Acórdão nº 13046/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução16 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELTÓRIO O Ministério das Finanças veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 23/09/2015, que no âmbito da ação administrativa comum instaurada por Francisco …………., contra o Estado português e a Direção Geral do Tesouro, julgou a acção totalmente procedente e, em consequência condenou o Réu a reconhecer ao Autor, em decorrência dos descontos efectuados na sua vida ativa para o M........... de Moçambique, o direito a receber a pensão de reforma, desde Julho de 1978, no montante de 4.000$00 (€ 19,95) e a proceder, a partir de 1979 e anualmente, à actualização da sua pensão, bem como, a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal sobre cada pensão complementar de reforma, a contar desde a data em que é devida a primeira pensão.

Formula o aqui Recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 422 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “I.

A decisão ora recorrida condenou o Ministério das Finanças na totalidade do pedido, ou seja, a reconhecer ao A. o direito á pensão complementar de reforma, na qualidade de pensionista do M........... de Moçambique (MM), a pagar as pensões desde julho de 1978, a atualizar anualmente o montante desde 1979 e a pagar juros de mora desde julho de 1978; II.

O A. foi trabalhador da direção dos serviços de Postos, Caminhos-de-ferro e Transportes de Moçambique e nesse contexto era obrigatoriamente inscrito como sócio ordinário do MM; III.

Nos termos dos Estatutos de 1939 aprovados pelo Governador-geral da província, posteriormente alterados em 1968, o MM caracterizava-se como uma Associação de socorros mútuos que resultou da fusão ocorrida em 1939 de várias entidades de natureza previdencial existentes na província, sendo Pessoa coletiva de utilidade pública sujeita tão-somente a inspeção e fiscalização do governador-geral da Província, dotada de autonomia administrativa e financeira e individualidade jurídica, composta por sócios ou subscritores, nacionais ou estrangeiros, que o seriam apenas enquanto pagassem a respetiva quotização e sustentada nas jóias e quotas mensais dos associados, nos lucros da CE, rendimentos de capital, donativos de privados, subsídios de entidades oficiais, lucros e outras receitas; IV.

Esta entidade distribuía pelos seus sócios ordinários parte dos lucros anuais da atividade bancária da CE e tinha autonomia para deliberar a sua fusão com outras entidades ou a sua dissolução; V.

Sendo a respetiva Direção a autorizar o pagamento das pensões e subsídios aos sócios; VI.

O MM dissolvia-se, entre outras razões, por não ter receita suficiente para os seus encargos, caso em que os sócios eram reembolsados dos valores descontados e abonados com o saldo remanescente da liquidação; VII.

Das deliberações do MM cabia recurso contencioso para o Tribunal Administrativo; VIII.

Da matéria assente pelo Tribunal resulta que as transferências oriundas do M........... de Moçambique para pagamento das prestações por este devidas aos seus pensionistas foram suspensas pelo Governo Moçambicano e que por força daquela suspensão foram igualmente suspensos os pagamentos em Portugal; IX.

Por tal razão o Governo de Portugal resolveu fazer adiantamentos à Agência Geral do Ultramar para que esta pudesse realizar ainda mais alguns pagamentos aos pensionistas; X.

Em janeiro de 1976 o MM informou que os pagamentos dos montantes por si devidos só continuariam a ser feitos aos beneficiários que se encontrassem em Moçambique; XI.

Até 1978 o Estado Português fez mais um adiantamento, por conta do Estado moçambicano, á Agência permitindo que esta continuasse a fazer pagamentos, tendo decidido em 1980 não autorizar mais subsídios para pagamento por adiantamento, daquelas pensões, sem a prévia aprovação de diplomas legais que o possibilitassem XII.

O A. nunca apresentou reclamação junto do MM ou do Estado moçambicano; XIII.

De várias informações e papéis elaborados nas décadas de 80 e 90 pelos organismos do Estado/MF, sempre constou que o pagamento pelo Estado Português assumia um carácter de adiantamento, razão pela qual os interessados sempre ficariam obrigados a por à disposição do Estado Português as verbas que lhes fossem liquidadas nos países libertados; que a assunção dos encargos com os pagamentos a interessados cujas pensões estavam suspensas por não residirem nos países libertados tinha de ser incluída no contencioso com esses países; que o Estado Português não estava obrigado ao pagamento de encargos não satisfeitos pelos diversos Cofres e Organismos após a transferência de soberania para as ex-colónias e não se substituía às entidades das ex-colónias; que as instituições de previdência das ex-colónias nunca tiveram qualquer tipo de relação tutelar, funcional ou de outra natureza com o Sector da Segurança Social, antes ou depois da descolonização; e que de um ponto de vista estritamente técnico-jurídico, é possível defender que sobre o Estado Português não recai a obrigatoriedade de pagamento das prestações suspensas já que a solução a dar ao problema passa sobretudo por considerações de natureza política; XIV.

Também resulta da matéria assente que o Provedor de Justiça se pronunciou sobre a possibilidade de aplicar aos subscritores do MM os DL n.°s 335/90, 29.10 e 401/93, 03.12, considerando que (i) as instituições (como o MM) para onde foram efetuados os descontos em causa eram instituições vocacionadas para a proteção social complementar dos seus associados e respetivos familiares e não tinham por finalidade assegurar a proteção de base correspondente á que é concedida pelo referenciado regime geral e que (ii) não era admissível que um período de atividade que já foi considerado para efeitos de atribuição de uma pensão pela CGA possa originar outra pensão pelo regime geral da Segurança Social; XV.

Em traços gerais, na apreciação critica da matéria dada como provada e assente, entendeu o Tribunal que nenhum dos fundamentos da posição do recorrente - o facto de ser ter operado uma sucessão de Estados, de o MM ser uma entidade previdencial privada e de a pensão ser complementar, tudo conduzindo a concluir que a problemática do MM passa por uma solução política e não estritamente jurídica - é atendível já que os direitos das pessoas particulares não podem ser prejudicados, comprimidos ou subtraídos pela sucessão dos Estados, sobretudo se o particular tinha adquirido o direito subjetivo reclamado ao abrigo do ordenamento jurídico do Estado originário; XVI.

Em rigor, a douta sentença radica a decisão final na premissa de que não é legítimo exigir que o particular tenha de exercer o seu direito perante um Estado criado posteriormente á aquisição do direito, tanto mais que nem sequer é seu cidadão ou nele reside e considera que se o A. foi um associado obrigatório de uma instituição de previdência criada por ato normativo do Estado Português e adquiriu o direito à percepção da pensão antes da sucessão de Estados, é "totalmente licita", do ponto de vista adjetivo a constituição de uma relação jurídica administrativa entre o A. e o R; XVII.

O Tribunal considera aliás até que os descontos (obrigatórios) efetuados permitem perspetivar aquela prestação como parte integrante da proteção social que era oferecida aos trabalhadores dos Caminhos de Ferro de Moçambique, revestindo assim um inegável caráter social, daí extraindo que a prestação em causa pode configurar-se como um benefício de segurança social garantido (numa interpretação lata) pelo art°63°, n°l da CRP, por entender que, de facto, a obrigatoriedade dos descontos permitirão aproximar a situação do A. do regime previdencial estadual geral, podendo ser convocados os princípios da garantia do direito á Segurança Social, do primado da responsabilidade pública e da unidade; XVIII.

Como quer que seja, entende o Tribunal que existem fundamentos para julgar o Estado responsável pela satisfação dois direitos reclamados pelo A., até porque a admitir-se o seria caso para perguntar se o Estado não está frustrar a confiança que os cidadãos devem ter na tutela jurídica dos seus direitos, sobretudo quando estes decorrem de situações criadas pelo Estado, seja Administração, seja Legislador; XIX. Ora nos acordos de Lusaka o Estado Português não acautelou os direitos privados das pessoas que os tenham adquirido ao abrigo da soberania portuguesa, demitindo-se de acautelar as posições jurídicas dos cidadãos portugueses sócios ordinários do MM, demissão que se perpetuou no tempo, mantendo-se 40 anos depois, sendo evidente do probatório a inércia legislativa, administrativa e política do Estado Português; XX.

Considerou o Tribunal que o Legislador português ao invés de editar e publicar diploma avulso, especificamente vocacionado para o efeito e que disciplinasse de forma transversal, unitária, integrada e estrutural as relações jurídicas decorrentes dos descontos para instituições como o MM, limitou-se a emitir normas orçamentais, conjunturais, com uma previsão normativa que não resolvia situações como a do A., daí resultando que nada do que normativamente se previu em 40 anos permitiu resolver expressamente a situação dos autos; XXI.

O Tribunal considera tal inércia confrangedora quando confrontada com as soluções normativas encontradas para situações afins (ex vi DL 380/89; DReg 37/90, DL 335/90; DL 45/93; DL 401/93; PT 52/91), sobretudo porque estas deixaram de fora a situação do MM; XXII.

Entende o Tribunal que esta inércia e demissão do Estado-legislador permitem, por isso, afastar a alegação do Réu de que a situação do MM apenas se resolveria com vima solução eminentemente política; XXIII.

Ademais entende igualmente que as entidades administrativas não podem também ser eximidas de responsabilidades, já que embora o Estado Legislador pudesse intervir resolvendo de modo ordenado...

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