Acórdão nº 01552/05.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução13 de Novembro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Município do Porto, inconformado, interpôs recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – em 25 de Setembro de 2007 – que julgou procedente a acção administrativa especial intentada por S…, com sinais nos autos e, em consequência, anulou o despacho do Vereador dos Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto, datado de 7 de Abril de 2005, e determinou a restituição ao Autor, ora recorrido, da quantia que pagou a título de pena de multa.

Alegou, tendo concluído do seguinte modo: 1. O Estatuto Disciplinar foi elaborado, em matéria de lei das autarquias, na vigência da Lei n.º 79/77.

  1. Esta lei conferia à câmara municipal o poder de “superintender na gestão e direcção do pessoal ao serviço do município”, entendendo-se caber nesse os poderes de “nomear, contratar ou assalariar, promover, transferir, louvar, punir, aposentar e exonerar os funcionários e assalariados municipais”.

  2. O presidente da câmara já gozava de competência disciplinar mesmo antes de ser órgão autónomo –órgão municipal-, o que resulta do n.º 4 do artigo 18.º do Estatuto Disciplinar.

  3. Hoje, de acordo com o artigo 68.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 169/99, “compete ao presidente da câmara municipal decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais”.

  4. A competência do presidente da câmara para a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais é originária e exclusiva.

  5. O presidente da câmara é o órgão executivo singular do município.

  6. O poder de aplicação de sanções disciplinares é assunto indissociável da gestão e direcção dos recursos humanos.

  7. O Estatuto Disciplinar não contraria, antes complementa, o disposto no artigo 68º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 169/99.

  8. O Estatuto Disciplinar limita-se a explicitar, mas não a atribuir competências.

  9. Norma de atribuição de competência é o artigo 68º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 169/99.

  10. A matéria disciplinar não é especial relativamente à autárquica.

  11. É, antes, uma secção do direito autárquico, tal como a matéria autárquica é uma secção do direito disciplinar.

  12. A Revisão de 1997, na nova redacção dada ao n.º 2 do artigo 243.º da CRP, esclareceu que a haver alguma especificidade ela seria sempre de cariz autárquico.

  13. O resultado normativo que dê preferência, por especial ainda que anterior, às normas do Estatuto Disciplinar face a normas autárquicas é inconstitucional.

  14. O art. 18.º do Estatuto Disciplinar no entendimento perfilhado pelo tribunal a quo, é inconstitucional por vulneração do comando da parte final do art. 243.º, n.º 2, da CRP.

  15. Uma interpretação que defenda a extensão do âmbito do Estatuto Disciplinar à atribuição e repartição de competências entre os órgãos autárquicos está, necessariamente, ferida de inconstitucionalidade.

  16. A Lei de Autorização Legislativa ao abrigo do qual foi emitido o Estatuto Disciplinar (Lei n.º 10/83, de 13 de Agosto) não habilita o Governo a legislar no âmbito da actual alínea q), do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, respeitante ao Estatuto das autarquias locais, que abarca não só a organização e as atribuições das autarquias, mas também a competência dos seus órgãos e a estrutura dos seus serviços; 18. A Lei n.º 10/83 somente confere ao Governo a possibilidade de legislar ao abrigo das actuais alíneas d) e t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.

  17. A interpretação perfilhada pela sentença recorrida equivale a aceitar que um decreto-lei autorizado (no caso, o Estatuto Disciplinar) para uma dada matéria reservada é apto a definir parte do regime jurídico respeitante a outra matéria também reservada (no caso, o Estatuto das autarquias locais), ao abrigo da qual não foi emitida qualquer lei de autorização e que a Assembleia da República entendeu ela própria regular (no caso a Lei n.º 169/99).

    Termina pedindo a revogação da sentença recorrida.

    O recorrido contra-alegou, e, pugnando pela improcedência do recurso interposto, apresentou as seguintes conclusões: 1. A Douta Sentença recorrido anulou o acto impugnado com fundamento nos vícios de incompetência e violação de lei (arts. 18.º e 51.º, n.º 2 do Estatuto Disciplinar).

  18. O recorrente, Município do Porto, nenhum reparo fez nas suas conclusões de recurso à parte decisória da sentença que anulou o acto impugnado com fundamento no vício de violação de lei, designadamente não fez qualquer referência ao art. 51, n.º 2 do Estatuto Disciplinar.

  19. O Tribunal de recurso só tem de apreciar as questões levadas às conclusões das alegações de recurso, na medida em que o objecto do recurso se limita a essas conclusões – arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.º 3 e 4 e 690.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi arts. 1.º e 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (entre outros, Ac. do TCAN de 18/10/2007, Proc. 00146/05.9BEVIS, 1.ª Secção; Ac. do STA de 26/06/2005, R. 0332/05; e Ac. STA de 11/06/1997, Rec. 39981).

  20. Cabia ao recorrente o ónus de alegar e formular conclusões indicando as normas jurídicas violadas e o sentido que, no seu entender, as normas que constituíam fundamento jurídico da decisão recorrida deviam ter sido interpretadas e aplicadas, o que não foi cumprido pelo réu relativamente ao citado art. 51.º, n.º 2 do Estatuto Disciplinar.

  21. Transitou assim em julgado a decisão recorrida na parte em que conheceu do vício de violação de lei por violação do art. 51, n.º 2 do DL 24/84, de 16 de Janeiro, que impede a renovação do acto e prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas pelo réu no presente recurso (arts. 660.º, n.º 2 e 684.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Civil).

  22. O recente Acórdão do STA de 13/02/2008, na sequência de muitos outros Acórdãos do STA e do TCAN, decidiu por unanimidade negar provimento ao Recurso de Revista Excepcional n.º 426/07 interposto pelo Município do Porto, emanando assim jurisprudência actual em sentido contrário ao defendido pelo recorrente (Revista essa a que, por ironia do destino, o recorrente se refere nas suas alegações do presente recurso).

  23. Acresce que, a tese do réu viola ostensivamente o disposto nos arts. 64.º, n.º 7, alínea d) e 90.º, n.º 3 da Lei das Autarquias Locais, bem como o disposto no art. 67.º, n.º 1 do Estatuto Disciplinar.

  24. Finalmente, a interpretação do art. 18.º, n.º 1 e 4 do DL 24/84, de 16 de Janeiro, defendida pelo réu, para além de constituir uma interpretação contra lei expressa, afigura-se materialmente inconstitucional por violação dos artigos 239.º, n.º 1 e 3 e 250.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que não deve ser sancionada pelo Tribunal.

    O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º, nº1 do CPTA, pronunciou-se, sendo de parecer que o recurso não merece provimento.

    Com dispensa de vistos vieram os autos à conferência.

    O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto que não vem impugnada pelas partes: A - O autor é funcionário da entidade demandada, com o número mecanográfico ..., exercendo funções no âmbito da categoria de técnico superior advogado síndico assessor principal – cfr. processo administrativo apenso aos autos.

    B - A Directora do Departamento Jurídico e Contencioso da Câmara Municipal do Porto dirigiu uma exposição ao respectivo Presidente nos termos constantes do processo administrativo apenso, na qual propunha que “(...) seja instaurado um processo disciplinar a cada um dos três funcionários acima indicados, tendente a apurar a sua responsabilidade disciplinar.

    Para que seja assegurada a máxima independência e a maior imparcialidade, proponho ainda que seja solicitada ao Senhor Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente a nomeação dum inspector da Inspecção-Geral da Administração do Território (IGAT), para exercer as funções de instrutor desses processos disciplinares. (...)” – cfr. fls. 50 a 52 do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por reproduzido.

    C - Na exposição referida em 2) foi exarado o seguinte despacho pelo Presidente da Câmara Municipal do Porto, em 26/03/2004: “Concordo! Solicite-se à DGAL a nomeação de um instrutor”.

    D - Por despacho de 14/04/2004, do Vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Dr. M…, foi nomeada instrutora do processo disciplinar a Dra. A… – cfr. fls. 53 e 54 do processo administrativo apenso aos autos.

    E - Por ofícios sem data, a instrutora nomeada comunicou à Directora do Departamento Jurídico e de Contencioso da Câmara Municipal do Porto, ao ora autor e ao Presidente da Câmara Municipal que a instrução do processo disciplinar teria início em 27/05/2004 – cfr. fls. 57, 59 e 61 do processo administrativo apenso aos autos.

    F - Em 25/05/2004, o autor enviou à instrutora do processo disciplinar um ofício alertando para uma série de irregularidades e nulidades e a solicitar que lhe fosse enviado o despacho do Presidente da Câmara que decide instaurar-lhe o processo disciplinar e o despacho que nomeia a instrutora do mesmo – cfr. fls. 63 e 64 do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por reproduzido.

    G - A instrutora, por ofício sem data, dirigido ao Chefe de Gabinete do Presidente da Câmara Municipal do Porto, transmitiu que a sua nomeação não foi efectuada pelo órgão executivo da Câmara Municipal como deveria, mas sim pelo Vice-Presidente da CCDRN e, como tal, a mesma carecia de legitimidade para agir como instrutora – cfr. fls. 65 e 66 do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por reproduzido.

    H - Em 14/05/2004, o Presidente da Câmara Municipal profere o seguinte despacho: “Concordo com a indicação do Sr. Vice-Presidente da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Norte, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, conjugado com a alínea a) do n.º 2 do artigo 68.º da Lei n.º 169/99, de 18/09...

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