Acórdão nº 00700/04.6BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Outubro de 2007
Magistrado Responsável | Dr |
Data da Resolução | 04 de Outubro de 2007 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do TCAN: I- RELATÓRIO J… e mulher F…, residentes na Quinta …, Vila Nova de Famalicão, inconformados com a sentença do TAF de Braga, datada de 30.JAN.06, que, em ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, julgou improcedente a acção, oportunamente, por si instaurada contra o Município de V. N. Famalicão, em que formulou os seguintes pedidos: a) a anulação do despacho de 31.03.04, do Senhor Vereador da ré, Dr. J... P... O... (despacho); b) a condenação da ré na prática do acto devido, consistente na legalização do muro dos autores (muro), com altura de 5 metros; e c) a fixação da sanção pecuniária compulsória de 10 € por dia, ao Presidente da CMVNF, por cada dia de atraso no respectivo cumprimento.
recorreu para o TCAN, formulando as seguintes conclusões: 1 - A nossa discordância relativamente à decisão recorrida vai, em primeira linha, para a afirmação de que “As proposições contidas nas alíneas b) e c) do mesmo artº 21º (da petição inicial) inserem-se no domínio da discricionaridade técnica do réu, não tendo o tribunal competência para se pronunciar sobre a matéria, como é sabido, acrescendo não constituírem elas qualquer erro grosseiro ou evidente, sendo, antes, a manifestação de razoáveis preocupações de harmonização da paisagem – um muro de 5 metros de altura, para demarcação de um prédio, destoa necessariamente de um conjunto em que todos os outros (muros da mesma natureza) não ultrapassam os 2 metros de altura, constituindo uma agressão da estética urbanística que deve ser evitada”.
2 - As preditas alíneas b) e c) do artigo 21º da petição inicial, reportam-se à alínea c) da Informação técnica que serviu de fundamento ao despacho de indeferimento do Sr. Vereador do pelouro de Urbanismo e Habitação do Município de Vila Nova de Famalicão, de onde consta que “a altura do muro com 5 metros acarreta manifestamente um prejuízo para a estética da povoação e beleza da paisagem” e que “é uma obra desadequada do ambiente urbano onde se insere”.
3 - Estamos aqui no domínio de conceitos indeterminados.
4 - A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem considerado, por exemplo que o artº 63º, nº1, d) do DL 445/91, de 20 de Novembro, quando se reporta à estética das povoações, à inserção no ambiente urbano e à beleza da paisagem, veicula conceitos indeterminados em cuja aplicação a Administração não goza de um poder discricionário, mas vinculado, sem prejuízo de uma margem de livre apreciação, pela entidade licenciadora, na integração dos referidos conceitos indeterminados e que, encerra, sem dúvida, juízos valorativos, assentes em regras técnicas e científicas, juízos de mérito que o tribunal só poderá sindicar em caso de erro manifesto ou de uso de critério claramente inadequado - cf. Acs. 19-03-96, rec. 34 547, de 10-12-98, rec.37 572, de 11-05-99, rec.43 248, de 10-12-98, rec.37572, de 11-05-99, rec. 43 248, de 16-11-00, rec. 46 148, de 29-03-01, rec. 46 939 (cfr. Ac. STA de 17.02.2004,).
5 - Assim, não se tendo provado que a altura do muro com 5 metros de altura acarreta manifestamente um prejuízo para a estética da povoação e beleza da paisagem e que é uma obra desadequada do ambiente urbano onde se insere ( note-se que estas expressões são conclusivas, traduzem conceitos e juízos de valor, sem suporte em factos materiais, que não foram sequer alegados na fundamentação), a apreciação da entidade competente sobre a estética da povoação e beleza da paisagem e desadequação da obra ao ambiente urbano onde se insere, enferma de erro grosseiro e manifesto.
6 - Por outro lado, não configura facto notório a asserção de que “um muro de 5 metros de altura, para demarcação de um prédio, destoa necessariamente de um conjunto em que todos os outros (muros da mesma natureza) não ultrapassam os 2 metros de altura, constituindo uma agressão da estética urbanística que deve ser evitada”, mas, antes, o “quod erat demonstrandum”.
7 – Aliás, a parte da sentença recorrida, quando diz que um muro de 5,00 metros “ destoa necessariamente de um conjunto em que todos os outros ( muros da mesma natureza ) não ultrapassam os 2,00 metros de altura “ além de ser vaga e meramente conclusiva, não tem qualquer apoio na realidade existente.
8 - Na verdade, foi alegado pelos recorrentes que as construções vizinhas foram implantadas a uma cota superior ao terreno do recorrente ( cerca de 1,00 metro ) o que foi aceite pela impugnada nas suas contra alegações.
Assim, quando a sentença refere que um muro de 2,00 metros não é facilmente transponível, não corresponde à realidade de facto existente, uma vez que, do lado exterior só restaria a altura de 1,00 metro o que, como facto notório é facilmente transponível.
9 - Acresce, ainda, que o impugnado despacho violou o princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, consagrado no artigo 266º, nº1 da Lei Fundamental.
10 - Os direitos ou interesses legalmente protegidos dos recorrentes, que são postos em crise com o despacho impugnado, são o direito à segurança, o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, o direito ao sossego, consagrados na Lei Fundamental (artigos 26º, 27º, 65º e 67º CRP), que constituem emanação do direito de personalidade, que é um direito fundamental.
11 - Os direitos de personalidade são direitos absolutos, prevalecendo, por serem de espécie dominante, sobre os demais direitos, em caso de conflito.
12 - O despacho impugnado, embora possa ter como objectivo a prossecução do interesse público, não respeita simultaneamente os direitos subjectivos e os interesses legalmente protegidos dos particulares. No caso concreto, não respeita o direito constitucional relativo à segurança, à tranquilidade, o direito ao conforto e preservação da intimidade pessoal e familiar da habitação dos recorrentes.
13 - O despacho impugnado é ainda violador do princípio da justiça consagrado no nº 2 do artigo 266º da Constituição, segundo o qual «Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé».
14 - No caso vertente, o despacho impugnado, viola também o princípio da proporcionalidade, nas vertentes da indispensabilidade e do equilíbrio ou razoabilidade, na medida em que sobrepõe aos interesses legalmente protegidos dos particulares, alegados valores estéticos da povoação e da paisagem, que estão ainda por demonstrar.
15 - A decisão recorrida não poderá manter-se e deverá ser revogada.
O co-Recorrido Município de V. N. Famalicão contra-alegou, tendo pugnado pela improcedência do recurso.
O Dignº Procurador-Geral Adjunto emitiu pronúncia nesta instância no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Administrativo para julgamento do recurso.
II- QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO a) O invocado erro de julgamento da sentença ao não qualificar de erro grosseiro a apreciação constante do despacho impugnado no sentido de que a altura do muro com 5 metros de altura acarreta manifestamente um prejuízo para a estética da povoação e beleza da paisagem e que é uma obra desadequada do ambiente urbano em que se insere; b) O alegado erro de julgamento da sentença na apreciação...
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