Acórdão nº 03310/09 de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelJosé Correia
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I-RELATÓRIO I – B ..., S.A., com os sinais identificadores dos autos, impugnou judicialmente a liquidação do IVA relativo ao ano de 1998.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação improcedente.

Inconformada com tal decisão, a impugnante interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1.ª A sentença recorrida assenta numa errónea apreciação da factualidade provada e numa errónea aplicação das normas jurídicas que regulam o caso sub judice; 2.ª Primeiramente, cumpre referir que na matéria de facto provada não devem ser incluídas apreciações de direito, pelo que nenhuma referência deverá constar na matéria de facto ao conceito jurídico "estabelecimento estável", devendo suprimir-se tal menção da matéria de facto considerada provada; 3.ª Não obstante, mesmo que o Tribunal a quo concluísse que o ora Recorrente possuía um estabelecimento estável em Portugal, tal conclusão não era susceptível de sustentar a decisão subjudice; 4.ª Com efeito, não assiste razão a Tribunal a quo quando afirma que se encontram plenamente verificados, no caso vertente, quer o elemento subjectivo, quer o elemento objectivo da tributação em sede de IVA; 5.ª A sentença recorrida, fazendo apelo às normas de tributação em sede de IRC, designadamente o artigo 2° do Código do IRC, conclui que, possuindo o Recorrente um estabelecimento estável em Portugal, este deve ser considerado sujeito passivo de imposto e deve ser-lhe reconhecida personalidade tributária inclusivamente para efeitos de IVA; 6.ª Ora, incorre aquela em erro de julgamento quando considera extensíveis as normas do Código do IRC à tributação em sede de IVA porquanto, no ordenamento jurídico fiscal português, não existe um qualquer preceito legal, para efeitos de tributação em sede de IVA, que determine que uma sucursal e a sua casa -mãe constituam dois sujeitos passivos distintos e autónomos e, para mais, encontra-se vedado o recurso à analogia na interpretação das normas de incidência tributária (cf. artigo 103° da Constituição da República Portuguesa e artigo 11°, n° 4, da Lei Geral Tributária); 7.ª A norma de incidência subjectiva em sede de IVA, o artigo 2° do Código do IVA, estipula que apenas são considerados como sujeito passivo do imposto, "as pessoas singulares ou colectivas " que exerçam actividade económicas "de um modo independente", qualificação que não abrange, de forma alguma, os meros estabelecimentos estáveis sem personalidade jurídica; 8.ª Ora, como não podia deixar de ser, analisada a natureza e estatuto do estabelecimento em Portugal do Recorrente, conclui-se, desde logo, que a sucursal e a casa -mãe são a mesma pessoa jurídica, pelo que fica afastada a aplicação artigo 2° do Código do IVA ao caso vertente; 9.ª Ademais, a concreta natureza de instituição de crédito também releva para a conclusão de que não existe uma entidade independente porquanto a evidência de que a sucursal é um ente desprovido de autonomia jurídica e financeira em relação à sua casa -mãe resulta do próprio estatuto legal aplicável às instituições de crédito comunitárias e suas sucursais, designadamente o Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n° 298/92, de 31 de Dezembro, nos termos do qual as sucursais de instituições de crédito estabelecidas noutros Estados membros não exercem a sua actividade por sua própria conta mas enquanto emanação da instituição de crédito, não dispondo de capital próprio nem suportando os riscos ligados ao exercício da actividade; 10.ª Por outro lado, sempre que o legislador pretendeu tributar operações efectuadas por um único sujeito passivo, teve o cuidado de prever expressamente tais situações excepcionais quer no Código do IVA, quer em legislação complementar (cf, por exemplo, a alínea a) do número 1 do artigo 4° do RITI); 11.ª Contudo, o legislador não criou qualquer norma excepcional para as repartições de encargos gerais de administração (entre a casa -mãe e a sua sucursal), no seio da mesma entidade jurídica, pelo que, face às normas de incidência subjectiva consagradas nos Código do IVA, deve concluir-se inequivocamente que a mera imputação de custos entre as duas entidades não consubstancia uma operação tributável (cf., nesse sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 17 de Abril de 2007, no recurso n° 1633/07); 12.ª Acresce ainda que, para além do recurso à analogia com as normas de tributação do rendimento, outro erro esteve na origem do acto tributário subjudice, incorrido pela administração tributária e, aparentemente, também pela sentença recorrida, qual seja o facto de pretender extrair-se da norma de localização de operações a própria incidência tributária; 13.ª Efectivamente, a operação meramente interna no seio de uma mesma entidade jurídica não se enquadra na previsão do disposto no artigo 6°, n° 8, alíneas c) e d), do Código do IVA, norma de localização de operações que pressupõe a existência de dois sujeitos passivos distintos, ou seja, aplica-se apenas nas relações de sujeitos passivos com terceiros; 14.ª Por último, como fundamento determinante da procedência do entendimento do Recorrente, cumpre referir que as citadas normas do Código do IVA nem sequer podem prestar-se a interpretações divergentes de Estado para Estado, porquanto decorrem do sistema harmonizado do IVA de cariz vinculativo para todos os Estados membros; 15.ª Assume, assim, crucial relevância o entendimento que já foi vertido pelo TJCE no acórdão "FCE Bank", estipulando que "Os artigos 2.°, n.° l, e 9.°, n.° l, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios -Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, devem ser interpretados no sentido de que um estabelecimento estável, que não é uma entidade jurídica distinta da sociedade em que se integra, situado noutro Estado Membro e ao qual a sociedade fornece prestações de serviços, não deve ser considerado sujeito passivo em razão dos custos que lhe são imputados pelas referidas prestações"; 16.ª Veio aquele acórdão do TJCE esclarecer que a qualificação como estabelecimento estável apenas é determinante para localizar a operação nas relações com terceiros mas não para identificar um sujeito passivo de IVA nas operações efectuadas com a casa -mãe, sendo certo que a interpretação que o TJCE faz de uma norma de direito comunitário, no exercício das competências conferidas pelo artigo 234° do Tratado que institui as Comunidades Europeias, deve ser atendida pela jurisdição nacional; 17.ª Resulta, pois, evidente a falta de elemento subjectivo da tributação; 18.ª Mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede e apenas se admite por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que a decisão do Tribunal a quo é ainda censurável ao considerar preenchido o elemento objectivo de imposto, não existindo, no caso subjudice, facto jurídico susceptível de ser tributado; 19.ª Com efeito, o montante de €681.816,24, quantia imputada pela casa -mãe à sua sucursal, a título de encargos gerais de administração, não deve considerar-se prestação de serviços enquadrável na previsão do artigo 4°, n° l, do Código do IVA, porquanto, conforme resultou da matéria de facto provada, tal quantia reporta-se às despesas suportadas pela casa -mãe, as quais foram efectuadas aproveitando às suas sucursais; 20.ª A despesa, no caso vertente, foi suportada pela casa -mãe enquanto que a sucursal se limitou, e bem, a reflectir contabilisticamente o custo, sem que tal tenha significado a assunção de qualquer despesa; 21.ª Como tal, não se verifica qualquer onerosidade da prestação, não resultando de tais operações qualquer valor acrescentado, mas apenas uma redistribuição entre casa -mãe e as sucursais dos custos/despesas administrativas que a todas aproveitam; 22.ªTrata-se, portanto, de uma mera operação contabilística, absolutamente legítima em termos fiscais e que nunca poderá ser qualificada como uma prestação de serviços a título oneroso nos termos do disposto no artigo 1.°, n.° l, alínea a), e no artigo 4.°, n.° l, do Código do I VA.

23.ª Razão pela qual não se encontra preenchido o elemento objectivo, ou seja, o facto tributário, pelo que também por esta razão deverá a sentença recorrida ser revogada, e, bem assim, anuladas as liquidações de IVA e juros compensatórios em crise; 24.ª Por fim, o ora Recorrente reafirma o legítimo direito que lhe assiste ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 24° do Código de Processo Tributário, em virtude do erro imputável aos serviços assente na ilegalidade da liquidação adicional de IVA, violando o disposto nos artigos 1°, 2° e 4° do Código do IVA.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, a anulação das liquidações de IVA e de juros compensatórios em crise, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA! Não houve contra -alegações.

A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento em douto parecer a cujos fundamentos faremos infra alusão.

Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.

*2. -FUNDAMENTAÇÃO 2.1.- DOS FACTOS: Na sentença recorrida fixou-se o seguinte probatório: Factos Provados Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão: 1-A sociedade impugnante, "B ... - Sucursal em Portugal", com o n.i.p.c. 980 000 416, está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o n°.61.639, sendo representação permanente em Portugal da empresa de direito francês, "B ...", com sede em Paris, e tendo estabelecimento estável sito na Av. 5 de Outubro, n°.206, em Lisboa (cfr.documentos...

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