Acórdão nº 07348/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 31 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução31 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO T................... – Construções, SA, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, ação administrativa comum, sob forma ordinária, contra o Município de Olhão, na qual pediu a sua condenação no pagamento da quantia de € 293.876,90, correspondente a 10% do valor do contrato rescindido pela Autora, acrescida da verba computada a título de juros de mora.

Por saneador-sentença daquele Tribunal datado de 30/08/2010, a ação foi julgada totalmente improcedente e o Réu absolvido do pedido.

Inconformada a aqui Recorrente apelou para este Tribunal Central Administrativo, tendo terminado as suas alegações (cfr. fls. 351 – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), com as seguintes conclusões, que infra se reproduzem: “1.

Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa comum sob a forma ordinária, e absolveu o Recorrido do pagamento da verba de € 293.876,90, correspondente a 10% do valor do contrato rescindido pela Recorrente, acrescida da verba computada a título de juros de mora, e declarou ilícito o exercício do direito de rescisão desse contrato pela Recorrente; 2.

Salvo o devido respeito, a Sentença recorrida aplicou erradamente aos factos provados, o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 162º do RJEOP, aos quais se deve aplicar o regime estabelecido nos artigos 186º, n.º 1, 188º, alínea b) do n.º 2 do artigo 189º, artigo 234º e 238º, todos do RJEOP; 3.

O Tribunal a quo entendeu erradamente que a suspensão dos trabalhos foi uma suspensão consentida ou autorizada pelo Recorrido nos termos do artigo 162º, n.º 2, do RJEOP; 4.

Porém, esta norma legal não prevê qualquer suspensão dos trabalhos. Prevê, sim, um adiamento (ou antecipação) da data de início dos trabalhos, ditada por factos relacionados com o próprio empreiteiro, que terá de justificar perante o dono da obra quais as razões que o impedem de cumprir o prazo fixado no respectivo plano; 5.

A suspensão dos trabalhos configura uma situação de suspensão da execução do contrato, e pode ser determinada por factos de terceiros, casos de força maior, ou factos do dono da obra (por exemplo, por mora do dono da obra na entrega ou disponibilização de meios ou bens necessários à respectiva execução), recomeçando a sua execução logo que cessem essas causas; 6. Sendo distinto o regime jurídico aplicável àquele adiamento (ou antecipação) é distinto do regime fixado no Capitulo VII, Título IV, do RJEOP, para a suspensão dos trabalhos; 7.

Se o âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 162º do RJEOP não fosse circunscrito às situações supra descritas, o empreiteiro nunca poderia suspender a execução dos trabalhos ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 185º ou do artigo 163º do RJEOP, caso verificasse, no momento em que se prepara para iniciar a execução dos trabalhos, a existência de obstáculos à sua actividade por factos de terceiros ou do próprio dono da obra. Nem o dono da obra poderia nessa fase inicial, ordenar a suspensão dos trabalhos se se verificassem essas circunstâncias, só porque o empreiteiro ainda não tinha dado início aos trabalhos; 8. Ora, o RJEOP não estabelece estas limitações, e permite que mesmo nesta fase inicial, em que os trabalhos ainda não se iniciaram, seja decretada a suspensão dos trabalhos se se verificarem os motivos previstos no Capitulo VII, Título IV, do RJEOP; 9.

Entende a Recorrente, que o Recorrido decretou uma suspensão dos trabalhos ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 186º do RJEOP; 10.

De facto, ficou provado que o Recorrido aceitou as reservas apresentadas na Consignação da obra, tendo lavrado um documento que denominou de “Auto de suspensão dos trabalhos”, formalidade que não teria de cumprir de tivesse agido ao abrigo do disposto no artigo 162º do RJEOP; 11.

Nesse auto está expressamente declarado que o mesmo foi lavrado em cumprimento do disposto nos artigos 185º a 188º do RJEOP (vide documento n.º 3 da PI), normas legais que integram o Capitulo VII, do Titulo IV, desse diploma legal, sob a epígrafe “Suspensão dos trabalhos”; 12.

Por conseguinte, não podem restar dúvidas acerca da vontade manifestada pelo Recorrido de suspender os trabalhos até serem resolvidas as questões levantadas pela Recorrente no Auto de Consignação, e não de “consentir que os trabalhos sejam iniciados em data posterior àquela que está fixada no plano de trabalhos”, conforme previsão do disposto no artigo 162º do RJEOP; 13.

As declarações das partes, expressas nos diversos documentos juntos aos autos à margem identificados, e a sua prática até à data da rescisão do contrato, apontam de forma clara e inequívoca para a suspensão dos trabalhos, ao abrigo do disposto nos artigos 185º a 194º do RJEOP; 14.

Foi este o regime que o Recorrido comunicou à Recorrida logo em 8 de Março de 2005 que iria ser aplicado, e foi com base nesse regime que as partes agiram: 15.

No que respeita à causa da suspensão dos trabalhos logo em 8 de Março de 2005, ficou provado que a decisão do Recorrido suspender os trabalhos teve por fundamento factos que não são imputáveis a qualquer acção ou omissão da Recorrente, mas sim a omissões do Recorrido que se preparava para entregar à Recorrente os locais de execução dos trabalhos da empreitada, sem estarem reunidas as condições mínimas para que os trabalhos se pudessem iniciar e que, consequentemente, impediam a sua execução; 16.

Por conseguinte, a causa da suspensão não dizia respeito a factos relacionados com o empreiteiro, que o impediam de iniciar os trabalhos na data fixada, e que poderiam justificar um pedido para adiamento dos trabalhos dirigido ao dono da obra, situação a que se reporta do n.º 2 do artigo 162º do RJEOP; 17.

Dizia, antes, respeito a factos imputáveis ao Recorrido, que não realizou os trabalhos necessários para se iniciarem os trabalhos e que objectivamente impediam a sua execução; 18.

Ficou, ainda, provado, que do primeiro “Auto de suspensão de trabalhos” elaborado pelo Recorrido não constava o prazo da suspensão dos trabalhos e que o Recorrido tentou “emendar a mão'”, elaborando um novo documento denominado “Auto de suspensão de trabalhos”, que enviou à Recorrente por ofício datado de 15 de Abril de 2005, em tudo igual ao primeiro, com excepção do prazo da suspensão, agora limitado a 30 de Abril de 2005; 19.

Nesse primeiro “Auto” o Recorrido declarou que “Esta decisão foi ratificada em Reunião de Câmara realizada aos dezasseis dias do mês de Março de dois mil e cinco”, e no segundo “Auto” declarar que “A suspensão dos trabalhos foi aprovada por despacho do Sr. Presidente, datado de sete de Março, que vai ser ratificada (...) na próxima reunião de Câmara a realizar em dezasseis de Março de dois mil e cinco.”.

20.

Este facto mostra que é errada a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, segundo a qual, “o dono da obra autorizou implicitamente o adiamento do inicio dos trabalhos, primeiro, sem tempo determinado e até se removerem os obstáculos, e depois, acordou em suspender os trabalhos até 30 de Abril (...)”; 21.

Como resulta destes documentos, o Recorrido não autorizou “implicitamente” o adiamento do início dos trabalhos, primeiro sem tempo determinado e depois até 30 de Abril: o Recorrido quis suspender (e suspendeu) os trabalhos até serem removidos os obstáculos que impediam a execução da obra, e quando se apercebeu que não tinha fixado prazo para a suspensão procurou evitar a consequência fixada no artigo 188º do RJEOP; 22.

Como resulta da matéria de facto dada como provada e exposta supra, estão preenchidos os requisitos estabelecidos no artigo 188º do RJEOP, para que a rescisão do contrato de empreitada celebrado entre a Recorrente e o Recorrido tenha operado os seus efeitos com a notificação do primeiro “Auto de suspensão dos trabalhos” elaborado pelo Recorrido; 23.

Estamos perante uma presunção júris et jure, devendo o contrato considerar-se rescindido por conveniência do dono da obra, com a notificação ao empreiteiro do auto de suspensão dos trabalhos; 24.

Em consequência, a Recorrente tem direito a ser indemnizada nos termos previstos no n.º 2 do artigo 234º do RJEOP; 25.

Admitindo, no entanto, e por mera hipótese académica e dever de patrocínio, que estamos perante um presunção júris tantum, elidível pelo Recorrido, a verdade é que ficou provado que os trabalhos estiveram suspensos por um período de tempo superior a um décimo do prazo estabelecido para a execução, que era de 360 dias (cfr. ponto 2 dos Factos Provados), e que essa suspensão se ficou a dever a factos que não eram imputáveis à Recorrente: 26.

Assim, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 189º do RJEOP, a Recorrente tinha o direito de rescindir o contrato de empreitada; 27.

Esta norma é muito clara ao conferir ao empreiteiro o direito de rescindir o contrato quer nos casos em que a suspensão seja determinada por ordem do dono da obra ao abrigo do artigo 186º do RJEOP, quer nos casos em que a suspensão seja declarada pelo empreiteiro ao abrigo do artigo 185º do mesmo diploma legal, ou acordada entre as partes (empreiteiro e dono da obra); 28.

Mais, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, o direito do empreiteiro rescindir o contrato pelo empreiteiro também não está dependente da efectiva execução dos trabalhos, podendo mesmo surgir antes do início da sua execução material; 29.

Nem obsta ao exercício do direito do empreiteiro, o facto de o dono da obra ter previamente comunicado a sua intenção de rescindir o contrato; 30.

Além do motivo estabelecido na alínea b) do n.º 2 do artigo 189º do RJEOP, o direito de rescisão da Recorrente funda-se, ainda, no facto de, mesmo depois de terem sido removidos do local da obra alguns dos obstáculos existentes na data da consignação, a execução do contrato pretendida pelo...

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