Acórdão nº 05153/00 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelJosé Gomes Correia
Data da Resolução23 de Abril de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I- RELATÓRIO Júlio ..., id. nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho da Ministra da Saúde, datado de 28.08.2000, que negou provimento ao recurso hierárquico que havia interposto do despacho de 10.10.1997, da autoria do Inspector-Geral de Saúde que lhe aplicou a pena disciplinar de inactividade graduada em um ano.

Sustenta que o despacho recorrido padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, porque a sua conduta não consubstancia, face à ausência de culpa, qualquer infracção disciplinar; peca por falta de fundamentação e ofende o seu inalienável direito de defesa com a recusa que colheu o pedido para se realizar " nova perícia medica".

A entidade recorrida respondeu, nos termos constantes de fls. 86 a 96 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo improvimento do recurso.

Cumprido, que foi o preceituado no artigo 67º do RSTA, o recorrente apresentou as suas alegações ( cfr. fls. 89 a 96 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), oferecendo as seguintes conclusões: "1a - O despacho recorrido padece de vários vícios geradores da sua invalidada.

Desde logo, 2a - Padece de vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de facto e erro de direito.

É que, 3a - Conforme se refere no Relatório final do processo disciplinar, o recorrente é um profissional competente e meticuloso e fez no caso dos autos uma abordagem médico-cirúrgica totalmente correcta e conforme com as legis artis; 4a - O que significa que não houve, nesse momento, qualquer actuação negligente ou qualquer erro por parte do ora recorrente e da equipa que o acompanhou.

5a - Assim sendo, e dado que, conforme se admite no relatório final, a operação em causa é muito simples, seria necessário apurar qual a causa da extracção do rim direito em vez do rim esquerdo. Pois, 6a - Tal situação, atenta a anatomia do ser humano, não susceptível de acontecer excepto se houver qualquer anomalia naquela anatomia, uma vez que os rins não se movimentam de um lado para o outro nos ureteros.

7a - O recorrente apresentou, em sede de defesa, uma explicação científica para o sucedido, confirmada expressamente pelas testemunhas de defesa, conforme resulta dos respectivos autos de inquirição.

8a - Não basta para imputar ao recorrente uma conduta negligente, afirmar que não realizou todos os exames preparatórios que no caso cabiam, como se faz de forma totalmente abstracta e imprecisa na decisão recorrida. Pois, 9a - Para que se pudesse estabelecer um nexo causal entre a intervenção médica do ora recorrente e o resultado sofrido pelo doente, teria que se demonstrar: 1° que houve uma causa concreta, controlável pela vontade humana e pelos conhecimentos médico - científicos, para que o arguido tivesse retirado o rim direito em vez do rim esquerdo; 2° - que causa foi essa; 3° - que tal causa poderia e deveria ter sido diagnosticada com a realização de outros exames preparatórios, especificando quais; 4° que era possível ou clinicamente recomendado fazer no caso concreto os dois únicos exames que não foram feitos; Ora, 10a - Cabendo à autoridade recorrida, e não ao recorrente, o ónus da prova, aquela não demonstrou quaisquer daqueles elementos necessários à imputação objectiva e subjectiva da infracção disciplinar 11a - Tendo-se limitado a afirmar genericamente que o arguido/recorrente incorreu em erro grave que podia ter sido evitado se tivesse procedido à realização de outros exames preparatórios.

12a - Quando só existem mais dois exames que em abstracto podem ser feitos, e que conforme declarações das testemunhas de defesa estavam totalmente desaconselhados no caso do menor André .... Refira-se, aliás, que, 13a - Tais exames têm como objectivo detectar determinadas anomalias anatómicas do doente.

Pelo que, 14a - Admitindo a tese sustentada no acto recorrido de que, por exames posteriores, foi confirmada a inexistência de tais anomalias, então mal se compreende porque razão haveria o recorrente de ter realizado os referidos exames.

Pois, 15o- Partindo da tese sustentada pela autoridade recorrida - de que não havia qualquer anomalia congénita - mesmo que o recorrente tivesse realizado os referidos exames não teria conseguido evitar o resultado.

16a - Que tem necessariamente que ter outra explicação ou explicações que não foram sequer aventadas pela decisão recorrida, o que era pressuposto da sua imputação à acção do ora recorrente.

Pelo que, 17a - Em face de todo o exposto, é manifesto que, ao contrário do sustentado pela decisão recorrido, não há qualquer nexo de causalidade que permita imputar o resultado à não realização de mais exames preparatórios.

Sendo que, 18a - Em qualquer caso, e ainda que tal nexo de causalidade existisse nunca poderia o mesmo ser imputado a título de culpa ao recorrente pois, conforme ficou demonstrado nos autos, os referidos exames eram totalmente desaconselhados no caso, não tendo o ora recorrente violado quaisquer deveres de cuidado que ao caso coubessem.

19a - Em resumo, o acidente a que se refere o processo disciplinar que deu origem à decisão recorrida, foi totalmente alheio à vontade e conhecimentos científicos do ora recorrente - e de qualquer médico colocado na sua posição - e nunca poderia ter sido previsto pelo mesmo.

20a - Em qualquer caso, e independentemente do que ficou dito, a decisão recorrida violou os princípios da justiça e da proporcionalidade, garantidos no artigo 266°, n.° 2 da CRP e consagrados, respectivamente, nos artigos 6° e 5°/2 do Código do Procedimento Administrativo. Porquanto, não obstante se aceitar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da atipicidade das infracções disciplinares, os factos alegadamente provados no n.° 4.31 do Relatório final não integram a previsão de qualquer das alíneas do artigo 25°/2 do Estatuto Disciplinar e, além disso, não são susceptíveis de merecer idêntico ou análogo desvalor ao que está em causa naquela disposição, nem foi feita qualquer prova nesse sentido 21a - Por outro lado, a decisão recorrida apesar de ter expressamente elogiado a competência profissional do recorrente não teve tal facto em consideração na escolha da pena aplicada, conforme ordena o artigo 28° do Estatuto Disciplinar e do qual resulta que a ser aplicada uma pena disciplinar - o que apenas como mera hipótese de pondera - esta poderia ser no máximo uma pena de suspensão e nunca uma pena de inactividade. Nem ponderou as circunstâncias atenuantes especiais referidas no artigo 29° do mesmo Estatuto Disciplinar, nomeadamente a da respectiva alínea a). Pelo que, a decisão recorrida incorreu também em erro grosseiro quanto à pena aplicável.

22a O acto recorrido padece ainda de vício de violação de lei por violação dos princípios legal e constitucionalmente consagrados da presunção de inocência, da defesa do arguido e do contraditório, porquanto recusou sem qualquer fundamentação admissível a realização de nova perícia.

Pois, 23a - Não estando os factos suficientemente clarificados a realização daquela perícia seria indispensável para aferir da hipótese de explicação apresentada pelo ora recorrente e pelas suas testemunhas e da eventual existência de um nexo causal entre a omissão imputada e o resultado danoso.

24a - Não bastando, para efeitos de legalidade, invocar o argumento meramente formal de que o recorrente deveria ter requerido a perícia em fase anterior.

Até porque, 25a - Na fase anterior a referida perícia foi realizada sem que dela se desse conhecimento prévio ao recorrente, de forma a que este pudesse também designar um perito para o efeito.

Finalmente, 26a- O acto recorrido padece de vício de forma por falta de fundamentação em violação do disposto nos artigos 124° e 125° do Código do Procedimento Administrativo, porquanto a fundamentação apresentada não permite que o seu destinatário se aperceba da causa do acidente e das razões da sua imputação ao arguido, ora recorrente".

Conclui pedindo que seja anulado o despacho da Ministra da Saúde datado de 28.08.2000, que lhe aplicou a pena de inactividade graduada por um ano.

A Entidade Recorrida contra alegou, concluindo da forma que segue: "1) Por ter efectuado uma nefrectomia direita em vez duma nefrectomia esquerda foi o Recorrente punido por despacho do Inspector Geral da Saúde, de 10 de Outubro de 1997, com a pena de inactividade graduada em um ano.

2) A conduta disciplinar do Recorrente, que extraiu o único rim funcionante do menor André ... ... que, em consequência ficou em programa de diálise peritoneal contínua, por insuficiência renal terminal, desde os 4 meses de idade, aguardando transplantação renal que só aos 2 anos de idade foi concretizada, 3) É gravemente censurável e atenta gravemente contra a dignidade e prestígio do Recorrente e das funções públicas que exerce.

4) A moldura sancionatória mostra-se adequada à infracção e a pena foi graduada no mínimo (art. 25°. n°. 1 e art. 12°. n°. 5 do ED).

5) Inexistem os vícios invocados pelo Recorrente para pedir a anulação do despacho recorrido que manteve a pena aplicada pelo Inspector Geral da Saúde.

Na verdade, 6) O arguido violou o dever geral de zelo previsto no n°. 4 alínea b) e n°. 6 do art. 3°. do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Dec.-Lei n°. 24/84, de 16 de Janeiro e o dever especial previsto na alínea a) do n°. 2 do art. 22°. do Regulamento dos Hospitais, aprovado pelo Dec.-Lei n°. 48358, de 27 de Abril de 1968.

7) Como resulta da instrução do processo disciplinar, se tivessem sido cumpridos todos os passos e regras tecnicamente recomendadas para a abordagem cirúrgica por nefrectomia esquerda, se tivesse sido esgotado o estudo do doente e, sendo o arguido considerado um cirurgião competente, tecnicamente bom e extremamente meticuloso, não se poderia desvalorizar e...

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