Acórdão nº 10462/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelNUNO COUTINHO
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – Relatório Sociedade …………, Lda intentou contra o Estado Português acção administrativa comum peticionando a condenando do R. no pagamento da quantia de 1.360.176,50 €, a título de indemnização por danos patrimoniais.

Por despacho saneador proferido pelo T.A.F. de Almada foi julgado prescrito o direito invocado pela ora recorrente na parte que decorre dos processos que correram termos no Tribunal da Comarca do Montijo sob os nºs 161/99 e 156/99.

Por sentença proferida pelo referido T.A.F., em 30 de Março de 2013, a pretensão foi julgada improcedente.

Inconformado com o decidido, a A. recorreu para este TCA Sul, tendo formulado as seguintes conclusões: “1ª- A actualização monetária (de art. 551.º do Cód. Civil, com tipificação no art. 23.º do Código das Expropriações - CE/91, e no art. 24.º do CE/99) do montante (pecuniário) de uma obrigação tem como objecto ressarcir não a mora do seu cumprimento, mas "o valor aquisitivo da prestação em relação à generalidade das mercadorias, ou, mais rigorosamente, em relação ao conjunto de mercadorias que são tomadas em conta na determinação ponderada dos índices de preços" (PIRES DE LI MA/A. VARE LA, Código Cívil Anotado, Vol. 1, p. 529).

  1. - A actualização monetária, lógica e materialmente, apenas repõe o poder de compra da soma monetária, fixado como compensação por referência nem sequer à data do pagamento final efectivo, mas anos antes, na data da declaração de utilidade pública da expropriação (DUP) (cf. na matéria de facto provada, os anos de distância entre a data da DUP e o pagamento efectivo t) - eliminando o prejuízo inflacionário que o expropriado teria, pelo jogo da relação tempo/taxa de inflação.

  2. - À parte desse possível prejuízo (que só ocorre quando se verifica inflação, mas já não se, pelo contrário, ocorre deflação), a dimensão económico-constitucional de justa compensação por expropriação (art. 62.º nº 2 da CRP) exige/pressupõe que ao lesado seja facultado o mais rápido possível - senão simultaneamente - um valor monetário/poder de compra equivalente ao gozo/utilidades económicas do bem expropriado, como o princípio da contemporaneidade da fixação e pagamento da justa indemnização do art. 1º do CE/91 estabelece.

  3. - Este princípio é estruturante da celeridade e dos prazos curtos do CE/91 e do CE/99, cujo paradigma se encontra no teor do art. 62.º do CE/91: "As diligências deverão ser orientadas por forma que seja proferida decisão dentro do prazo de três meses a contar da data da interposição do recurso".

  4. - Ora, este princípio radica na materialidade económica de repor aos expropriados as dimensões, utilidades e gozo patrimonial, do que lhe foi expropriado, atribuindo-lhe uma justa compensação antes que o intervalo de tempo entre aquela diminuição do seu activo e esta entrada não lhe cause um intervalo de privação.

  5. - Daí que, o dano pelos atrasos no pagamento do valor final, ou dos seus depósitos anteriores, quando imputáveis ao expropriante, é-lhe imputável, pelo art. 70.º do CE/99, como uma afloração do princípio da responsabilidade civil obrigacional e determinando-lhe, por conseguinte, não a singela actualização monetária, mas o pagamento de juros (cf. neste sentido Ac. TRP, de 27.5.2008, MARQUES DE CASTILHO; idem, Ac. TRP, 2012.2005, MÁRIO CRUZ).

  6. - Se em vez de a expropriante, o agente, causador do atraso na definição e pagamento da justa indemnização, for o Estado-Juiz, o regime há-de ser o mesmo, ainda que, obviamente, não por força do art. 71.º CE/99, mas da regras da sua responsabilização civil, desde logo, o art. 12.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, RRCEE).

  7. - Pelo não cumprimento atempado, ou no prazo contratado, ou no prazo que a lei determine, tratando-se de obrigação proveniente de uma fonte legal, o dano ressarcível é estabelecido pelo art. 806.º nº 1do Cód. Civil, de um modo forftário, como o valor dos juros à taxa legal - sem prejuízo da faculdade que o nº 3 daquele preceito permite.

  8. - A função-prestação que compete ao Estado-Juiz no processo judicial de expropriação, em causa nos autos, consiste em realizar o objectivo que o art. 1.º do CE logo enuncia: a) definir a justa compensação, pela privação de um património; b) determinar o seu efectivo pagamento "contemporâneo" (diz a lei), àquele acto ablativo.

  9. - Neste sentido, a obrigação em causa tem por objecto e realidade mediata prestar uma efectiva prestação pecuniária, justa e atempada, ao expropriado, e o seu retardamento para além do prazo legal ou razoável deve tabelar-se logo pelos juros ressarcitórios do art. 806.º do Cód. Civil.

  10. - Da mesma forma que responsabilidade pelos danos, no caso do art. 70.º CE/99, é de natureza tipicamente obrigacional, por ocorrer no domínio de uma relação jurídica estabelecedora de direitos/deveres concretos, entre partes/sujeitos específicos (com o a jurisprudência citada acima, em conclusão 6ª, bem sublinha), também a responsabilidade pelos danos derivados do retardamento, derivado da actuação do Estado-Juiz, é de natureza obrigacional - logo, integrada no regime de arts. 798.º e 799.º do Cód. Civil 12ª- Ora, à luz do que antecede, atenta a matéria de facto provada, verifica-se que o tribunal violou sistematicamente os seguintes prazos legais: a) Da notificação às partes de actos e decisões processuais; b) Da conclusão ao Juiz dos actos e requerimentos das partes; c) Dos prazos para os peritos darem os seus relatórios e os esclarecimentos ordenados pelo Tribunal; d) Dos prazos fixados na lei para proferir a sentença; e) Do prazo para ordenar à expropriante o depósito do pagamento final; t) Do prazo legal para pagar à expropriada os valores depositados.

  11. - Para além disso, verifica-se que o Tribunal cometeu múltiplos erros de procedimento e decisão - os quais originaram a respectiva actuação processual adequada, por parte da expropriada, coroada de êxito na generalidade de tal actuação, mas, naturalmente, determinando maior demora até ao pagamento final...causada, assim, pela deficiência da Justiça.

  12. - Ora, este comportamento pelo lado do Estado-Juiz ou Estado-Tribunal configura ilicitude objectiva - conforme referido acima, e à luz do art. 7º nº 1da Lei/Regime da Responsabilidade Civil do Estado.

  13. - Com efeito, a tramitação de um procedimento de expropriação, de acordo com os prazos legais estipulados, que a própria DUP classificou como urgente, determina que a fixação e pagamento da justa indemnização deveria teria ter ocorrido no prazo máximo, até: a) 01 de Julho de 2001, quanto ao processo 147/99 ... assim já teríamos 6 anos após a DUP e 2 anos após a fase judicial; b) 01 de Julho de 2001, quanto ao processo 171/99 ... assim já teríamos 6 anos após a DUP e 2 anos após a fase judicial; c) 01 de Março de 2002, quanto ao processo 174/99 ... assim já teríamos 6 anos e meio após a DUP e 2 anos e meio após a fase judicial; d) 01 de Setembro de 2001, quanto ao processo 205/99 ... assim já teríamos 6 anos após a DUP e 2 anos após a fase judicial; e) 01 de Setembro de 2001, quanto ao processo 209/99 ... assim já teríamos 6 anos após a DUP e 2 anos após a fase judicial; f) 01 de Julho de 2002, quanto ao processo 211/99 ... assim já teríamos 6 anos e meio após a DUP e 2 anos e meio após a fase judicial; g) 01 de Setembro de 2002, quanto ao processo 200/99 .... assim já teríamos 7 anos após a DUP e 3 anos após a fase judicial; h) 01 de Julho de 2001, quanto ao processo 162/99 ... assim já teríamos 6 anos após a DUP e 2 anos após a fase judicial; i) 01 de Março de 2002, quanto ao processo 207/99 ... assim ja teríamos 6 anos e meio após a DUP e 2 anos e meio após a fase judicial e j) 01 de Julho de 2002, quanto ao processo 148/99 ... assim já teríamos 7 anos após a DUP e 3 anos após a fase judicial.

  14. - Com efeito, um prazo legal de 3 meses para julgar, não pode ser visto como um prazo razoável quando alcança ou é praticado de modo a que o seu resultado concreto ultrapasse mais do que 2 ou 3 anos, como a A. balizou acima como o "prazo razoável" para obter e receber a justa indemnização.

  15. - Atendendo aos prazos legais para a tramitação processual dos actos dados como provados - nomeadamente, o art. 62.º do CE/91: três meses para a sentença, "a contar da interposição do recurso" da arbitragem - o prazo razoável para obter o efectivo pagamento da justa indemnização não deveria ter ultrapassado as datas casuisticamente supra indicadas para cada um daqueles processos.

  16. - Assim, face ao regime de arts. 342º nº 1, 798.º e 799.º competia ao R. demonstrara factos que excluíssem a sua falta de culpa pela violação daqueles prazos - o que não sucedeu nestes autos.

  17. - Os danos ressarcíveis à A., são pelo menos, os forftariamente abrangidos pela taxa de juros legais, de art. 806.º nº 1 do Cód. Civil, bem como as despesas acrescidas derivadas daquele atraso, com advogado, conforme art. 563.º do Cód. Civil, como de resto é facto normal, notório e próprio destas circunstâncias ... pois sem a parte A. teve e tem legalmente de se fazer representar por advogado, presumindo-se que o mandato deste é oneroso (art. 1158, nº 1 do Cód. Civil), e quem tem a seu favor a presunção legal está dispensado de prova (art. 350º, nº Cód. Civil).

  18. - O disposto no art. 6.º do CEDH, quanto a prazo razoável, e tal como vem sendo densificado pela jurisprudência do TEDH - bem como melhor jurisprudência nacional supra citada - determinam a revogação da sentença recorrida e a aplicação das normas do direito ordinário tal como acima alegado.

  19. - E como dela deriva, à luz do art. 6.º da CEDH, o TEDH tem entendido a responsabilidade civil em causa, ocorrendo numa relação processual tipificada em direitos e deveres do Estado-Juiz/partes processuais, é obrigacional e não aquiliana: "O prazo razoável apresenta-se como uma questão de facto; por isso, o ónus da prova recai sobre o Estado requerido, incumbindo-lhe, quando o prazo parecer...

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