Acórdão nº 02334/06.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelDrº Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “A…, LDA.”, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 28.01.2009, que, no âmbito da acção administrativa comum, sob a forma ordinária, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual pela mesma movida contra o ESTADO PORTUGUÊS, absolveu este do pedido indemnizatório formulado.

Formula a recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 206 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. O Estado deve ser condenado nos precisos termos do pedido, incluindo nos juros desde a citação.

  2. Incluindo nos honorários devidos, a apresentar pelo mandatário ou no que se liquidar em execução de sentença, bem como na totalidade das despesas.

  3. Que são totalmente indemnizáveis nos termos da jurisprudência do Tribunal Europeu.

  4. Para efeito do ressarcimento dos danos morais, nada mais tinha a autora que alegar.

  5. Segundo o TEDH, a matéria alegada, quanto a danos morais constitui um facto notório e resulta das regras da experiência, obrigando o Estado a indemnizar a vítima de violação do art. 6.º da Convenção.

  6. Os danos alegados são inerentes a todos aqueles que litigam em juízo. De resto, só uma pessoa excepcionalmente insensível ou desprendida dos bens materiais é que não passaria pelas mesmas angústias e aborrecimentos que os recorrentes.

  7. Aliás, conforme jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, os autores nada tinham de alegar, pois presume-se a existência de dano moral pelo simples facto da justiça não ter sido feita em prazo razoável.

  8. Por outro lado, esta acção foi instaurada em 20/09/06, tendo demorado cerca de 2 anos e meio até que fosse proferida sentença ou dela notificado. Facto que confere ao autor o direito a indemnização suplementar pelo atraso deste processo conforme jurisprudência do TEDH.

  9. O artigo 22.º da Constituição não exige a existência de dano e é directamente aplicável por força do artigo 18.º da CRP.

  10. Violado que foi o artigo 20.º da CRP, no seu segmento direito à justiça em prazo razoável, automaticamente tem o autor direito a uma indemnização.

  11. Quando houver violação de um direito fundamental está constitucionalmente garantida indemnização, independentemente da existência de prejuízo, isto é de dano patrimonial. Ou dito de outro modo, está constitucionalmente garantido que os danos morais causados por ofensa de um direito fundamental têm sempre dignidade indemnizatória.

  12. O artigo 20.º, n.º 4, da CRP garante que as decisões judiciais sejam tomadas em prazo razoável.

  13. O artigo 496.º, n.º1 do Código Civil está de acordo com tais disposições constitucionais e, quando não estivesse, tinha de ser interpretado em consonância com as mesmas.

  14. O Tribunal interpretou tal artigo no sentido de não serem indemnizáveis os danos morais causados pela violação dum direito ou garantia constitucional quando deveria sê-lo em sentido contrário.

  15. Por força do artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, sob a epígrafe danos não patrimoniais, “na fixação de indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua natureza mereçam a tutela do direito”. Este artigo deve ser interpretado no sentido de serem graves e merecerem a tutela do direito os danos morais causados com a violação de direitos constitucionais, sob pena de violação dos artigos 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 4, 22.º da CRP.

  16. Não sendo assim entendido, é inconstitucional o artigo 496.º, n.º 1 do CC, por violação das disposições precedentes.

  17. É a lei ordinária que deve ser interpretada de acordo com a Constituição e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e seus Protocolos e não o contrário.

  18. Por outro lado, se a Constituição e/ou a Convenção garantem o direito a uma indemnização, não se pode interpretar a lei ordinária em sentido contrário.

  19. Relembre-se que essa lei ordinária, pela forma como seja interpretada, pode violar ainda o artigo 8.º, n.ºs 1, 2 e 3 da Constituição.

  20. O tribunal ignorou a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

  21. A sentença e o Estado Português violam os artigos 6.º, 13.º, 34.º, 35.º, 41.º e 46.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 1.º do Protocolo n.º 1.

  22. As despesas constantes das alíneas b) a f) do pedido são devidas ao facto do incumprimento do prazo razoável, constituindo por isso um prejuízo ou dano indemnizável.

  23. O tribunal superior não pode decidir com base no artigo 713.º, n.º 5 do CPC, tem de apreciar todas as questões postas, sob pena de violação do direito de acesso a um tribunal e omissão de pronúncia. E sob pena de nulidade do respectivo acórdão.

  24. Atendendo ao que atrás consta e das alegações foram violadas por errada interpretação e aplicação as disposições dos arts. 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 4 e 22.º da CRP, bem como o art. 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o art. 1.º do Protocolo n.º 1 anexo à Convenção e ainda os arts. 508.º, n.º 1, b), 514.º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC e ainda o art. 88.º do CPTA.

  25. Que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido das conclusões anteriores.

  26. Deve dar-se provimento ao recurso, condenando-se o Estado Português nos precisos termos constantes do pedido na P.I. ...

    ”.

    O R., aqui recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 259 e segs.

    ), nas quais conclui nos seguintes termos: “… 1 - Em acção fundada em responsabilidade civil, na falta de presunção legal, cabe ao Autor a alegação e a prova da existência dos requisitos da actuação ilícita e do nexo de causalidade entre tal acção e o prejuízo alegado.

    2 - Na sua acepção naturalística, o nexo de causalidade assenta na verificação da ocorrência de relações materiais de causa-efeito, frequentemente de tipo cronológico, o que constitui inegavelmente matéria de facto.

    3 - Tendo o Tribunal a quo excluído completamente a existência de ilicitude na actuação do Estado e consequentemente desse nexo de causalidade na acepção referida, o conhecimento dessa questão não pode ser feito no Tribunal Central Administrativo, a quem não foi solicitada a reapreciação da prova nos termos constantes do art. 690.º-A do C.P. Civil, aplicável ex vi do art. 140.º do CPTA …”.

    Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

  27. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” [cfr. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 9.ª edição, págs. 453 e segs.; M. Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2.ª edição revista, págs. 850 e 851, nota 1; Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” - in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71].

    As questões suscitadas reconduzem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar totalmente improcedente a pretensão da A., absolvendo o R. do pedido nos termos em que o fez, enferma de ilegalidade por erro de julgamento dada a infracção ao disposto nos arts. 08.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 4 e 22.º da CRP, 06.º, n.º 1, 13.º, 34.º, 35.º, 41.º e 46.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante CEDH), 01.º, n.º 1 do Protocolo anexo àquela Convenção, 508.º, n.º 1, al. b), 514.º, n.º 1 do CPC e 88.º do CPTA, e, bem assim, se ocorrem nulidades [art. 668.º, n.º 1, als. b) e d) do CPC] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

  28. FUNDAMENTOS 3.1.

    DE FACTO Resultou apurada da decisão judicial recorrida a seguinte factualidade: I) A acção ordinária n.º 821/97 iniciou-se com a apresentação, nas Varas Cíveis do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, da respectiva p.i. em 16 de Julho de 1997, na qual eram indicados como autores M… e M…, e como Rés a aqui Autora, e ainda «T… - Lda.» e «Metrópole Seguros» - cfr. fls. 01 dos aludidos autos, menção esta que deve considerar efectuada nos demais itens da matéria de facto assente, salvo indicação expressa em contrário.

    II) A Acção foi distribuída 2.ª secção em 15 de Setembro de 1997 - após o período de férias judiciais - cfr. fls. 01.

    III) A réplica foi apresentada naqueles autos em 18 de Fevereiro de 1998 - cfr. fls. 100.

    IV) Aberta conclusão ao Mm.º Juiz titular do processo em 19 de Março de 1998 foi notificada a ré seguradora, em cumprimento de despacho proferido na referida data, para juntar aos autos a apólice relativa ao contrato celebrado com a Ré empreiteira - cfr. fls. 103 (verso).

    1. Junta a referida apólice, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 526.º do Código de processo Civil - cfr. fls. 114.

      VI) Aberta conclusão nos autos em 04 de Maio de 1998, os autos foram com vista ao Ministério Público por despacho judicial de 5 de Novembro de 1999 - cfr. fls. 114 (verso).

      VII) Aberta conclusão nos autos, em 17 de Novembro de 1999, foi proferido despacho saneador e fixada a matéria de facto assente e a constante da base instrutória em 11.01.2000, notificado às partes nesse mesmo dia - cfr. fls. 115 a 119 (verso)...

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