Acórdão nº 08125/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelFREDERICO BRANCO
Data da Resolução19 de Junho de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I Relatório O Ministério das Finanças e da Administração Pública, devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, inconformado com a Sentença proferida em 3 de Junho de 2010, no qual foi condenado a pagar ao Município de Lagoa 220.471,00€, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, relativos às transferências da participação nas receitas do IRS, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, proferida em primeira instância no TAF de Ponta Delgada.

Formula o aqui Recorrente/Ministério nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões: “I. Nos presentes autos, o Tribunal a quo condenou o R. Ministério das Finanças e da Administração pública a pagar ao Recorrido Município da Lagoa, inserido na Região Autónoma dos Açores, o montante de € 220.471,00 Euros, acrescidos de juros de mora à taxa legal anual de 4% desde ia data em que deveria ter ocorrido cada uma das transferências parcelares, referentes aos meses de Março a Dezembro de 2009 (último dia útil do mês seguinte ao do respetivo apuramento) até integral pagamento.

II. Verba essa alegadamente devida ao Recorrido nos termos do mapa XIX anexo à Lei nº 64-A/2008, a titulo de participação variável de 5% no IRS pago pelos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial.

III. O Recorrido Município da Lagoa insere-se na Região Autónoma dos Açores, o que impõe a necessidade de compatibilizar e coordenar o sistema legal de receitas a que as Regiões Autónomas têm direito relativamente ao IRS previsto na Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de Fevereiro), com o sistema legal de receitas relativo à participação variável das Autarquias Locais nas receitas do IRS, previsto nos arts. 19º, nº 1, aI. c) e 20º da Lei das Finanças locais (lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro).

IV. Com efeito, esses dois sistemas sobrepõem-se no que tange às receitas derivadas do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

V. Nos termos do art. 59, nº 1 da LFL, as finanças dos municípios devem ser coordenadas com as finanças do Estado, tendo especialmente em conta o desenvolvimento equilibrado de todo o país e a necessidade de atingir os objetivos e metas orçamentais traçados no âmbito das políticas de convergência a que Portugal se obrigou no seio da União Europeia.

VI. Para além das receitas previstas nos arts. 10º e 14º da LFL, as Autarquias locais têm ainda direito a participar nos recursos públicos, nos termos e segundo os critérios definidos naquela lei, com vista ao respetivo equilíbrio financeiro vertical e horizontal, o que se realiza através das três formas de participação previstas no artº 19º, nº 1 da LFL VII. Uma dessas formas é através da participação variável de (até) 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respetiva circunscrição territorial, prevista na al. c) do nº 1 do artº 19º e regulada no artº 20º da LFL VIII. Essa regulação visa apenas os municípios do Continente.

IX. Já que as especificidades dos municípios localizados nas Regiões Autónomas, bem como a necessidade de tornar o sistema mais eficiente e ajustado àquela realidade própria, justificaram a necessidade de adaptação dos preceitos contidos na LFL àqueles municípios.

IX. Essa adaptação é efetuada nos termos do art. 63º da LFL, que preceitua que a "transferência de competências para os municípios das Regiões Autónomas bem como o seu financiamento, designadamente mediante o ajustamento do montante e critérios de repartição do FSM, efetuam-se nos termos a prever em decreto-legislativo da respetiva assembleia legislativa." (nº 2 do citado artigo).

XI, Podendo ainda as assembleias legislativas regionais definir as formas de cooperação técnica e financeira entre as Regiões e as respetivas autarquias locais, a fim de tornar o sistema mais eficiente e ajustado às especificidades das Regiões Autónomas e das autarquias regionais [art. 63º, nº 4).

XII. Com esse objetivo e no que toca especificamente à participação nas receitas do IRS, prevê-se que a aplicação do disposto na aI. c) do nº 1 do art. 19º e no art, 20º da LFL às Regiões Autónomas se efetua mediante decreto-legislativo regional (art, 63º, nº 3).

XIII. A Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de Fevereiro (LFRA) visa, entre outros aspetos, a regulação das relações financeiras entre as Regiões Autónomas e as autarquias locais nelas sedeadas (art. 2º).

XIV. O Estado e as Regiões Autónomas estão vinculados ao princípio da solidariedade nacional (art. 7º), segundo o qual as últimas devem contribuir para o desenvolvimento equilibrado do país e para o cumprimento dos objetivos de política económica a que o primeiro esteja adstrito, e o Estado, por seu turno, deve, designadamente, assegurar as transferências do Orçamento de Estado previstas nos arts. 37º e 38º da LFRA.

XV. As receitas do IRS devido ou retido nos termos do disposto no art, 16º da LFRA, constituem receita de cada Região Autónoma.

XVI. Ao abrigo do regime da autonomia politico-financeira, cabe às Regiões Autónomas afetar as respetivas receitas às suas despesas (art. 227º, nº 1, al. j) da CRP).

XVII. Aplicando literalmente e sem qualquer preocupação de coordenação os preceitos contidos na LFL e na LFRA, no que concerne às receitas do IRS devido/retido, o Estado acabaria por transferir para cada Região a totalidade do IRS nela cobrado (art. 16º da LFRA) e uma participação variável de 5% no IRS cobrado na mesma Região [arts. 19º, nº 1, al, c) e 20º da LFL), o que se traduziria numa transferência total de 105%, relativamente ao IRS.

XVIII. Em comparação, aos municípios sedeados no Continente caberá apenas o direito a uma participação variável de (até) 5% no IRS cobrado na respetiva circunscrição autárquica.

XIX. Com a necessária diminuição do montante global (nacional) das receitas do IRS a que o Estado tem direito, sem qualquer correspondência com a área territorial onde o imposto é gerado, ou seja, de forma manifestamente contrária à prevista na LFL.

XX. O que, ao invés de assegurar o equilíbrio (a igualdade e a solidariedade) entre todas as partes, geraria um desequilíbrio a favor das RA e dos seus municípios e em desfavor do Estado e dos municípios do Continente.

XXI. Tal traduz-se numa situação de desigualdade injustificada/injustificável entre os municípios integrados num todo nacional.

XXII. Consubstanciando, uma manifesta violação do princípio da igualdade, na sua vertente territorial [art. 13º, nº 2 da CRP).

XXIII. Apesar de o regime das finanças locais dever contribuir, designadamente, para a promoção do desenvolvimento económico e para o bem-estar social das populações respetivas (art, 6º, nº 1 da LFL), e para a necessária correção das desigualdades entre autarquias do mesmo grau, resultantes, v.g., de diferentes capacidades na arrecadação de receitas ou de diferentes necessidades de despesa (arts. 238º, nº 2 da CRP e 7º, nº 3 da LFL), tal não justifica que os municípios sitos na Região Autónoma dos Açores (tal como os sitos na Região Autónoma da Madeira) possam ser beneficiados extraordinariamente relativamente aos municípios do Continente, sendo-lhes entregue 100% de todo o IRS pago pelos residentes na região e, ainda, mais 5% do IRS cobrado na mesma.

XXIV. Tal situação implica um tratamento desigual relativamente aos municípios sitos no Continente, desproporcionalmente desfavorável para os residentes/domiciliados fiscais respetivos e, em contrapartida, traduzindo-se num benefício desproporcional para os residentes/domiciliados nos municípios sitos na RA dos Açores, sem que esteja demonstrada qualquer necessidade extraordinária que fundamente tal desigualdade.

XXV. Deste modo, a solução, prevista na lei, de o Estado transferir para as regiões a totalidade (100%) da receita global do IRS e de serem depois as RA a aplicar, mediante decreto-legislativo regional, a participação de até 5% dos municípios regionais nas receitas do IRS geradas nas suas circunscrições territoriais, é a que melhor salvaguarda a eficiência do sistema de receitas, permitindo às Regiões que adotem as melhores formas de cooperação técnica e financeira entre elas e os municípios regionais.

XXVI. Solução essa que não traduz sequer um abdicar pelo Estado das suas competências (reserva de lei) em matéria tributária, nem uma invasão inaceitável da esfera de competência legislativa prevista na CRP, pois a LFL é clara ao estabelecer que a aplicação da...

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