Acórdão nº 00481/04 de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelJosé Correia
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo (2º Juízo-1.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo: 1- RELATÓRIO Avelino ...

intentou no TAF de Leiria, contra o Estado Português, acção administrativa comum, sob a forma comum, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de 146.044,44€, acrescidos de juros de mora a contar desde 11-10-99.

O Mmº Juiz " a quo", por decisão de 29-06-2004, julgou improcedente o pedido e absolveu o R.

Inconformado o Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este TACS, formulando na alegação que apresentou, as seguintes conclusões: "1-Por força da Directiva 84/5/CEE, o Estado Português ficou vinculado a produzir legislação interna que garantisse que os lesados de acidentes de viação pudessem beneficiar de indemnização coberta pelo capital mínimo de seguro obrigatório independentemente do tipo de responsabilidade civil em causa.

2- O Recorrente ficou privado de receber a referida indemnização porque o Estado Português demorou nove anos a produzir legislação que transpusesse de forma cabal, expressa, clara e inequívoca os comandos da citada Directiva.

Consequentemente, 3 - O Estado incorreu em responsabilidade civil resultante da função legislativa e constitui-se na obrigação de prestar ao Recorrente a indemnização reclamada nestes autos.

4- Na sentença recorrida, entendeu-se que o Estado não incorreu em responsabilidade por omissão legislativa porquanto a referida Directiva foi transposta tempestivamente através da revogação tácita do art° 508° do Código Civil.

O referido entendimento não merece acolhimento, essencialmente, por três razões: A) - DA VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO.

5 - A decisão impugnada viola o princípio do caso julgado formado pelo douto Acórdão do STJ de 28.5.02, onde se decidiu que o Estado Português não adaptou a sua legislação ao ordenamento comunitário.

B)- DA RESPONSABILIDADE RESULTANTE DA FUNÇÃO LEGISLATIVA: 6 - A responsabilidade civil do Estado resultante da função legislativa abrange a omissão e a deficiente produção legislativa.

Pelo que, 7 - Ainda que se aceitasse que o Estado adoptou a referida Directiva através da citada revogação tácita, é manifesto que essa forma de transposição foi imperfeita, deficiente, ambígua e geradora de responsabilidade civil.

8 - O facto de, em 2004, ter vencido a tese da revogação tácita do art° 508° do CC não isenta o Estado das suas responsabilidades pela omissão de legislação expressa, clara, inequívoca, completa e atempada por forma a evitar os prejuízos causados ao Recorrente.

  1. - DO ABUSO DO DIREITO: 9 - Durante vários anos, o Estado Português recusou-se a alterar os limites do art° 508° do CC e litigou junto do Tribunal Judicial das Comunidades Europeias pela possibilidade de manter os referidos limites no direito nacional.

10 - Donde resulta que seria sempre ilegítima e abusiva a pretensão do Recorrido de eximir-se das suas responsabilidade invocando um argumento (a citada revogação tácita) contrário à sua conduta anterior - v. artº 334° do CC.

11- A sentença recorrida violou o disposto nos art°s 249° do Tratado de Roma, 22° da CRP, 7°, 9°, 334°, 483° e 508° do CC., 6° do DL 522/85 de 31/12 , 497° e 671° do CPC - dado que essas normas deveriam ter sido aplicadas e interpretadas no sentido de se concluir pela existência de responsabilidade civil do Estado resultante da sua função legislativa.

Conclui pedindo o provimento do recurso.

Contra -alegou o Ministério Público, pugnando pela manutenção do julgado.

Colhidos que foram os Vistos legais, cumpre decidir*2- DA FUNDAMENTAÇÃO 2.1.- Dos Factos A decisão recorrida considerou provada, assente na factualidade aduzida pelas partes e na prova documental, a seguinte matéria de facto: 1.

O Autor, no dia 26 de Julho de 1997, na E.M. n.° 575, na comarca de Abrantes, foi vítima de um acidente de viação; 2.

Nesse acidente foram intervenientes o ciclomotor mat.a 2-ABT-01-79, tripulado pelo Autor, seu proprietário, e o auto-ligeiro mat.a 73-73-EV, conduzido por João Manuel da Costa Baião; 3.

Em 12 de Maio de 1999, o Autor intentou uma acção ordinária contra a companhia de seguros Mundial-Confiança, para efectivação da responsabilidade civil emergente do acidente referido no ponto 1; 4.

A referida acção correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes, no 2.° Juízo, com o processo ordinário n.° 295/99; 5.

Por sentença de 11 de Janeiro de 2001, a acção foi julgada procedente e a companhia de seguros Mundial Confiança foi condenada a pagar Esc.: 33.970.000$00, acrescidos de juros legais a contar de 11.10.99, até integral pagamento; 6.

A Ré, dessa acção, recorreu da sentença, impugnando a matéria de facto; 7.

O Acórdão produzido nesse recurso, de 4.10.2001, alterou as resposta à matéria de facto da decisão proferida em primeira instância, concluindo que da prova produzida não se podia atribuir culpa a nenhum dos condutores, tendo, em consequência, limitado a responsabilidade da seguradora aos limites previstos no art.° 508.° n.° 1 do Código Civil; 8.

O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora fixou a contribuição dos intervenientes para os danos, nas percentagens de 70% para o condutor do veículo ligeiro e 30% para o Autor, condutor do ciclomotor (doc. n.° 3, fls 45); 9.

Em consequência alterou a decisão da primeira instância e condenou a seguradora a pagar ao Autor Esc.: 4.140.000$00, acrescidos dos respectivos juros legais, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais; 10.

Quanto aos montantes indemnizatórios fixados na sentença de primeira instância nada se alterou, contra o que pretendia a seguradora; 11.

O Autor não se conformando com a decisão desse acórdão recorreu para o S.T.J; 12.

Entre outros fundamentos o Autor alegou a inaplicabilidade da norma do art.° 508.° do Código Civil, por contrariar a segunda directiva n.° 84/5/CEE do Conselho, de 30/12/83; 13.

Por acórdão de 28 de Maio de 2002, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu manter a decisão da Relação de Évora, quanto às alterações sobre a matéria de facto acerca das circunstâncias do acidente.

*2.2. - Do Direito O Recorrente sustenta que por força da Directiva 84/5/CEE, o Estado Português ficou vinculado a produzir legislação interna que garantisse que os lesados de acidentes de viação pudessem beneficiar de indemnização coberta pelo capital mínimo de seguro obrigatório independentemente do tipo de responsabilidade civil em causa.

Ora, havendo o Recorrente ficado privado de receber a referida indemnização porque o Estado Português demorou nove anos a produzir legislação que transpusesse de forma cabal, expressa, clara e inequívoca os comandos da citada Directiva, o Estado incorreu em responsabilidade civil resultante da função legislativa e constitui-se na obrigação de prestar ao Recorrente a indemnização reclamada nestes autos.

Na sentença recorrida, entendeu-se que o Estado não incorreu em responsabilidade por omissão legislativa porquanto a referida Directiva foi transposta tempestivamente através da revogação tácita do art° 508° do Código Civil.

Segundo o recorrente, o referido entendimento não merece acolhimento, antes de mais porque a decisão impugnada viola o princípio do caso julgado formado pelo douto Acórdão do STJ de 28.5.02, onde se decidiu que o Estado Português não adaptou a sua legislação ao ordenamento comunitário.

Tomando posição sobre esta questão, o MP afirma que não lhe parece que seja possível ao recorrente invocar, e fazer valer, nestes autos o caso julgado ocorrido na acção que o opunha à Mundial Confiança já que o caso julgado só existe inter partes (art.° 498° n.°s l e 2 do CPCivil), não podendo pois a sua força estender-se ao Estado que ali não esteve para se defender. É que de outra forma, além do mais, logo seria violado o princípio do contraditório, ínsito no art° 3° n.° l do C.P.Civil.

Mais aduz o recorrido MP que a inconsistência da argumentação do recorrente relativamente a este ponto revela-se claramente na propositura da presente acção e na necessidade de apurar da responsabilidade resultante da função legislativa do Estado. É que se fosse de outra forma o que acontecia era que estava assente, por decisão transitada, a aludida responsabilidade do Estado e portanto não seria necessário argumentar quanto à sua verificação e, quiçá, nem seria necessária a presente acção, já que, por decisão transitada, se havia concluído que o Estado era responsável pois "não tinha adaptado a sua legislação ao ordenamento comunitário", sendo lógico que, por isso, devia ser condenado. Sendo certo, contudo, que tal representaria um contra-senso, pois já então havia decisões no sentido da que acabou por vencer no Acórdão uniformizador e o Estado não podia ser, e deixar de ser, responsável, como aliás o A. bem sabe, sendo apenas culpa sua o não ter feito atempadamente uso do art.° 732°-A do C.P.Civil, que o n.°2 deste dispositivo lhe permitia, pois, na altura (o Ac. da Rel. de Évora é de 4/10/2001), já existiam decisões num sentido e noutro, nomeadamente a do STJ de 1/3/2001 in RLJ Ano 134°, pag. 102, em sentido diferente da do Ac. Rei de Évora, conforme consta das notas 6 e 7 do transcrito Acórdão, e que lhe possibilitaria obter uma outra decisão.

Por essas razões, entende o recorrido MP que possa ter aqui força o caso julgado.

Quid juris? A questão levantada pelas partes, prende-se com o conceito e existência de caso julgado, pelo que se torna útil e necessário dilucidar o que se entende por caso julgado e quando se pode falar na existência de caso julgado.

Assim, por caso julgado, pode entender-se o caso julgado ou sobre o aspecto formal ou sob o aspecto material.

O caso julgado formal, segundo uns, consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, não podendo a decisão ser impugnada por essa via e, segundo outros, em despachos ou sentenças, transitados em julgado, sobre questões de natureza processual.

É consabido que o caso julgado formal ou interno, é aquele que tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o juiz...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT