Acórdão nº 00879/07.5BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelDulce Neto
Data da Resolução20 de Dezembro de 2007
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: Catarina de Jesus , com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo T.A.F. de Viseu que negou provimento ao recurso judicial que interpôs, ao abrigo do disposto no art. 146º-B do CPPT, da decisão proferida pelo Senhor Director Geral dos Impostos que determinou o acesso a todas as contas e documentos bancários que, em seu nome, existam nas instituições bancárias, nas sociedades financeiras ou nas instituições de crédito portuguesas.

Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1º. O tribunal recorrido não se pronunciou sobre as diligências requeridas pela recorrente no final do seu recurso, violando, pois, o disposto no art. 668º, nº 1 al. d) do CPC; 2º. Na sentença recorrida, de igual modo, não há pronúncia quanto a várias questões invocadas pela recorrente no seu recurso, nomeadamente: - o infundado da derrogação do sigilo bancário, por não se verificar a possibilidade e/ou necessidade de uma avaliação indirecta, nos termos do art. 87º e segs. da LGT, em face da (também não demonstrada pelo recorrido DGI) impossibilidade de comprovação directa da matéria tributável da recorrente; - a entrega pela recorrente ao Fisco da relação de todos os processos em que interveio ou intervém o marido daquela, relativos aos anos de 2003, 2004 e 2005 e a comprovação pelo Fisco, junto dos constituintes, da veracidade do declarado; - os “factos” e/ou “conclusões” indicados pela Administração Tributária como “justificativos” da decisão recorrida, são irrelevantes para a questão sub judice, porque não relativos aos anos de 2004 e 2005 e, portanto, inadequados e inviáveis para uma eventual avaliação indirecta, referente à matéria tributável dos mesmos (Cfr. n° 1 do art. 90° da L.G.T.); - justificação pela recorrente da razão dos prejuízos fiscais daqueles anos de 2003, 2004 e 2005 (um dos quais, o de 2003, o Fisco já conhecia); - inexistência de prova pela Administração Fiscal de “qualquer excesso, significativamente maior” da matéria tributável da recorrente em relação à declarada e relativa àqueles dois aludidos anos (2004 e 2005), que justifique a devassidão da intimidade daquela, que o legislador (constitucional e ordinário) protege, como direito fundamental.

3º. Tendo cometido, pois, a sentença recorrida, e mais uma vez, a nulidade prevista na cit. al. d) do n.º 1 do art. 668° do C.P.C.; 4º. Errou o tribunal recorrido, ao entender que a decisão administrativa do DGI sub judice não violou o disposto no n.º 4 do art. 63°-B da L.G.T. e que, portanto, não é nula, por vício de fundamentação, como a recorrente pugnava e pugna; 5º. Com efeito, o tribunal recorrido entende como válida uma fundamentação por remissão da decisão de derrogação do sigilo bancário do DGI; 6º. Porém, aquele cit. normativo legal (n.º 4 do art. 63°-B da L.G.T.) impõe que tal decisão faça uma “expressa menção” dos “motivos concretos” que a justificam; 7º. Sendo esta norma manifestamente excepcional em relação à norma inserta no art. 77°, nº 1 da L.G.T., que impõe a regra da fundamentação das decisões procedimentais aqui se permitindo, sim, a fundamentação per relationem; 8º. Tal norma excepcional (a do n.º 4 do art. 63°-B da L.G.T.), que afasta expressamente aquela fundamentação por remissão, tem a sua razão de ser na importância e a gravidade da decisão de derrogação do segredo bancário de qualquer cidadão, obrigando, pois, o decisor a assumir, pessoalmente, uma fundamentação específica, concreta e motivada; 9º. Tal interpretação, feita pelo tribunal recorrido, do cit. art. 63°-B, n.º 4 da LGT, de per si e/ou conjugado com o n.º 1 do art. 77° da mesma Lei, no sentido de ser permitido, na derrogação do segredo bancário, uma fundamentação por remissão (relationem), é inconstitucional, por violação dos arts. 2° e 26°, nºs 1 e 2, ambos da C.R.P.; 10º. Na sentença recorrida deram-se como assentes “factos” que são meras conclusões ou questões de direito (cfr. alíneas C), C6)-2ª parte, C8), C9), I) e J) da II Fundamentação, II Factos provados); 11º. E não foram dados como provados factos alegados pela recorrente e que o recorrido DGI não impugnou, nomeadamente: a) Ter a recorrente sido inspeccionada relativamente aos anos 2001, 2002 e 2003, sem que a Administração Fiscal tivesse apurado qualquer desfasamento entre a matéria tributável declarada e a efectivamente verificada; b) Já então (nessa inspecção àqueles anos) ser conhecida e verificada pela Administração Fiscal a existência e o valor dos imóveis e veículos, adquiridos, de resto, muito antes; c) Ter a recorrente fornecido ao inspector, a pedido deste, a Relação circunstanciada dos processos findos e/ou pendentes em tribunal, em que o seu marido interveio e/ou intervém, com os nomes de todos os constituintes e dos honorários recebidos, relativamente àqueles anos 2003, 2004 e 2005; d) Ter a Administração Tributária verificado, junto daqueles constituintes e, eventualmente, junto dos tribunais, a veracidade daquelas informações, nomeadamente quanto ao estado dos processos e aos honorários recebidos; 12º. A derrogação do sigilo bancário é no nosso sistema, legal e constitucional, uma medida de natureza extraordinária, configurando um procedimento especial, só justificável por circunstâncias e motivos ponderosos e excepcionais (cfr. as disposições, conjugadas, dos arts. 63°-B, n.º 3 e 88°, ambos da L.G.T.); 13º. Só podendo a Administração Tributária, derrogar aquele segredo bancário quando “se verificar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, seja pela “inexistência ou insuficiência” da “contabilidade do contribuinte”, seja pela verificação de factos “através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada (cfr., respectivamente, as alíneas a) e d) do art. 88° da L.G.T.), impossibilidade que, manifestamente, a Administração Tributária teria de demonstrar como intransponível; 14º. Precisamente, o Fisco derrogou o segredo bancário da recorrente por entender, melhor, com o fundamento na alínea a) do art. 63° - B da L.G.T., isto é, por ter entendido verificar-se a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do art. 88° da L.G.T. ou por estarem reunidos os pressupostos da avaliação indirecta da matéria tributável; 15º. No caso dos autos, em que a recorrente é sujeita passiva de IRS, só seria permitido ao Fisco lançar mão da avaliação indirecta e da eventual liquidação adicional daquele imposto, se estivesse demonstrada pela Administração Tributária a impossibilidade da comprovação e quantificação directa da matéria tributável daquela, naqueles anos de 2004 e 2005; 16º. A Administração Fiscal não fez tal demonstração, antes se escudando em meras divagações, suposições, palpites e/ou conjecturas, uns e outros arredados da realidade concreta da situação fiscal da recorrente, relativa aos anos de 2004 e 2005.

17º. Na verdade, os “factos” elencados pelo Fisco, como justificativos da decisão recorrida, não dizem respeito (nenhuns) aos anos de 2004 e 2005 (os referidos imóveis e viaturas), mas antes a 1994, 1996, 1999, 2000 e 2003...

18º. Pelo que, a derrogação do segredo bancário da recorrente teve como fundamento “factos” que são, tecnicamente, desadequados para o cálculo de qualquer liquidação adicional de IRS à recorrente, relativamente aos anos de 2004 e 2005...

19º. Tanto mais que, quanto à matéria colectável da recorrente, relativa àqueles dois anos fiscais, sempre o Fisco a teve à disposição (é funcionária pública aposentada), e no que toca à referente ao escritório do marido daquela, a Administração Tributária inspeccionou, como quis, o ano de 2003 (e não detectou anomalias...) e recebeu a relação de todos os processos pendentes/findos, relativos àqueles três anos (2003, 2004 e 2005), com alusão aos respectivos constituintes, estado dos processos e recebimento de honorários, que aquela veio a comprovar, como correspondente à verdade; 20º. O escritório do marido da recorrente, quando solicitado e esta, justificaram a razão da apresentação dos prejuízos fiscais, relativos aos mencionados anos de 2003, 2004 e 2005 (sendo que, em relação ao de 2003, a inspecção aceitou aquela justificação...); 21º. A Administração Tributária não alegou, nem demonstrou a existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor comercial de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais fosse patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada (cfr. al. d) do art. 88° da L.G.T.) e só essa alegação e demonstração lhe daria o direito de recorrer à aplicação do método indirecto (cfr. corpo do cit. art. 88° da L.G.T.).

22º. Em suma, a Administração Fiscal não identificou quaisquer factos, relativos à recorrente e referentes a 2004 e 2005, que patenteiem uma capacidade contributiva, desses anos, significativamente maior do que a declarada; 23º. De igual modo, não alegou, nem demonstrou, aquela Administração Tributária, discrepância manifesta entre o valor declarado pela recorrente, relativo àqueles dois anos de 2004 e 2005 e o valor de mercado de bens ou serviços; 24º. Não basta concluir, como o fez a Administração Tributária que “aquela capacidade contributiva é significativamente maior que a declarada”, sendo necessário alegar e demonstrar o iter lógico e valorativo que aponte, claramente, aquela capacidade significativamente maior; 25º. Por isso, houve aqui, do mesmo modo, vício de forma da decisão recorrida, por ausência daquele iter lógico e valorativo; 26º. Nunca, em suma, no caso sub judice, estiveram reunidos os requisitos/pressupostos previstos na alínea d) do art. 88° da L.G.T., para que se pudesse lançar mão à avaliação indirecta…, logo à derrogação do segredo bancário, que foi o fim último e único da Administração...

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