Acórdão nº 1146/17.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelNUNO COUTINHO
Data da Resolução16 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório José ………………………, requereu contra a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, peticionando fossem prestadas as informações, fornecidos os documentos e passadas as seguintes certidões:

  1. Informação com valor de certidão sobre se, sim ou não, a SCML admitiu ao seu serviço no último ano trabalhadores – designada, mas não exclusivamente, os indicados no requerimento inicial – com a função de motorista, para que postos de trabalho, em que regime contratual e com que fundamentos; b) Cópia autenticada da «ficha de aptidão» que no primeiro parágrafo da cláusula sexta do contrato do Requerente foi dada «como integralmente por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos»; c) Declaração, com valor de certidão, das funções que, designadamente, à data de 31/03/2017 em que foi feito cessar o contrato do Requerente, e actualmente estavam e estão a ser desempenhadas pela trabalhadora Marlene ………………, n.º mec.º 3743; d) Cópia autenticada do documento onde, eventualmente, conste a prorrogação da situação de impedimento da trabalhadora Marlene …………………., n.º mec.º ……………..; e) Informação com valor de certidão se, sim ou não, a situação de impedimento da antes referida trabalhadora se tornou definitiva e, caso afirmativo, quando se tornou; f) Declaração, com valor de certidão, das funções que, designadamente, à data de 31/03/2017 em que foi feito cessar o contrato do Requerente, e actualmente estavam e estão a ser desempenhadas pelo trabalhador António ………………, n.º mecanográfico ………..; g) Declaração, com valor de certidão, das funções que, designadamente, à data de 31/03/2017 em que foi feito cessar o contrato do Requerente, e actualmente estavam e estão a ser desempenhadas pelo trabalhador Emil …………., n.º mec.º ……………..” Por sentença proferida em 27 de Julho de 2017 foi a entidade requerida absolvida do pedido.

    Da aludida decisão interpôs recurso o requerente, sintetizado nas seguintes conclusões: “1ª - Nos termos do n.º 2 do art.º 25º da LADT aprovada pela Lei n.º nº 34/2004, de 29 de Julho, decorridos 30 dias sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica, pelo que, tendo o Recorrente apresentado o pedido de Apoio Judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo em 28/04/2017 e não tendo sido notificado da decisão até à presente data, encontra se tacitamente dispensado de proceder ao pagamento da taxa de justiça para o presente recurso.

    1. QUANTO À QUESTÃO DE FUNDO 2ª - A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (doravante SCML ou Recorrida), é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa cujos Estatutos foram aprovados por lei - o DL n.º 235/2008, de 03/12. -, pelo que, independentemente da sua natureza, a sua conduta é regulada de modo específico por disposições de direito administrativo, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 2º do CPA.

    Acresce que, 3ª - Os fins que estão legalmente definidos e deferidos à SCML correspondem a tarefas fundamentais do Estado que se encontram incluídas nas incumbências prioritárias do Estado, tal como consta da al. d) do art.º 9º e da al. a) do art.º 81º da Constituição.

    Ou seja, 4ª - Por força de lei, a SCML prossegue essencialmente fins próprios do Estado, que este lhe devolveu através de disposições de direito administrativo - que são todas as contidas no DL n.º 235/2008 e nos Estatutos por ele aprovados. Ou, 5ª - De outro modo dito, embora seja legalmente qualificada como pessoa colectiva de direito privado, a SCML é uma entidade que, para além da utilidade pública administrativa que a lei lhe reconhece, se encontra sujeita a um regime especial de direito público e assegura, em nome e no lugar do Estado, a satisfação regular e contínua de interesses públicos secundários.

    6ª - Isto é, desempenha, a título principal, a função administrativa, pois «O qualificativo de pessoa coletiva de utilidade pública administrativa reflete a primariedade pública dos fins que a SCML é chamada a realizar, numa relação que não se resume à prossecução em coexistência cooperante e controlada, e corresponde a uma inserção de modo mais intenso na Administração e na sujeição a poderes de controlo que se aproximam do poder de superintendência» - cfr. Acórdão do TC n.º 595/12.

    Aliás, 7ª - A circunstância de «os poderes conferidos à SCML» nos domínios supra elencados, corresponderem a tarefas fundamentais do Estado e de estarem incluídos nas incumbências prioritárias do Estado, revela, no plano material, as «atribuições de interesse público administrativo e de vinculações jurídico-públicas a que está sujeita» e, assim, a sua «inserção de modo mais intenso na Administração».

    8ª - Esta realidade encontra previsão concreta quer no âmbito de aplicação do CPA quer no âmbito de aplicação da Nova LADA. Na verdade, 9ª - Na sua actual versão, o CPA adaptou, através do seu art.º 2º, n.º 1, uma visão da Administração Pública «em sentido funcional», ampliou o anterior âmbito de aplicação e fez desaparecer a anterior dicotomia gestão pública/gestão privada.

    E, 10ª - Reflectindo a transposição da Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e da Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro, a Lei n.º 26/2016 ampliou significativamente o concepção de Administração Pública para efeitos do acesso aos documentos administrativos - cujo conceito precisou - adaptando uma ideia de Administração Pública em sentido material.

    11ª - No que ao CPA respeita, decorre inequivocamente do n.º 1do seu art.º 2º que as disposições deste Código respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à actividade administrativa se aplicam à SCML.

    12ª - E certo é também que, sendo o direito à informação um direito fundamental, dúvidas nunca poderiam restar de que, por força do n.º 3 do mesmo art.º 2º, os princípios gerais da actividade administrativa regulados no CPA e as suas disposições que concretizam preceitos constitucionais sempre seriam aplicáveis à SCML.

    13ª - Por outro lado, tal como o CPA e por maioria de razão, a Nova LADA é aplicável à SCML, visto que se trata não só de uma entidade que exerce funções materialmente administrativas [al. i) do n.º do art.º 3º], como também foi criada de modo específico para satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial, e em relação à qual se verificam as circunstâncias de a respectiva gestão estar sujeita ao controlo por parte do Estado, através do Governo, e de os respectivos órgãos de administração e direcção serem compostos na totalidade por membros designados pelo Governo. [als. b) e c) do n.º 2 do art.º 3º].

    14ª - Ora, «"...a distinção entre informação procedimental e não procedimental assenta no tipo de informação que está em causa, na qualidade de quem a solicita e o distinto objectivo que se pretende atingir com a sua tutela." O critério de distinção reside na seguinte linha divisória: "o direito à informação tem natureza procedimental quando a informação pretendida está contida em factos, actos ou documentos de um concreto procedimento em curso; tratando-se de acesso a documentos administrativos contidos em procedimentos já findos ou a arquivos ou registos administrativos, neste caso, mesmo que se encontre em curso um procedimento, o direito à informação tem natureza não procedimental.

    As duas modalidades de informação cumprem objectivos distintos: enquanto a informação procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas daqueles que intervêm (ou podem intervir) num procedimento, a informação não procedimental visa proteger o interesse mais objectivo da transparência administrativa."» - cfr., entre outros, o Acórdão do TCA Sul de 30/03/2017, proc. n.º 277/16.0BEFUN.

    15ª - Assim, a SCML, no caso em apreço, está simultaneamente sujeita às duas modalidades de informação.

    1. - O que significa que, tendo a Sentença recorrida negado o reconhecimento do direito do Recorrente à informação em qualquer das referidas modalidades, padece manifestamente de erro na interpretação e aplicação do direito à situação subjudice Na verdade, 17ª - A douta Sentença incorre em erro de julgamento:

  2. Quando nela se entende que do teor do requerimento reproduzido na Alínea A), dos Factos Assentes, «os elementos a que o Requerente pretende aceder não respeitam a qualquer procedimento administrativo pendente»; b) Quando na mesma se considera que «a Requerida SCML apenas está sujeita ao regime jurídico instituído pela Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, nos termos da alínea i), do n.º 1, do seu artigo 4º, ou seja, quando actue no exercício de funções materialmente administrativas ou de poderes públicos»; c) Quando na douta Sentença se conclui que «Não respeitando a informação pretendida a actos praticados no exercício dessas funções ou poderes, mas antes a uma relação de natureza jurídico-privada - o Requerente pretende averiguar se se extinguiu o motivo justificativo explicitado na cláusula sexta do contrato de trabalho que celebrou com a Requerida nos termos do Código do Trabalho (cf. Alínea A), dos Factos Assentes), também não são aplicáveis as normas que disciplinam o direito de acesso aos registos e arquivos administrativos, que visa garantir a transparência que deve caracterizar a actividade administrativa».

    Porquanto, 18ª - No que respeita ao vício indicado na alínea a) da antecedente conclusão, face ao conceito de acto administrativo constante do art.º 148º do CPA e por força da aplicabilidade directa do n.º 1 do art.º 2º do mesmo Código, todas as condutas da SCML são legalmente enquadradas e definidas como de exercício de poderes jurídico-admnistrativos, visto corresponderem ao exercício de poderes públicos regulados de modo específico por...

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