Acórdão nº 192/14.1BEPDL de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Maio de 2018
Magistrado Responsável | PEDRO MARCH |
Data da Resolução | 24 de Maio de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório ..... Clube propôs no TAF de Ponta Delgada acção administrativa especial contra a Associação de Futebol de Angra do Heroísmo e contra a Associação de Futebol da Horta, tendo peticionado a anulação da classificação final do Campeonato de Futebol dos Açores - Liga Meo Açores, época 2013/2014, constante do comunicado n.º 013, emitido pela Associação de Futebol de Angra do Heroísmo, nos termos do qual atribui o 3.º lugar ao S.C. ..... e o 4.º lugar ao ..... Clube. Formulou ainda o pedido de condenação das rés a reconhecerem ao autor o direito de participar no Campeonato de Futebol dos Açores na época de 2014/2015, organizado pela Associação de Futebol da Horta.
Por sentença daquele Tribunal foi julgada procedente a excepção de incompetência material e absolvidos os RR. Da instância.
..... Clube (Recorrente), recorreu para este TCAS formulando nas suas alegações as seguintes conclusões, que infra na íntegra se reproduzem: 1- As RR., ora recorridas, são associações desportivas a quem foi concedido o estatuto de utilidade pública desportiva, por isso, nos termos da Lei, e como resulta dos seus estatutos (o da Associação de Futebol de Angra do Heroísmo foi junto com a Contestação), obteve, por deliberação do Estado, a competência para o exercício dentro do respectivo âmbito, de poderes regulamentares (que têm natureza administrativa), disciplinares e outros de natureza pública.
2- No acto impugnado, que constitui a classificação final do campeonato de futebol dos Açores - liga MEO Açores -, a 1ª R., Associação de Futebol de Angra do Heroísmo, alterou a ordem da classificação que se mantinha até então, introduzindo novos elementos de facto, alterando dessa forma a verdade material da competição.
3- Resulta de forma inequívoca, do artigo 18° da Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro, que a regra geral é a de que as decisões (actos ou omissões) dos órgãos das federações (associações), porque dotadas de utilidade pública desportiva, são susceptíveis de impugnação contenciosa administrativa.
4- Resulta, igualmente, de tais normas que o que o legislador pretendeu subtrair à apreciação dos Tribunais Administrativos foram as questões, de natureza técnica ou de natureza disciplinar, suscitadas e de aplicação imediata no decurso da competição, enquanto questões de facto e de direito, estas consideradas de cariz estritamente desportivo.
5- O conceito de questão estritamente desportiva encontra-se através de duas etapas: A primeira, na natureza da norma sobre a qual surge a controvérsia, que deve ser norma de natureza técnica ou de carácter disciplinar e, verificando-se tal circunstância, é que se avançará para a segunda etapa, nos termos descritos na segunda parte do nº 3, do citado artigo 18º.
6- No caso dos autos, não está em causa qualquer norma de natureza técnica ou disciplinar, impugnando-se, isso sim, o acto administrativo que constitui a classificação final que levou à despromoção do A., ora recorrente, do campeonato de futebol dos Açores - Liga MEO Açores-, para os distritais, na época futebolística 2013/2014, acto administrativo que o recorrente considera ilegal e lesivo dos seus direitos, o que lhe conferirá, inclusive, díreito a indemnização, tendo em conta o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, a apurar na sequência da anulação do acto impugnado.
7- De todo o exposto, facilmente se conclui que o acto impugnado enquadra-se nos poderes públicos exercidos no âmbito da regulamentação e organização da respectiva modalidade desportiva, conforme melhor decorre do disposto no artigo 19º, da Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro e artigos 11º e 12º do Decreto-Lei nº 248-B/2008, de 31 de Dezembro, e, como tal, sujeito ao recurso do contencioso administrativo, por ser um acto materialmente administrativo.
8- Tanto assim é que, na Providência Cautelar apensa aos presentes autos, as ali requeridas, aqm recorridas, apresentaram, cada uma delas, Resoluções Fundamentadas, invocando o interesse público, e que o Tribunal a quo se considerou materialmente competente para decidir a questão sobre as resoluções fundamentadas apresentadas, tal como se considerou, também, e ainda, materialmente competente, na Sentença proferida nos autos do Processo Cautelar apenso.
9- Contudo, por mero raciocínio jurídico, sempre se dirá que mesmo que a questão fosse estritamente desportiva, que, como se disse, não é, tal decisão e deliberação impugnada sempre estaria a coberto da excepção prevista no nº 4, do artigo 18º da Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro, razão pela qual sempre deixaria de ser classificada como matéria estritamente desportiva.
10- Na verdade, e sempre por mero raciocínio jurídico, se atentarmos na P.I. e documentos do Processo Cautelar apenso, verifica-se que o contra-interessado, S. C. ....., é um clube associado e com actividade e sob jurisdição da Associação de Futebol de Angra do Heroísmo, 1ª R. nos autos, aqui recorrida.
11- Verifica-se, igualmente, dos documentos juntos aos autos da Providência Cautelar apensa, que a inusitada interpretação jurídica plasmada na lista de classificação final e que conduziu à despromoção do A./recorrente, passando-se a incluir a soma de todos os jogos das duas fases, só ocorreu aquando da elaboração da classificação final, uma vez que, até então, na tabela classificativa que vigorou até à final, só eram contabilizados os jogos da fase respectiva, razão pela qual ao longo de todas as jornadas da 2ª fase da prova, o A/recorrente esteve sempre classificado à frente do contra-interessado, S. C. ....., e que o último recurso na instância desportiva foi apreciado pelo Conselho de Justiça da Associação de Futebol de Angra do Heroísmo, 1ª R. nos autos, aqui recorrida, e não, como devia, por uma entidade jurisdicional independente.
12- Tais factos, por um lado, deixam transparecer que a decisão impugnada põe em causa a verdade desportiva e material da competição, importando apreciar se, com a alteração dos pressupostos de facto e do procedimento classificativo, por parte da recorrida, Associação de Futebol de Angra do Heroísmo, houve ou não favorecimento ao clube seu associado, violando-se a ética desportiva, por violação dos princípios da imparcialidade e isenção, podendo, ou não, também preencher o conceito de corrupção e, 13- Por outro, que o recorrente não teve possibilidade de ver a decisão impugnada ser apreciada por um órgão jurisdicional independente e isento, supra partes, uma vez que, o Conselho de Justiça, que apreciou, por último, a questão na instância desportiva, é um órgão da Associação de Futebol de Angra do Heroísmo, recorrida nos autos, sendo manifesto o interesse directo na decisão final, por o contra interessado, S. C. ....., ser um clube de futebol seu associado.
14- Assim, no caso concreto, e caso se entenda que o acto impugnado não é um acto materialmente administrativo, o que se admitindo em tese, não se concede, sempre se imporia uma interpretação restritiva desse conceito indeterminado (questão estritamente desportiva), pois o acesso aos Tribunais é uma garantia fundamental - artigo 20º da C.R.P. - com particular e especial consagração no artigo 268º, nº 4, da C.R.P..
15- Por ser assim, e porque foi violada a garantia do A,/recorrente, em ver apreciada a decisão impugnada de forma imparcial e isenta no âmbito de um processo justo e equitativo, por órgão de justiça independente, sempre a decisão seria passível de impugnação contenciosa, no caso, os Tribunais Administrativos, em concreto, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, sob pena de, assim não se entender, o artigo 18º da Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro e na interpretação que o Tribunal a quo dele fez, sofrer de inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 20º e 268º, nº 4 da C.R.P., vício que aqui se invoca.
16- Por todo o somatório de razões expostas, dúvidas não restam que o Tribunal Administrativo é materialmente competente, conforme, aliás, o próprio Tribunal já decidiu, e bem, nos autos do Procedimento Cautelar apenso.
17- O Tribunal a quo, ao assim não decidir, violou, pelo menos, o disposto no artigo 18º da Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro e os artigos 20º e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.
A Recorrida, Associação de Futebol de Angra do Heroísmo, contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, terminando de acordo com o seguinte quadro conclusivo: 1.
De harmonia com o nº 2 do art. 18º da Lei nº 5/2007, de 16-01, aplicável no presente caso...
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