exclusões de responsabilidade.

  3. A pretensão da Recorrida de acesso a informação clínica da falecida C… deveria, por tudo, ter sido considerada improcedente.

    * A Recorrida…– Companhia de Seguros contra-alegou, concluindo como segue: 1. A Recorrente não se conforma com a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual veio julgar a presente acção de intimação totalmente procedente, intimando o Hospital a prestar a informação clínica solicitada à ora Recorrida.

  4. Alega que não existe consentimento expresso da Segurada nesse sentido e que o douto tribunal interpretou e aplicou erradamente a lei. Porém, salvo melhor entendimento, sem qualquer razão, 3. Isto porquanto, e tal como resultou provado na douta acção, do boletim de subscrição do Contrato de Seguro de Vida Individual - Protecção Safecare, oportunamente junto pela Recorrida, resulta a seguinte clausula: "O Tomador do Seguro e as Pessoas Seguras autorizam ex&ressaffi&rite o Segurador (...), entidade responsável pelo presente tratamento de dados a recolher, armazenar, interconectar e tratar informaticamente ou não os dados pessoais (incluindo dados de saúde) fornecidos, bem como outros que o Segurador obtenha legalmente (...)" 4. Ora, nos termos da Cláusula 2.9.4.3 das Condições 'Especiais do contrato de seguro de vida individual subscrito, tais documentos são, entre outros, "Atestado médico onde se declarem as causas, início e duração da doença ou lesão que causou a morte".

  5. Sendo que, no Boletim de subscrição, a Segurada; declarou que lhe foram prestadas de forma integral e pormenorizada todos os esclarecimentos necessários (incluindo os solicitados) sobre todos os direitos e deveres decorrentes da celebração do contrato de seguro, assim corno coberturas e exclusões do mesmo.

  6. Declarando igualmente ter compreendido e entendido as mesmas como necessárias para a sua tomada consciente decisão de contratar.

  7. Ora, não se alcança em que medida poderá existir um consentimento mais expresso do que o dado pela Segurada no sentido de dever ser facultado o acesso â sua documentação clínica que venha a ser necessária à Seguradora.

  8. Por outro lado, também não são nulas, como alega a Recorrente, ainda que subtilmente, alegar a nulidade das cláusulas do contrato de seguro subscrito por entender que a Segurada desconhecia o seu alcance.

  9. Na verdade, à data da subscrição do Contrato de Seguro em causa, a Segurada tinham pleno e efectivo conhecimento das cláusulas contratuais, as quais lhes foram inclusivamente explicadas, conforme expressamente' declarou, bem como autorizou, expressamente, a Recorrida a consultar junto de qualquer entidade a sua documentação clínica, pelo que, atento o consentimento expresso, livre e informado da Seguradora, não pode o ora Recorrente vir pôr em causa as suas declarações e, bem assim, a nulidade do contrato de seguro por entender que a Segurada desconhecia o seu alcance.

  10. Por outro lado, e não se tendo a Segurada limitado a subscrever um conjunto de cláusulas existente mas tendo sido, na verdade, devidamente esclarecida sobre as cláusulas a que aderia no seu caso concreto, não podem as referidas cláusulas ser consideradas abusivas e, consequentemente, nulas. Na verdade, e não obstante o supra exposto, 11. Não será admissível impor às Seguradoras a aceitação ou o pagamento de todo e qualquer risco/prejuízo, no pressuposto que estes possam ser inerentes à mera celebração de um contrato de seguro uma vez que, a admitir-se tal facto sem se exigir em contrapartida a verificação de certos pressupostos, de resto explanados nos contratos e do conhecimento dos Segurados que os subscrevem, violar-se-ia, por completo, o equilíbrio contratual das partes.

  11. Por outro lado, a obtenção por parte da Seguradora de dados relativos ao estado de saúde e caudas de morte, em nada colide com os direitos dos Segurados, porquanto estes são obtidos com a finalidade exclusiva de atestar que as declarações que os Segurados prestaram aquando da celebração dos contratos são verdadeiras, sendo sempre garantida a confidencialidade inerente aos mesmos, porque facultados a médicos designados pelas Seguradoras e, como tal, não atentam a quaisquer direitos dos Segurados como sendo o direito de reserva da vida privada e intimidade das pessoas. Ora, 13. O que apenas esteve em causa na presente acção foi saber se a Seguradora Recorrida tinha ou não o direito a aceder à informação clínica relativa à sua Segurada, defendendo a Recorrente apenas e só que a Requerente não tinha um1 interesse directo e legitimo na documentação que requisitava, nem consentimento da Segurada para a obter.

  12. Neste âmbito, interessa o disposto no n.° 5 do artigo 6.° da L.ADA, que dispõe que um terceiro deverá ter acesso aos documentos quando: a) estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito; ou b) o terceiro demonstrar interesse directo, pessoal e legitimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.

  13. Em igual sentido dispõe o n.° 3 do artigo 3.° da Lei 12/2005, de 26 de Janeiro, que autoriza o acesso a tais dados por parte de terceiros, desde que se encontrem verificados dois pressupostos: i) autorização escrita do respectivo titular; ii) transmissão de dados junto de médico, com habilitação própria, escolhido pelo titular.

  14. No presente caso, conforme já exposto, não restam dúvidas de que a Recorrida se encontra munida de declaração expressa da Segurada para aceder à sua informação clínica, em caso de sinistro, resultando igualmente, que a mesma é titular de um interesse directo, pessoal e legitimo segundo o princípio da proporcionalidade, sendo de referir também que tais documentos foram, corno se exige, solicitados pelo médico conselheiro da Companhia.

  15. Aliás, como referiu a douta sentença: "Por outro lado, através das informações de saúde existentes até à data da celebração do contrato, a seguradora poderá atestar a veracidade dos elementos de saúde fornecidos pela pessoa segura no momento da celebração do contrato de seguro (...)" 18. Ora, é exactamente neste facto que se consubstancia, corno referido, o interesse da Seguradora, pois da documentação em causa podem resultar factos relevantes para a verificação dos pressupostos da obrigação de uma seguradora pagar o valor de uma indemnização em virtude da morte da pessoa segura.

  16. Na verdade, trata-se de aceder a documentação médica de onde podem resultar factos relevantes para a verificação dos pressupostos da obrigação de uma seguradora pagar o valor de uma indemnização em virtude da morte da pessoa segura, que, ao subscrever o contrato se seguro, consentiu livre, informada e expressamente, no próprio interesse, a Seguradora a aceder a tal documentação que, a final, só a ela lhe diz respeito, consentimento este que não ofende, de forma alguma, qualquer direito constitucionalmente consagrado, o que basta para ser legítimo. Pelo que, 20. Se consideram inequivocamente...

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