Acórdão nº 02612/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelJosé Gomes Correia
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, no 2º Juízo da 1ª Secção (Contencioso Administrativo) do Tribunal Central Administrativo Sul.

1 - RELATÓRIO Arlete ..., intentou no TAF de Sintra, acção administrativa especial, contra o Ministério da Justiça, pedindo a título principal a declaração de nulidade do despacho da Ministra da Justiça, datado de 30.03.2004, tornado público pelo aviso n.º 4994/2004, publicado no DR n.º93, II Série, de 20.04.2004, que autorizou e homologou a abertura de concurso para atribuição de licenças de instalação de cartório notarial, ao abrigo do regime contido no DL n.º 26/2004, de 04.02, (ESTATUTO DO NOTARIADO, EN), e a título subsidiário, na hipótese de se qualificarem as normas estatutárias como materialmente legislativas, que seja declarada a nulidade do mesmo acto administrativo, por dar execução a normas legislativas inconstitucionais.

Por saneador/ sentença, de 31.01.2007, o Mmº Juiz " a quo" julgou procedentes as excepções dilatórias de incompetência territorial e de inimpugnabilidade" e "absolveu a entidade demandada e os contra-interessados da instância".

É desta decisão que vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cuja alegação a recorrente formula as seguintes conclusões: "1.

Depreende-se da decisão recorrida que a inimpugnabilidade do acto foi fundamentada na consideração de que não foram invocados vícios próprios do acto, mas apenas vícios do acto legislativo que executou, e de que este, dada a sua natureza, não pode ser objecto de fiscalização abstracta de inconstitucionalidade pelos Tribunais Administrativos, mas tão somente pelo Tribunal Constitucional, sendo pois um objecto fora dos poderes de cognição daqueles.

  1. Tal decisão viola frontalmente o direito constitucionalmente consagrado à tutela judicial efectiva.

  2. Na verdade, constitui uma vinculação constitucional dos tribunais nacionais, de qualquer ordem, a não aplicação de normas que violam a Lei Fundamental, como resulta do artigo 204. ° da CRP, o que foi requerido pela recorrente.

  3. As normas jurídicas em matéria administrativa não produzem efeitos na esfera jurídica da recorrente, carecendo, para ser impugnadas contenciosamente da mediação de um acto administrativo, como o impugnado nos presentes autos.

  4. O acto impugnado no presente processo vem dar execução a normas legais contidas no Estatuto do Notariado e não a actos administrativos anteriores, pelo que é inaplicável o regime previsto no artigo 151 ° do CPA, invocado no despacho saneador/sentença.

  5. O acto impugnado, ao contrário do que se julgou no saneador/sentença, caracteriza-se pela sua lesividade, não é meramente preparatório, mas destacável, não teve como destinatários outros órgãos da administração pública e não esgotou os seus efeitos nas relações intra-subjectivas ou inter-orgânicas, pelo que tem, pois, eficácia externa.

  6. São impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.

  7. Eficácia externa é a produção de efeitos na esfera jurídica das pessoas singulares, dos cidadãos (ou das pessoas colectivas de direito público ou privado).

  8. O artigo 51.°, n.° 1, do CPTA não impõe uma lesão efectiva, admitindo, para a impugnação judicial, a susceptibilidade, a possível lesão, a aptidão dos actos para lesarem esses direitos ou interesses.

  9. São impugnáveis esses referidos actos mesmo que inseridos num procedimento administrativo em decurso, isto é, quando ainda não haja acto definitivo horizontalmente, ou quando ainda não haja resolução final do procedimento administrativo, da relação jurídica estabelecida entre os cidadãos e a administração.

  10. Nos presentes autos, impugna-se um acto de abertura de concurso, inserido num procedimento cujo fim - ou seja, a atribuição de licenças de instalação de cartório notarial -- será necessariamente lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos da recorrente, nos termos descritos na p. i..

  11. Ao julgar-se não lesivo, logo inimpugnável. o acto impugnado pela recorrente e declarando-se a incompetência material do TAF Sintra, violou-se no saneador/sentença recorrido o disposto nos artigos 2°, n.° 1, e 51.°, n.° 1, do CPTA, nos artigos 1°, n°s 1 e 2, e 4°, n° 2, a) do ETAF e nos artigos 204° e 268.°, n.°4, da CRP, directamente aplicáveis.

  12. Termos em que, com o douto suprimento, deve ser revogado o saneador/sentença referido, declarando-se o acto impugnado verdadeiramente impugnável e ordenar-se o prosseguimento dos autos para as fases ulteriores do processo, nos termos legais." A entidade recorrida, apresentou contra-alegações, onde enunciou as seguintes conclusões: "1) Quer o acórdão proferido pelo STA no proc. n.º 1257/04.3BEPRT (reenvio prejudicial), quer o prolatado no proc. n.° 493/04 (acção administrativa especial que correu termos na 1.a Secção - 2.a Subsecção do STA) concluíram que: " - as referidas disposições transitórias do E.N. respeitante aos notários existentes à data da sua entrada em vigor não consubstanciam actos administrativos, mas sim actos normativos, e, de entre as duas categorias de actos normativos - actos legislativos e actos regulamentares -, consideram-se tratar-se de actos legislativos."; 2) Nos termos dos comandos jurídicos aplicáveis - art.°e 4.°/2/a) do ETAF e 72.°/1 do CPTA - a jurisdição administrativa é incompetente para apreciar litígios que tenham por objecto normas legislativas: 3) O acto impugnado - despacho da Ministra da Justiça que autorizou e homologou a abertura do concurso para atribuição de licenças de instalação de cartório notarial, proferido em 30 de Março de 2004 e tornado público pelo Aviso n.° 4994/2004, Dr, II Série, de 20 de Abril de 2004 -não reveste as características de impugnabilidade enunciadas no art.° 51.° do CPTA; 4) O acto impugnado resume-se a ser um acto de execução das normas do regime transitório do Estatuto do Notariado, normas estas que assumem a natureza de actos legislativos; 5) O acto impugnado inscreve-se num procedimento administrativo complexo, formado por diversas fases; 6) O processo de atribuição de licença e transformação do notariado pressupõe a tomada de uma série de actos, de diferente natureza, que culmina na atribuição de licença de instalação de cartório notarial; 7) Até que tal se verifique não se pode, nem se deve, falar de qualquer situação consolidada do ponto de vista jurídico, e não só; 8) O acto impugnado deve ser perspectivado como acto interno, enquadrando-se no âmbito das relações inter-orgânicas pelo que, consequentemente, apenas indirectamente se poderá reflectir no ordenamento jurídico geral; 9) O acto impugnado, como mero acto trâmite, preparatório e instrumental que é, limita-se a autorizar e a homologar a abertura do concurso, não sendo legítimo fazer-se de mesmo qualquer outra leitura de cariz mais abrangente; 10) O despacho ministerial impugnado é, sem aporias, um acto inimpugnável.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o despacho saneador/sentença recorrido." O Exmº Magistrado do Ministério Público pronunciou-se, ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, no sentido do provimento do recurso, com fundamento em que «O recorrente, com efeito, entre o muito que escreveu, requereu a anulação do acto de abertura do concurso, maxime, a sua nulidade por, na representação que dele faz, o considerar lesivo e imputou-lhe os vícios que decorrem do acto à sombra do qual foi praticado, isto é, o acto legislativo identificado na petição e no julgado.

Deste modo, acompanhando o recorrente, diremos que o Tribunal recorrido, de acordo com o disposto nos art. 212 n.° 3, art. 4° do ETAF e art. 46 do CPTA dispõe de competência para conhecer da presente acção que encerra um litígio entre a Administração e um particular».

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir.

*2. DA FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DOS FACTOS A decisão recorrida deu por assente a seguinte factualidade: "A.

A Autora é notária do Cartório Notarial de Mafra, sendo funcionária dos serviços externos da Direcção-Geral de Registos e Notariado, serviço do Estado integrado no Ministério da Justiça (cfr. doc. n.°2 junto com a p.i. e Lei Orgânica dos Registos e do Notariado).

B.

Pelo DL n.° 26/2004, de 04/02, foi aprovado o Estatuto do Notariado (E.N.) no uso de autorização legislativa concedida pela Lei n.° 49/2003, de 22/08 (cfr. docs. que integram o processo administrativo - PA - apenso aos autos de P.° Cautelar n.° 999/04.SBESNT).

C.

Pelo Aviso n.° 4994/2004 (2.a...

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