Acórdão nº 02073/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelJosé Correia
Data da Resolução19 de Dezembro de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: 1.- A EXCELENTISSIMA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença da Mª Juíza do TAF de Almada que julgou procedente a impugnação deduzida por V ..., SA, contra a liquidação de imposto de selo e respectivos juros compensatórios, levada a efeito pelos SF de Setúbal, relativa ao ano fiscal de 1991, no montante global de Esc.4.696.883$00, com os sinais dos autos, veio a mesma recorrer concluindo a sustentar que: "1ª.- a questão essencial a decidir prende-se com a qualificação dos empréstimos concedidos à impugnante pelo accionista "José Jorge Valério"; 2ª.- entendeu o douto tribunal a quo, erradamente, que se tratava de suprimentos e não de mútuo; porém; 3ª.- "O contrato de suprimento regulado no art° 243 do CSC apresenta dois requisitos comuns ao contrato de mútuo - como este, é um contrato real quoad constitucionem -, e dois requisitos específicos, que lhe conferem individualidade no mundo dos contratos típicos: a qualidade dos sujeitos do empréstimo há-de ser credor o sócio e devedor a sociedade) e o carácter de permanência do crédito". -Ac. do STA, de 09/02/99, proferido no Proc° 98A1083; 4ª.- os empréstimos não obedecem (todos) ao segundo requisito (permanência do crédito), 5ª.- "Forçoso se torna, pois qualificar como Mútuo Civil previsto nos art°s 13.42° e ss. do CC, o contrato que as partes celebrem entre si e que consista no empréstimo de dinheiro ou de outra coisa fungível e implique para o mutuário a obrigação de restituição de outro tanto do mesmo género e qualidade quando se não provem os requisitos do contrato de suprimento" -_Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, em 05/04/01, no Proc° 0007732; 6ª.- Não interessa igualmente que nome deram as partes ao contrato que titula os empréstimos: "Estamos perante uma questão de qualificação Jurídica do negócio que, como é sabido, não tem de resultar do nomen júris que as partes lhe atribuíram, mas antes dos elementos que as manifestações de vontade dos intervenientes na criação e actuação da situação revelem sobre a sua real natureza."- Ac. do STA, de 20/05/2003, Proc° 03A526; 7ª. - É assim errada a decisão que julga como suprimentos todos os empréstimos que a AF tributou (bem) como mútuo; 8ª.- Deste modo, sendo evidente que os empréstimos são verdadeiros mútuos, este acto configura uma situação abrangida pela incidência do Imposto do Selo, conforme resulta da conjugação do art° 1° do Regulamento do Imposto do Selo e do art° 54° da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável entende que deve ser julgado procedente o presente recurso, por provado, revogando a sentença ora recorrida e substituindo-a por outra que julgue improcedente a impugnação.

Não houve contra -alegações.

A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento em acolhimento das razões expressas no parecer do MP da 1ª instância e que é do seguinte teor: "(...)A questão suscitada pela impugnante prende-se com a qualificação dos empréstimos concedidos à "V..., S.A." pelo accionista José...: se configuram ou não um contrato de mútuo, como entende a administração tributária, ou se configuram suprimentos, como defende a impugnante.

Segundo António Pereira da Almeida (in "Sociedades Comerciais", 2- edição, pág. 210), «o contrato de suprimento é uma modalidade especial de mútuo (art. 1142Q do C.Civ), que se caracteriza pelo carácter de permanência e pela qualidade do mutuante que é sócio da sociedade mutuária (art. 243S, nel, do CSC)». Acrescenta o mesmo autor que «os suprimentos são um instituto próprio das sociedades por quotas, que decorre da natureza das quotas e de uma mais forte relação pessoal relativamente às sociedades anónimas», motivo pelo qual tal instituto vem previsto no capitulo IV do titulo III, relativo às "sociedades por quotas".

A impugnante é uma sociedade anónima e nessa medida pode colocar-se a questão de saber se a existência de contrato de suprimentos é possível no caso das sociedades anónimas. Em sentido afirmativo decidiu o S.T.J., no seu acórdão de 14/12/94 (Cfr. C.J., ano II, tomo 3, pág. 173), que entendeu aplicar tal regime por via da analogia.

Constitui presunção de permanência a estipulação de um prazo para o reembolso superior a um ano, ou o facto de a importância mutuada ter sido deixada ao dispor da sociedade por mais de um ano, embora essas presunções possam ser ilididas, quer pelos credores da sociedade, quer pelos sócios - ngs 2, 3 e 4 do art. 243° do Código das Sociedades Comerciais.

No caso concreto resulta da factualidade apurada que no período de 21 de Março a 10 de Outubro de 1991 foram efectuados diversos empréstimos à sociedade por parte do accionista José Jorge Valério, que perfizeram o valor global de esc.474.029.100$00. Com excepção da quantia de 529.100$00, que foi reembolsada em 28/06/91, tais montantes foram reembolsados em 01/07/92. Resulta, assim, que só os empréstimos concedidos no período de 21 de Março a 28 de Junho de 1991 foram reembolsados após o decurso de um ano (o que contraria o entendimento da administração tributária que dá como reembolsados num período inferior a um ano todos os empréstimos). Todavia o facto de a lei presumir o carácter de permanência aos empréstimos com duração superior a um ano, não permite concluir que só nesse caso estamos perante suprimentos.

Com efeito, o n-1 do art. 243-' do CSC, dispõe que «considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta á sociedade dinheiro ou outra coisa fungível,..desde que, ... o crédito fique tendo carácter de permanência.».

E nos termos do nº3 do mesmo preceito legal, «é índice do carácter de permanência a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano,..».

Ora se tais presunções visam qualificar tal tipo de empréstimos como "suprimentos", de forma a permitir a sua aptidão para suprir insuficiências de capital e atento o regime específico dos mesmos (v.g., no caso de não ter sido estipulado prazo, o sócio não pode exigir o reembolso mediante simples interpelação da sociedade - art. 245° do CSC), não constituem requisitos para a qualificação de tais empréstimos como suprimentos. O carácter de permanência de que estão imbuídos os suprimentos reflecte-se no seu regime, mas nada impede que os empréstimos sejam reembolsados pela sociedade num período inferior a um ano.

E assim sendo, não há fundamento para caracterizar tal tipo de empréstimos como mútuo, até porque para a validade deste teria que ter sido observada forma mais solene e isso não ocorreu, atento o disposto no art. 1143º do Código Civil. Antes, teremos que os caracterizar como verdadeiros suprimentos.

Ora à data em que foram feitos os contratos de suprimentos não eram subsumíveis à previsão do art. 54S da Tabela Geral do Imposto de Selo, pois só com a alteração introduzida pela Lei n9 52-C/96, de 27/12 (Art.

33º da Lei nº 52-C/96, de 27/12, cujo nº3 dispunha: "3 - Os artigos 54, 101, 120-A e 141 da Tabela Geral do Imposto do Selo passam aterá seguinte redacção: «Artigo 54 - Suprimentos titulados por contrato escrito, confissão ou constituição de dívida, incluindo designadamente a inerente aos contratos de mútuo ainda que usurários, mútuos mercantis, com excepção das operações de tesouraria configurativas de empréstimos por prazo não superior a 180 dias, seguidos ou interpolados, durante 12 meses, seja qual for a sua natureza e proveniência, independentemente da forma por que tais actos jurídicos se revelam, conforme o valor - 5 (por mil) (selo de verba). ", é que tais suprimentos, e quando titulados por contrato escrito, passaram a estar sujeitos a imposto de selo - cfr. a propósito os acórdãos do TCA Sul de 27/11/2001, recurso nº 4981/01, de 18/01/2000, recurso nº 145/97, Circular nº 13/97, de 9/10/97 e ofício circulado nº 2271, de 22/12/98.

Entendemos, assim, que a liquidação padece do vício de violação de lei, que conduz à sua anulabilidade." Os autos vêm à conferência depois de recolhidos os vistos legais.

*2.- Na sentença fixou-se o seguinte probatório: Factos provados: Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados: A) A impugnante iniciou a sua actividade em 01/07/1991, por escritura pública outorgada em 29/05/1991, com o capital social de 5000 contos, a que correspondem 5000 acções, nominativas ou ao portador, reciprocamente convertíveis, de valor nominal de 1.000$00 cada uma (cfr. documento a fls 14 do processo administrativo).

B)A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção, determinada por ofício datado de 10/05/95 da Direcção de Serviços de Planeamento e Estatística da DGCI (cfr. documento a fls. 14 do processo administrativo).

  1. No âmbito da acção de inspecção mencionada na alínea anterior foi constatada a existência de uma conta corrente de empréstimos (conta n.° 25.5.01.01) entre a impugnante e o principal accionista "José Jorge Valério" (cfr. documento a fls 13 e ss do processo administrativo, em especial documento de fls 20 cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

  2. Na conta corrente mencionada na alínea anterior, consta que no período de 21/03/1991 a 10/10/1991 foram efectuados empréstimos à impugnante por parte do accionista "José Jorge Valério", no montante total de 474.029.100$00, sendo que, com excepção do montante de 529.100$00, que foi reembolsado em 28/06/91, os restantes montantes foram reembolsados em 01/07/92 (cfr. documento a fls 13 e ss do processo administrativo).

    E)A administração tributária considerou os movimentos mencionados na alínea anterior constituíam contratos de mútuo sujeitos à incidência do imposto de selo, nos termos do art. 1.° do Regulamento do Imposto de Selo e art. 54" da Tabela Geral do Imposto de Selo (cfr. documento a fls 13 e ss do processo administrativo).

    F)Na sequência da acção de inspecção, em...

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