Acórdão nº 00384/04 de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelJosé Correia
Data da Resolução25 de Junho de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 - RELATÓRIO F..., identificado a fls. 2 dos autos, interpôs no TAC de Lisboa, recurso contencioso de anulação da deliberação tomada pela Câmara Municipal do Montijo (abreviadamente CMM) em 12.05.1999, que na sequência do processo disciplinar que lhe foi movido, lhe aplicou a pena de inactividade pelo período de dois anos.

O TAC de Lisboa, por sentença datada de 04.02.2004, concedeu provimento ao recurso e em consequência anulou a deliberação impugnada.

Inconformada com tal decisão a CMM, aqui recorrente, interpôs o presente recurso jurisdicional, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões: " 1.O texto que o recorrido fez publicar num jornal semanário, com uma tiragem de cerca de 4.000 exemplares, contém expressões e afirmações, objectiva e subjectivamente ofensivas da honra, dignidade e consideração que são devidas à Presidente da Câmara do Montijo e à própria Câmara.

  1. Esta conduta do recorrido foi criminalmente censurada - sentença de fls. 110 a 124 dos autos.

  2. No texto em causa o recorrido invocou, expressamente, a sua qualidade de trabalhador da Câmara e foi, também, nessa qualidade que o escreveu.

  3. Como trabalhador da Câmara, logo funcionário público, estava o recorrido obrigado a subordinar-se aos objectivos de serviço e à prossecução do interesse público.

  4. Ora, publicamente o recorrente questionou e pôs em causa tais objectivos e o interesse público prosseguido pela Câmara, no que se refere ao trabalho suplementar dos trabalhadores.

  5. Assim ao considerar que o recorrido não violou o dever de lealdade, mal interpreta e aplica a sentença recorrida o disposto no artigo 3°, n° 4 alínea d) do Estatuto Disciplinar.

  6. Também ao considerar violado o artigo 25°, n° 2 alínea a) do E.D. a sentença recorrida mal interpreta e aplica este dispositivo legal.

  7. Contrariamente ao considerado, na sentença recorrida, o recorrido, no texto do jornal em causa, não invocou a sua qualidade de delegado sindical mas, sim, a sua qualidade de trabalhador da Câmara.

  8. Ao definir o campo de previsão e de aplicação da pena de inactividade o n°1, do artigo 25° do E.D. estatui que a mesma será aplicada nos casos de procedimento que atente gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou agente e de função, referindo o n° 2, alínea a) deste artigo que a pena de inactividade será aplicada aos funcionários que agredirem, injuriarem ou desrespeitarem gravemente superior hierárquico, fora de serviço, por motivos relacionados com o exercício das suas funções.

  9. A injúria e o desrespeito grave de superior hierárquico fora de serviço, por motivos relacionados com o serviço, são punidos com a pena disciplinar de inactividade.

  10. Trata-se de ilícito disciplinar muito grave que lesou/atingiu a Senhora Presidente da Câmara, na sua honra e dignidade.

  11. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida a pena aplicada foi proporcionada à infracção grave cometida e na sua aplicação foi levada em linha de conta o antecedente disciplinar do recorrente e o escândalo que a sua actuação causou junto da população.

  12. Assim, ao considerar violado o artigo 5°, n° 2 do C.P.A. a sentença recorrida mal interpreta e aplica este dispositivo legal.

  13. Por último, não considerando válida a deliberação recorrida, face ao ilícito disciplinar em causa, viola a sentença recorrida o disposto nos artigos 3°, n° 4 alíneas d) e f) e 11°, n° 1 alínea d) e 12°, n° 5 e 25°, n° 2 alínea d) do D.L. 24/84, dispositivos legais em que bem se fundamentou a deliberação recorrida.

    O recorrido contra -alegou, concluindo do modo que segue: "A.

    A sentença proferida pelo Tribunal "a quo", fez uma correcta interpretação e subsunção dos factos ao direito ao decidir conceder provimento ao recurso, fazendo cumprir a lei e a Justiça (em sentido formal e material), pois, não deixou de aplicar os mais elementares princípios de direito, mormente a avaliação dos factos de forma objectiva e concreta. O itinerário cognoscitivo da sentença nunca perde de vista, o vector da objectividade, na avaliação da prova produzida e respectivo enquadramento jurídico que, pese a quem pese, continuam a nortear e bem, a aplicação do direito. A avaliação da prova, no que concerne aos princípios, alegadamente afrontados pelo arguido ora recorrido, quer no que concerne á questão relativa ao princípio da proporcionalidade, no que respeita à medida da pena é feita, na ponderação rigorosa e objectiva das circunstâncias concretas em que um determinado comportamento é assumido e em nada interfere com o domínio da discricionariedade da administração.

    É, de resto, lapidarmente patente em toda a decisão recorrida que foi feita com toda a correcção e, sem merecer qualquer censura, ao invés do que entende a ora recorrente, a interpretação dos factos e a aplicação do direito, pelo que aquela, não padece de nenhum vício ou erro, devendo ser mantida e, consequentemente, negado provimento ao recurso, com todas as legais consequências.

    A Digna Magistrada do M.P. emitiu parecer, concluindo que o recurso não merecia provimento.

    Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

    * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DOS FACTOS A sentença recorrida deu como assente - e sem qualquer reparo - a seguinte factualidade:1.°)O Recorrente era, em 5 de Novembro de 1998, funcionário da Câmara Municipal do Montijo com as funções de serralheiro - cf. doc. fls. 10 do processo instrutor; 2.°)O Recorrente fez publicar no jornal regional semanário "Nova Gazeta" de 5 de Novembro de 1998, um texto de sua autoria com o seguinte teor: "Na sessão de Câmara do passado dia 28 de Outubro, e no período reservado ao público eu, F... pedi a palavra exercendo um direito de, munícipe e de cidadania, para falar de um problema que afecta largas dezenas de munícipes e trabalhadores da Câmara Municipal de Montijo e Serviços Municipalizados. E, porque para além de munícipe e cidadão, sou trabalhador da Câmara, portanto minimamente informado sobre o que se passa, tinha decidido para mim falar do que conheço informar os presentes e toda a Câmara sobre a dívida aos trabalhadores, que teimosamente a Srª. Presidente não quer atender e resolver. Ou seja, pagar na forma que a Presidente e trabalhadores entenderem entre si.

    A Presidente de uma forma arrogante e com uma linguagem e atitudes pouco próprias para atender um munícipe, seja ele trabalhador da CMM ou não, impediu-me de falar como sou trabalhador da Câmara não o podia fazer. É evidente que se estava na Sessão é porque não estava ao serviço. Estava portanto no meu período de descanso. Participando em liberdade no espaço público livre mais do que pertença da Presidente da Câmara, é sobretudo pertença dos cidadãos.

    Se é grave a atitude, a postura agressiva e «Comicieira» e as inverdades do discurso, o pior é quando a Presidente da Câmara Municipal de Montijo, A..., faltou à verdade e em público quando me acusa enquanto trabalhador da Câmara (nessa altura gesticulando aquilo que seriam as provas), de só ter trabalhado aos sábados e domingos quando não o fazia durante a semana (!!). Sim senhor, dito pela senhora.

    Não foi receando que mandasse chamar a Polícia que me calei.

    Calei-me porque decidi aceder à prepotência da Srª. Presidente (não repor a verdade em relação ao trabalho extraordinário ainda em dívida por parte da Câmara) e aceitar igualmente o convite da Srª. Presidente para uma reunido de esclarecimento no dia seguinte às 9,30 horas no seu gabinete e a seu pedido que se realizou. E nessa reunião conversámos, esclarecemos, e a Srª. Presidente reconheceu que se precipitou, que caluniou sem fundamentos e pediu-me desculpas pelo sucedido.

    Esperava eu, acreditando que não haveria qualquer problema de sanidade no trato entre pessoas, e que para quem «apregoa» todos os dias a verdade a transparência, que a Srª. Presidente se retratasse na última Sessão de Câmara e em público engolisse as suas inverdades e acusações. Não aconteceu. A Srª. Presidente, sem ter que dizer que mentiu (supostamente com objectivos políticos que tratarei noutra altura), podia e ficava-lhe bem, dava-lhe idoneidade se dissesse apenas: desculpe trabalhador da Câmara F..., ou muito simplesmente... desculpem-me.

    ; Quinta feira (um dia depois de Sessão da Câmara), 12.11.98.

    (* Assino muito reconhecidamente, F..., serralheiro da C. M. Montijo, criado nesta terra de Aldegalega e que não se inibe de ser munícipe e cidadão mesmo que custe a outros)" - cf. doc. fl. 101.; 3.°)Este jornal teve uma tiragem de cerca de 4000 exemplares - provado por acordo; 4.°)Por deliberação tomada em reunião da Câmara Municipal do Montijo em 9 de Dezembro de 1998 foi determinada a instauração de processo disciplinar ao Recorrente - provado por acordo;5.°)Concluída a instrução, o Senhor Instrutor elaborou relatório final em 10 de Maio de 1999 - cf. doc. fls. 129 a 136 do processo instrutor;6.°)No qual propunha, a final, a aplicação da "pena de inactividade graduada em dois anos prevista nos art°s. 11. °, n.°1 al d) e 12. °, n.°5 do DL 24/84, de 16 de Janeiro" - cf. mesmo doc.; 7.°)Nesse relatório pode ler-se: " 1. Por deliberação tomada em reunião a Câmara Municipal de Dezembro de 1998 titulada pela Proposta n°733/98 foi decidido instaurar-se processo disciplinar ao operário qualificado principal (serralheiro) F....

    Tal decisão surge como consequência do arguido ter feito publicar no jornal semanário "Nova Gazeta", n.°437, Ano IX de 5 de Novembro de 1988 e na segunda página, um texto de sua autoria intitulado "A Srª Presidente da Câmara Municipal de Montijo não...

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