Acórdão nº 02305/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelLucas Martins
Data da Resolução25 de Outubro de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

- «J ..., S.A.», com os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão proferida pelo Mm.º Juiz do TAF de Sintra, em 16/10/2007, e em que lhe julgou improcedente esta impugnação judicial deduzida contra liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2001, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões; A).

O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 16.10.2007 nos autos acima referenciados que julgou “totalmente improcedente a impugnação deduzida pela impugnante”; B).

Recorre-se da sentença proferida nos autos com fundamento em impugnação da matéria de facto e errónea aplicação do Direito, tendo igualmente o presente recurso por objecto a reapreciação da prova gravada; C).

A matéria de facto dada como provada na Sentença Recorrida apresenta deficiências, omissões e inexactidões de suprema importância para a boa resolução da causa, sendo tais deficiências, omissões e inexactidões evidenciadas pelos documentos juntos aos autos e pelos depoimentos das testemunhas.; D).

De acordo com a prova documental e a prova testemunhal produzidas, deve este Alto Tribunal aditar, ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigos 749.º e 762.º do mesmo Código, todos aplicáveis por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, os seguintes pontos à matéria de facto provada: “4) O custo com combustível em causa nos autos foi contabilizado como combustível respeitante aos 57 automóveis que constam do activo da impugnante e que são utilizados por 57 funcionários da impugnante que desempenham a função de “delegados de informação médica”.

“5) A impugnante elaborava um “mapa de quilómetros” mensal por cada funcionário cuja função implicava deslocações em viaturas da sociedade, “mapa de quilómetros” esse que descrevia os percursos, contabilizava os quilómetros percorridos pelas viaturas que pertenciam ao activo da impugnante ou eram utilizadas por si em regime de locação, a sua matrícula e o nome dos funcionários que as conduziam”.

“6) O quilómetro contabilizado eram pago tendo em conta a seguinte fórmula: (i) Preço do litro de gasolina s/chumbo 95 que na altura ascendia a 0,913€ por litro; (ii) Consumo teórico médio das viaturas 10 litros por cada 100 quilómetros; (iii) de onde resulta um valor por quilómetro pago pela empresa de 0,091€ por cada quilómetro percorrido”.

“7) A impugnante sabia previamente o percurso comercial dos seus funcionários e os quilómetros percorridos pelos mesmos ao serviço da empresa e efectuava um controlo diário sobre esses quilómetros”.

“8) Face à actividade desenvolvida pelos funcionários da Recorrente que utilizavam as viaturas, não era exequível limitar o uso das mesmas ao estrito serviço da empresa”.

“9) O sistema praticado pela impugnante para controlar e contabilizar os custos com a aquisição de combustível era fiável, permitindo um maior rigor do que um sistema suportado por facturas de aquisição de combustível, face à especificidade das funções desempenhadas pelos funcionários da empresa que utilizavam as viaturas, os designados “delegados de informação médica”.; E).

A questão decidenda nos autos é, salvo melhor opinião, simples e cristalina: deverá o custo contabilizado pela recorrente na conta “Deslocações e Estadas” respeitante à aquisição de combustível para as viaturas que constam do seu activo imobilizado, e que são utilizadas por funcionários “delegados de informação médica”, ser considerado como devidamente documentado nos termos do Código do IRC?; F).

O Tribunal a quo entendeu que não, uma vez que o custo não se encontra documentado com factura, não sendo possível saber, no entendimento do Tribunal a quo e face ao probatório que consta da Sentença Recorrida, a quantidade de combustível adquirido para os fins comerciais da empresa; G).

Tendo em conta a paupérrima matéria de facto dada por provada na Sentença Recorrida e as gritantes omissões aí existentes, a recorrente entende que o Tribunal a quo não resolve, mas apenas dissolve a questão sub judice”; H).

É pacífico na jurisprudência e na doutrina que, para efeitos de IRC, a factura não é a única forma de documentar e provar os custos incorridos, não existindo qualquer norma no Código do IRC, e muito menos as normas contabilísticas, que exija a necessidade de factura para documentar um custo; I).

Resultou provado nos autos que a recorrente, apesar de não possuir as facturas referentes à aquisição de combustíveis, possuía à data um sistema de controlo e documentação desses custos de grande fiabilidade, baseado em mapas descritivos do percurso comercial que cada viatura/funcionário efectuava e numa fórmula de cálculo segura para apurar a gasolina gasta por cada quilómetro percorrido; J).

A Administração Tributária não encontrou e nem sequer alegou qualquer erro, lapso ou deficiência na elaboração destes mapas nem apontou qualquer discrepância entre os mapas e os custos com combustíveis registados na conta “Deslocações e Estadas”; K).

Tendo em conta a especificidade da actividade desenvolvida pelos funcionários da recorrente que utilizavam as viaturas (os designados “delegados de informação médica”), um sistema baseado em facturas permitiria que os funcionários imputassem à recorrente combustível utilizado fora do âmbito da empresa, conforme ficou demonstrado; L).

Acresce que a Administração Tributária não pode colocar em causa o montante das despesas com combustível, uma vez que, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 42.º do Código do IRC, o custo com combustível só não será de aceitar se forem “ultrapassados os consumos normais”, coisa que a Administração Tributária nem sequer alegou nem, por maioria de razão, demonstrou; M).

A questão também não deve ser se a lei permite ou não o “pagamento de quilómetros” - matéria de ajudas de custo, não aplicável ao caso sub judice – mas se os custos contabilizados pela recorrente se encontra devidamente documentado ou não; N).

Não existe qualquer norma do Código do IRC que estabeleça a imprescindibilidade de factura, já que podem existir situações (porventura excepcionais) em que os registos contabilísticos sejam suportados de outras formas mas com a mesma (ou maior) fidelidade, como acontece precisamente no presente caso; O).

O único argumento apresentado na Sentença recorrida para a decisão de total improcedência da impugnação foi o facto do Tribunal a quo considerar que “não é possível saber as quantidades de combustível adquirido para esse fim apenas com base na quilometragem das viaturas, sem os necessários documentos de suporte comprovativo daquelas aquisições”; P).

Com este argumento, o Tribunal a quo consegue a difícil façanha de ser terrivelmente legalista sem se fundamentar em qualquer lei!; Q).

O Tribunal a quo é terrivelmente legalista porque se recusa a aceitar que um sistema de contabilização de custos com combustível que não possua facturas possa ser fiável (daí referir que não é possível saber as quantidades de combustível adquirido”), e no entanto essa recusa não encontra suporte em qualquer lei; R).

O presente caso é totalmente diferente dos processos de utilização dos designados “cheques-auto”, cuja prática foi já objecto de vários acórdãos dos Tribunais Superiores, já que, nestes casos, a contabilidade das sociedades não possibilitava a confirmação de que estes “cheques”, adquiridos pelas sociedades, eram efectivamente utilizados para pagar os custos com combustíveis respeitantes às próprias viaturas das sociedades; S).

Curiosamente, o presente caso é a antítese dos casos de “cheques-auto”, uma vez que a documentação contabilística existente e a fórmula de cálculo utilizada permitem confirmar com toda a segurança que os custos incorridos se destinaram a suportar o combustível das viaturas da Recorrente, nos seus percursos comerciais, facto plenamente corroborado pelos documentos e pelas testemunhas apresentadas, estando aqui meramente em causa a documentação do custo com factura; T).

O requisito estabelecido na alínea i) do n.º 1 do artigo 42.º do Código do IRC encontra-se preenchido, demonstrando a contabilidade da recorrente que os montantes registados na conta “Deslocações e Estadas” como aquisição de combustível são inteiramente imputáveis a viaturas pertencentes ao seu activo ou utilizadas em regime de locação; U).

De acordo com a decisão de que ora se recorre, a recorrente não pode deduzir fiscalmente os custos com o combustível das 57 viaturas utilizadas para fazer deslocar os seus “delegados de informação médica”, estando perfeitamente provado que tais custos estão documentados, com toda a injustiça que daí advém.

- Termina a recorrente pedindo que seja dado provimento ao recurso, “devendo, em consequência, ser anulada a Sentença Recorrida e a liquidação impugnada, nos termos da p.i.”.

- Não houve contra-alegações.

- O M.ºP.º emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (vd. fls. 249 e 250 dos presentes autos).

*****- Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

- A decisão recorrida, segundo alíneas da nossa iniciativa, deu, por provada, a seguinte; - MATÉRIA DE FACTO - A).

No âmbito de uma acção de fiscalização efectuada à sociedade anónima «J ..., S.A.», foram efectuadas correcções ao lucro tributável do exercício de 2001, e procedeu-se a liquidação adicional de IRC para aquele ano, com o n.º 2005 8500040328, no valor de €47.696,16 relativo a imposto e juros compensatórios – cfr. “demonstraçãode liquidação” de imposto de fls. 39 a 41 e notificação das conclusões da acção de inspecção ao exercício de 2001, de fls. 24 a 26 dos autos; B).

As correcções constantes das «conclusões do relatório» mencionadas em 1, estão fundamentadas no Relatório elaborado pelos serviços de inspecção, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido e do qual consta, designadamente, que, de um lucro declarado de €452.290,03, foram efectuadas correcções no valor total de €108.355,45, para aquele ano, do qual faz parte uma verba no valor de...

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