Acórdão nº 00898/07.1BECBR-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelDrº Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Data da Resolução03 de Novembro de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “QUERCUS - ASSOCIAÇÃO NACIONAL CONSERVAÇÃO DA NATUREZA”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 24.04.2008, que, no âmbito da acção administrativa especial por si instaurada contra os RR.

“MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS” [abreviada e doravante MADRP], “MINISTÉRIO DO AMBIENTE, DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL” [abreviada e doravante MAOTDR], “MUNICÍPIO DE MIRA” e “A…, SA”, determinou a absolvição da instância destes com base na inimpugnabilidade do acto em questão.

Formula a aqui recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 370 e segs.

- paginação do suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. O disposto na DIA é vinculativo em todos os seus aspectos para os particulares e para as entidades licenciadoras ou autorizantes.

  2. De tal modo que é nulo todo e qualquer procedimento sujeito a processo de AIA, cuja autorização ou licenciamento que não seja precedido por uma declaração de impacto ambiental favorável; 3. A posição definida, na DIA, pelo Ministério do Ambiente através do membro do Governo competente, prevalece e tem primazia sobre todo e qualquer entendimento que possa ter outro membro do Governo, ou qualquer outra entidade administrativa; 4. A DIA produz efeitos externos por definir desde logo a posição da Administração e dos particulares interessados quanto à matéria ambiental do projecto, 5. Constituindo um acto definitivo e recorrível, uma vez, de per si, é passível de lesar bens ou direitos ambientalmente protegidos; 6. A sentença recorrida baseia a sua fundamentação num acórdão que versou sobre uma questão de facto e de direito diversa da que está em discussão nestes autos; 7. Violou assim a decisão recorrida os artigos 66.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da Constituição da República e os arts. 20.º e 21.º do DL 69/2000 ...

    ”.

    Conclui no sentido do provimento do recurso, com consequente revogação da decisão judicial recorrida.

    Os RR., ora recorridos, notificados vieram cada um apresentar contra-alegações concluindo nos seguintes termos: I) MADRP (cfr. fls. 410 e segs.

    ): “… 1. A decisão recorrida não merece censura, não se vislumbrando que tenha violado qualquer disposição de lei substantiva e designadamente o disposto no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 66/2000, de 3 de Maio ou no n.º 4 do art. 268.º da CRP; 2. A declaração de impacto ambiental favorável tem como único efeito o de permitir a continuidade do processo de licenciamento em que insere e que pode, eventualmente, terminar com o deferimento da pretensão do interessado.

  3. A DIA, como acto de trâmite que é, só produz efeitos no quadro em que é proferida não subsistindo fora dele.

  4. A declaração de impacto ambiental, quando favorável, não tem efeitos lesivos, apenas condicionando, mas não impondo, a decisão final de licenciamento; 5. A DIA não é, pois, no caso, impugnável.

  5. Improcedem, igualmente, as restantes conclusões da recorrente …”.

    II) MAOTDR (cfr. fls. 418 e segs.

    ), no sentido de ser “… considerado improcedente o presente recurso jurisdicional por não se verificar qualquer erro na aplicação do direito, mantendo-se a sentença recorrida …”, sem haver formulado, todavia, quaisquer conclusões.

    III) MUNICÍPIO DE MIRA (cfr. fls. 398 e segs.

    ): “… 1.ª Verifica-se que a douta decisão recorrida não violou qualquer norma legal, mormente os artigos 66.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da Constituição da República, artigos 20.º e 21.º do Dec. Lei n.º 69/2000 e alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

    1. Face aos factos dados como provados e compulsada a legislação aplicável aos procedimentos em curso, o acto suspendendo - DIA- constitui um acto que integra um procedimento mais vasto e abrangente, a que se refere a instalação/construção exploração de unidade industrial de aquicultura.

    2. O acto em discussão nestes autos não possui aptidão lesiva dos interesses que a recorrente pretende defender, uma vez que não ocorre a externalização dos seus efeitos, requisito necessário à impugnabilidade do acto, bem como à suspensão da eficácia do mesmo.

    3. Sem conceder, mesmo antes da instauração do presente processo cautelar, foram emitidas as licenças de instalação e de construção, conforme resulta da factualidade provada.

    4. Assim, o acto suspendo já foi executado, o que se consubstancia nos actos autorizativos atrás referidos, não sendo possível suspender efeitos jurídicos cuja produção já se esgotou.

    5. Por fim, importa salientar que à data da propositura da presente providência cautelar, quer o Município de Mira, quer o MADRP, já haviam emitido autorização de construção e instalação da unidade de aquicultura, pelo que, os pedidos intimatórios vertidos na Providência já se haviam concretizado e firmado na ordem jurídica, através de actos administrativos legitimantes de uma actuação contrária aos referidos pedidos intimatórios. Donde resulta o seu indeferimento, por impossibilidade legal.

    6. Pelo que, deverá o recurso improceder, tão evidente se torna a falta de base de sustentação fáctico-legal …”.

    IV) “A…, SA” (cfr. fls. 445 e segs.

    ): “… 1 - A delimitação do objecto do presente recurso jurisdicional, tal como interposto pela Recorrente e definido pelas respectivas alegações, implica que se encontra apenas sob apreciação desse Venerando Tribunal a decisão, constante da douta sentença recorrida, de qualificar como inimpugnável a Declaração de Impacte Ambiental, proferida pelo Senhor Secretário de Estado do Ambiente, em 7-8-2007, relativamente ao Projecto de Aquicultura da A…, e não a decisão proferida relativamente aos pedidos intimatórios requeridos pela QUERCUS contra os RR. e a Contra-interessada.

    2 - A inimpugnabilidade da DIA deriva, quer da falta de produção de efeitos externos, quer da ausência de lesividade da referida DIA, particularmente atento o facto de esta constituir um subprocedimento no âmbito do processo de licenciamento e de terem sido já proferidas as decisões de licenciamento da instalação da unidade, bem como as licenças de obras de construção.

    3 - Não só a execução do acto impugnado (a admitir a exequibilidade por si mesma da DIA) não provoca nem é susceptível de gerar qualquer dano no ambiente por se tratar de um acto intermédio, ainda que obrigatório e vinculativo, no procedimento tendente ao licenciamento da instalação da unidade aquícola e da respectiva construção, apenas permitindo que o referido processo de licenciamento prossiga, com as limitações impostas pela DIA, cujos efeitos típicos se projectam nos actos de licenciamento já praticados.

    4 - A DIA não confere ao particular interessado qualquer direito de instalação, de construção ou de exploração da unidade aquícola nem sequer à prolação dos actos de licenciamento da unidade aquícola e de construção, já emitidos.

    5 - A DIA não constitui garantia (suficiente) do deferimento do licenciamento, uma vez que projecta os seus efeitos típicos dentro da marcha procedimental em que se integra, como tem decidido a jurisprudência do STA, e que a douta sentença recorrida bem acompanhou.

    6 - É incontestável que a realização da actividade de instalação da unidade aquícola depende da prolação dos actos de licenciamento, posteriores à DIA, com esta integralmente conformados, mas que não se esgotam na declaração de impacte ambiental.

    7 - Daqui resulta que o antecedente causal de qualquer lesão apenas pode resultar dos actos de licenciamento da instalação da unidade ou do licenciamento das obras de construção ou do exercício da actividade, mas nunca da emissão de uma DIA.

    8 - Nem se afirme que a DIA assume o papel de acto central do procedimento de licenciamento, porquanto este se encontra dependente da emissão de várias outras licenças, igualmente vinculativas, como sucede, entre outras, com a licença de utilização do domínio hídrico.

    9 - Mas também a DIA não constitui a última definição relativamente à posição de defesa e garantia dos valores ambientais, contrariamente ao que alega a Recorrente, já que no procedimento no qual vai produzir efeitos (o de autorização da instalação e de construção), quer o ICNB, quer a direcção regional do ambiente são chamados a emitir parecer vinculativo sobre a afectação da fauna, da flora e dos habitats circundantes, independentemente da DIA proferida - o que constitui elemento distintivo da análise a realizar no âmbito dos presentes autos.

    10 - Bem decidiu, por isso, a douta sentença recorrida, que deve ser mantida, não decorrendo dela quaisquer violações ao direito ao ambiente e menos ainda ao direito a uma tutela jurisdicional efectiva, contrariamente ao que alega a Recorrente a qual, aliás, já impugnou o acto de autorização da instalação da unidade aquícola, lançando mão do princípio da impugnação unitária.

    11 - Inexiste, igualmente, qualquer violação do artigo 20.º do DL n.º 69/2000, na redacção conferida pelo DL n.º 197/2005 porquanto aí expressamente se comina a nulidade dos actos de licenciamento que violem o que se dispõe em DIA favorável ou condicionalmente favorável - sendo certo que se trata de questão nem sequer objecto da sentença ou dos respectivos fundamentos, pelo que a sua apreciação não cabe em sede de recurso. O mesmo se refira quanto à alegada violação do artigo 21.º do mesmo diploma, cuja invocação não se alcança, atendendo a que o mesmo diz respeito à caducidade da DIA …”.

    Recebidos os autos provenientes do STA, após decisão inserta a fls. 499, o Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso (cfr. fls. 514/515), parecer esse que objecto de contraditório mereceu resposta discordante por parte da recorrida “A …, SA” (cfr. fls. 524 e segs.

    ).

    ...

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