Acórdão nº 02628/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelEUGÉNIO SEQUEIRA
Data da Resolução18 de Março de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

RECURSO JURISDICIONAL N.º 2.628/08.

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: A. O Relatório.

  1. Z........... - Construções.............................., SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa - 2.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem: A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 20 de Julho de 2007 nos autos acima referenciados que julgou os mesmos "não provados e improcedentes", recorrendo-se da mesma com fundamento em impugnação da matéria de facto e errónea aplicação do Direito.

    1. A matéria de facto dada como provada na Sentença Recorrida apresenta omissões de grande importância para a boa resolução da causa, sendo tais omissões evidenciadas pelos documentos juntos aos autos.

    2. De acordo com a prova documental produzida, deve este Alto Tribunal aditar, ao abrigo do disposto no artigo 712.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigos 749.º e 762.º do mesmo Código, todos aplicáveis por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, os seguintes pontos à matéria de facto provada: "14) Conforme resulta do relatório de inspecção, o apuramento do imposto em falta foi efectuado pelo facto dos Serviços de Inspecção terem entendido que os rendimentos a que respeita às duas facturas emitidas pela A................... consubstanciam rendimentos de capitais sujeitos a retenção na fonte por força do artigo 75.º n.º 1 alínea a) do Código do IRC em vigor à data; 15) Ainda de acordo com os Serviços de Inspecção, o accionamento da Convenção para Evitar a dupla Tributação entre Portugal e o Brasil revelar-se-ia inócuo em virtude dos rendimentos em causa não configuram prestações de serviços mas sim rendimentos provenientes da transmissão de "Know-How" e assistência técnica associada; 16) Conforme resulta da fundamentação constante do acto de indeferimento parcial da reclamação graciosa, a Administração Tributária veio posteriormente a qualificar os rendimentos em causa da A................... como provenientes de prestações de serviços técnicos, considerando os mesmos sujeitos a retenção na fonte em virtude do disposto no Parágrafo 5 do Protocolo à Convenção; 17) Conforme resulta do relatório de inspecção, a Administração Tributária considerou demonstrado que a beneficiária dos rendimentos A................... era residente fiscal no Brasil no ano de 2000, por força do formulário 12-RFI devidamente certificado pelas autoridades brasileiras em 6 de Outubro de 2004".

    3. O Tribunal a quo confundiu a questão da validade da liquidação em face dos fundamentos apresentados concomitantemente a esse acto de liquidação com a questão da falta absoluta de fundamentação.

    4. A Administração Tributária não refere uma única razão - de facto ou de direito - para qualificar os rendimentos em causa nos autos de Know-How e assistência técnica associada, o que justifica, por si só, a anulação do acto tributário.

    5. O Tribunal Tributário de Lisboa deferiu a impugnação judicial intentada pela ora Recorrente sobre este mesmo caso sub judice mas relativo ao exercício de 1996, salientando na Sentença (que se junta como documento n.º 1) que a Administração Tributária não apresentou "nenhum elemento explicativo/justificativo é avançado pela AT para tributar os rendimentos assinalados a título de royalties, para além da própria conclusão de que aqueles rendimentos são royalties.

      " G. A Administração Tributária, em sede de posterior Reclamação Graciosa, admitiu, afinal, que os rendimentos diziam respeito a prestações de serviços (embora mantendo a liquidação com o argumento de que ambas as qualificações sujeitavam os rendimentos a igual retenção na fonte), sendo esta qualificação como prestações de serviços patente pelo elenco de serviços descritos no contrato que consta da alínea 9) da matéria de facto provada e no mapa de trabalhados efectuados que consta da alínea 6).

    6. A Administração Tributária não só não fundamentou minimamente a qualificação que deu aos rendimentos, como veio posteriormente a alterar tal qualificação (de novo, sem a fundamentar devidamente).

      I. O Tribunal a quo considerou que o erro de direito da Administração Tributária era "irrelevante" e que o acto de liquidação de imposto estava devidamente fundamentado, apenas porque a correcta fundamentação levaria ao mesmo resultado final (tributação à taxa de 15%).

    7. Esta interpretação radicalmente finalista coloca em causa o direito do contribuinte à fundamentação do acto e também o seu direito de audição em momento anterior à prática do acto, já que o contribuinte só se pode pronunciar sobre o mesmo à luz dos fundamentos então apresentados.

    8. Conforme jurisprudência pacífica, a validade de um acto de liquidação deve aferir-se exclusivamente em relação às razões que a AT externou como seu fundamento, não podendo considerar-se os fundamentos que só ulteriormente à prática do acto foram invocados como seu motivo", pelo que, tendo em conta as razões que a Administração Tributária externou como fundamento do acto de liquidação, esse acto é manifestamente inválido.

      L. A Administração Tributária deveria ter anulado ex officio a liquidação adicional ora em causa e, caso assim entendesse, efectuado nova liquidação, aplicando correctamente a norma de incidência e contendo uma correcta fundamentação.

    9. O erro na qualificação dos rendimentos aqui em causa não é, sequer, uma questão de pormenor, já que os rendimentos auferidos por não residentes pela da transferência de know-how configuram rendimentos de capitais (categoria E), enquanto que os rendimentos de prestações de serviços configuram rendimentos da categoria B.

    10. A Sentença Recorrida levanta a questão do formulário 12-RFI junto aos autos respeitar ao ano de 2001 e não ao ano de 2000, esquecendo que os próprios Serviços de Inspecção expressamente referiram que o formulário em causa era apto a demonstrar a residência fiscal da beneficiária dos rendimentos no caso sub judice.

    11. Não obstante, e tendo a ora Recorrente sido surpreendida por um novo argumento, que não constava sequer da fundamentação do acto de liquidação e que contradiz o facto aceite pela Administração Tributária, a ora Recorrente protesta juntar como documento n.º 2 um novo formulário 21-RFI, que entrou em vigora Fevereiro de 2008, por força do Despacho n.º 4743-A/2008, de 21 de Fevereiro, e que veio permitir a certificação de residência para anos transactos.

    12. O Tribunal a quo resolveu a questão nos autos pela aplicação apressada do disposto no Parágrafo 5 do Protocolo à Convenção, referindo que quer estejam em causa rendimentos de Know-how, quer estejam em causa rendimentos de prestações de serviços técnicos, os mesmos estão sujeitos a retenção na fonte á mesma taxa.

    13. A definição do conceito de "serviços técnicos" que consta do Parágrafo 5 da Convenção não pode ser a definição doutrinária e jurisprudencial criada para distinguir Know-how de prestações de serviços técnicos.

    14. Isto porque, se definirmos "serviço técnico" como o serviço onde se aplica conhecimentos técnicos (por oposição ao conceito de Know-how como o serviço onde se transfere conhecimentos), todos e quaisquer serviços seriam equiparados a royalties por força do Parágrafo 5 da Convenção, uma vez que toda a prestação de serviços tem uma componente técnica.

    15. A única Convenção celebrada por Portugal que faz referência a "serviços técnicos" é, precisamente, a Convenção entre Portugal e o Brasil, sendo que praticamente todas as Convenções celebradas pelo Brasil contêm esta cláusula (incluída nos respectivos Protocolos e espelhada na posição expressa pelo Brasil no capítulo das Posições dos Países Não-Membros sobre o Modelo de Convenção Fiscal da OCDE).

    16. Nos termos do n.º 2 do artigo 3.º da Convenção, qualquer termo ou expressão que nela não se encontre definido na própria Convenção terá, a não ser que o contexto exija interpretação diferente, o significado que lhe for atribuído nesse momento pela legislação desse Estado que regula os impostos a que a Convenção se aplica.

    17. Ora, acontece tão simplesmente que a legislação fiscal portuguesa pura e simplesmente não contém qualquer definição de "serviços técnicos", ao contrário da legislação brasileira que contém a definição de "serviços técnicos".

      V. De acordo com a legislação brasileira, o conceito de "serviços técnicos" para efeitos de aplicação de uma Convenção tem necessariamente carácter acessório relativamente aos contratos em que há transferência de tecnologia, não abrangendo os contratos em que o objecto principal seja a prestação de serviços, ainda que de conteúdo técnico, uma vez que a remuneração deve ser sempre entendida em sentido complementar aos contratos.

    18. Uma vez que a legislação portuguesa não contém qualquer definição de "serviços técnicos", o intérprete terá de utilizar a definição de consta da legislação brasileira, conforme ensina o Professor Alberto Xavier.

      X. Os serviços prestados pela A................... à ora Recorrente não constituem "serviços técnicos com transferência de tecnologia", não sendo assim equiparáveis a royalties nos termos dos Protocolos das Convenções celebradas pelo Brasil.

      V. Resulta do exposto que a aplicação da Convenção não permite a tributação na fonte dos rendimentos em causa, razão pela qual deve o acto de liquidação ser anulado.

      Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser anulada a Sentença Recorrida e a liquidação impugnada, nos termos da p.i.

      Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

      A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT