Acórdão nº 10823/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução19 de Junho de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: I. RELATÓRIO · ABDULAI ………., ALEXANDRA ………., e OUTROS, intentaram processo urgente de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias contra · ORDEM DOS ADVOGADOS.

Pediram ao tribunal da 1ª instância (T.A.C. de Lisboa) o seguinte: «Omissis» * Por sentença de 5-09-2013, o referido tribunal decidiu absolver a demandada dos pedidos.

* Inconformados, os autores recorrem para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1. A sentença padece de inúmeros vícios, os quais devem ser supridos, antes de ser apreciado o mérito dos autos; 2. Em primeiro lugar, a sentença não identifica a Ré como parte, violando o disposto no art.° 94.°, n.° 1 do CPTA, pelo que deve tal erro material ser suprido nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 667.° do CPC, aplicável ex vi do art.° 1.° do CPTA; 3. Em segundo lugar, o processo padece de uma série de nulidades processuais, umas sanáveis, outras com capacidade de influir na decisão de mérito, designadamente por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 668.°, n.° 1, al. d) do CPC; 4. Com efeito, a Ré suscitou a questão, a fls. 938 do SITAF, do justo impedimento na apresentação da sua contestação, que o Tribunal não apreciou, como impõe o art.° 166.°, n.° 2, do CPC; 5. A extemporaneidade da apresentação da contestação é de conhecimento oficioso, ainda que tal não implique, no caso dos autos, a confissão dos factos alegados pelos Autores, deixando ao Tribunal a livre apreciação da conduta da entidade requerida; 6. Tal questão pode, pois, influir no exame e decisão sobre o mérito da causa; 7. Por outro lado, os Autores haviam requerido a junção dos processos instrutores – os de inscrição inicial dos Autores na OA – bem como uma lista dos estagiários inscritos que realizaram os exames finais da fase de formação inicial e dos alunos inscritos que não foram admitidos àqueles exames por falta de pagamento dos emolumentos previstos na Deliberação n.° 855/2011, de 11 de Março; 8. Porém, o Tribunal a quo também omitiu pronúncia quanto à produção destes meios de prova, o que constitui uma nulidade capaz de influir no exame e apreciação do mérito da causa; 9. Deve, pois, ser tomada posição quanto às questões sobre as quais o Tribunal a quo não se pronunciou, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 149.° do CPTA, ordenando-se, sendo caso disso, a abertura de um momento de produção de prova, ao abrigo do n.° 2 daquele preceito; 10. Por fim, a sentença recorrida padece de diversos erros de julgamento, quer quanto à matéria de facto quer quanto à aplicação do direito; 11. Com efeito, o Tribunal a quo teria de considerar assentes os factos referidos em 13 supra; 12. Não o tendo feito incorreu em erro de julgamento, pelo que a respectiva decisão terá de ser revogada e substituída por outra que os considere provados; 13. Por outro lado, a decisão recorrida considerou provado o facto identificado pelo número 7 de forma absolutamente infundada, na medida em que a Ré não o havia alegado, o respectivo conteúdo corresponde a uma mero estudo de encargos e o teor do mesmo limita-se ao Conselho Distrital de Lisboa, não permitindo qualquer extrapolação para os demais Conselhos Distritais da OA; 14. Tal documento é, pois, inútil na apreciação dos presentes autos; 15. Quanto à aplicação do Direito aos factos assentes, verifica-se que também nesta matéria o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento; 16. Com efeito, incorreu o Tribunal a quo em erro quando deixou de conhecer os pedidos identificados na sentença pelas alíneas c) e f), uma vez que o Acórdão n.° 89/2012, de 15.02.2012, proferido pelo Tribunal Constitucional apenas declarou inconstitucionais, com força obrigatório geral e com relevo para os autos, o art.° 24.°, n.° 3 e 4.° do RNE, com os fundamentos que se dão por reproduzidos; 17. Ficou, pois, por apreciar, por não ter sido suscitada, a inconstitucionalidade do art.° 22.° e 24.°, n.° 1 do RNE, quanto à eliminação da “fase de recurso” dos testes que compõem o exame de aferição; 18. Deve, pois, o Tribunal ad quem apreciar, ao abrigo do disposto no art.° 149.° do CPTA, os pedidos formulados no que respeita à suspensão da eficácia de tais normas e à condenação da OA a admitir que os autores repitam, por uma única vez, os testes escritos em caso de reprovação, sem que para o efeito tenham se de reinscrever na fase inicial do estágio; 19. Por último, incorreu em erro de julgamento o Tribunal a quo ao considerar infundados, de facto e de direito, os demais pedidos formulados pelos autores; 20. Em primeiro ligar, quanto à fundamentação de facto, porque os Recorrentes alegaram os factos suficiente para a procedência do pedido, uma vez que não lhes competia a alegação de factos específicos que justificassem ser excessivo e desproporcionado os valores dos emolumentos fixados; 21. As deliberações do Conselho Geral da O.A., com as respectivas motivações, são auto-explicativas, pelo que dispensam a indagação de outros factos, e aliadas a facto notórios e juízos de senso comum, permitem a conclusão pelas ilegalidades e inconstitucionalidades apontadas na PI; 22. Com efeito, o Tribunal a quo parece olvidar as circunstâncias e os momentos em que cada uma das deliberações é tomada; 23. Com efeito, a Deliberação n.° 2597/2009, de 11 de Setembro, que fixou os emolumentos totais do estágio em € 250,00, já teve em consideração a alteração do modelo e estrutura do estágio que seria aprovada ainda nesse ano – o novo RNE – e justificou-se com a necessidade de que o estágio fosse tendencialmente gratuito, visando assegurar que as condições económicas não seriam um entrave ao acesso à profissão; 24. Porém, tal Tabela de Emolumentos e Preços vigorou apenas para o 1.° curso de estágio de 2011, no que respeita à taxa de inscrição; 25. Com efeito, a Deliberação n.° 855/2011, de 11 de Março, que lhes foi aplicada, funda-se apenas no facto de ter sido declarado inconstitucional o art.° 9.°-A do RNE, que instituía o exame nacional de acesso ao estágio; 26. Assim, tendo a O.A. ficado impedida de restringir o acesso à profissão por via da imposição de um exame nacional de acesso ao estágio, visou contornar tal efeito alterando de tal forma desmesurada e desproporcional, o valor dos emolumentos devidos pelo estágio, sem que, a essa nova alteração, correspondesse qualquer alteração da estrutura do mesmo; 27. Por outro lado, os recorrentes questionaram outras normas do RNE, contrariamente ao referido pelo Tribunal a quo para justificar a sua decisão, na medida em que entenderam que as mesmas constituem um entrave, desproporcional e ilícito, ao acesso à profissão que escolheram exercer; 28. Os Recorrentes alegaram factos que decorrem das próprias deliberações e normas regulamentares, pelo que além de existirem factos notórios e de senso comum, que fundamentam o seu pedido; 29. Nem competia aos recorrentes, mas antes à O.A., justificar o valor dos emolumentos fixados, devendo tal justificação fundamentar a respectiva norma regulamentar; 30. Quanto à retroactividade dos emolumentos fixados, dúvidas não existem de que os estagiários já tinham todos procedido à sua inscrição inicial, quando a Tabela de Emolumentos e Preços foi alterada, o que constitui uma violação das legítimas expectativas criadas e de defraudar da confiança nas normas vigentes; 31. Por todo o exposto, dúvidas não restam nos presentes autos que o alegado pelos Recorrentes na sua PI, cujo teor se dá por reproduzido quanto à alegação de direito, tem de proceder; 32. Com efeito, os emolumentos fixados extravasam os limites do disposto no art.° 18.°, n.° 2 da CRP, restringindo-se, efectivamente, o direito de livre escolha da profissão, pelo que os pontos 2.1.1 e 2.1.2 da Tabela de Emolumentos e Preços padecem de inconstitucionalidade, porquanto restringem um direito fundamental, sem que revistam a forma de lei material, atento o disposto no art.° 18.°, n.° 2 e no art.° 165.°, n.° 1, al. b), ambos da CRP; 33. Mais, a restrição criada é de índole economicista, o que significa que, objectivamente, se elege a situação económico-financeira de cada candidato como condição de acesso à profissão de advogado, o que é, naturalmente, violador do princípio da igualdade e do disposto no próprio art.° 18.°, n.° 2 da CRP; 34. Tal restrição é igualmente violadora do princípio da proporcionalidade em matéria de restrição de direitos, liberdades e garantias, não justificado pelo acautelamento de qualquer direito ou interesse tutelado constitucionalmente, não respeita o princípio da proporcionalidade, face ao disposto no art.° 18.°, n.° 2 da CRP, pois não se revela idónea à prossecução do fim de boa administração da justiça, não respeita o princípio da não retroactividade previsto no art.° 18.°, n.° 3 da CRP e constitui violação do disposto no art.° 47.° da Constituição.

* A recorrida contra-alegou, concluindo: «Omissis» * O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

Teremos presente o seguinte: (i) o primado do Estado democrático e social de Direito material, num contexto de uma vida económica que serve a dignidade humana e o bem comum; (ii) os princípios jurídicos fundamentais, morais ou sobre-princípios vigentes; (iii) o tipo de sociedade plural reflectido na nossa Constituição (estatuto jurídico fundamental da concreta comunidade de pessoas, com igual dignidade e socialmente organizadas, que compõem o Estado) e nos vários catálogos de direitos fundamentais, incluindo sobretudo a C.D.F./U.E., e ainda (iv) o primado do direito da U.E. como definido pelos juizes do TJUE.

* II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido «Omissis» * Pelo que veremos infra, ADITA-SE a seguinte factualidade...

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