Acórdão nº 08069/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Abril de 2014
Magistrado Responsável | ANA CELESTE CARVALHO |
Data da Resolução | 02 de Abril de 2014 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.
RELATÓRIO Maria ………….
, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 17/03/2011 que, no âmbito da acção administrativa especial instaurada contra o Município de Lisboa, julgou a acção improcedente, absolvendo a entidade demandada do pedido, relativo ao pedido de declaração de nulidade ou anulação do acto que procede à cobrança coerciva da quantia de € 64.368,56, correspondente ao custo com a realização de obra coerciva realizada pelo Município de Lisboa, no prédio sito na Rua ……….., nº 43, em Lisboa.
Formula o aqui Recorrente nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. Nas alegações oportunamente apresentadas, a ora Recorrente ampliou o pedido ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas do nº 1, do artº 64º e nº 6 do artº 91º, ambas do CPTA; 2. A sentença recorrida, admitindo como foi o caso, a ocorrência de um invocado “estado de necessidade”, deveria ter-se pronunciado sobre o pedido subsidiário formulado pela Autora; 3. Não o tendo feito, incorre a sentença na nulidade prevista na al. d), do artº 668° do Cód. Proc. Civil, aplicável “ex vi” do artº 1º do CPTA; 4. Ainda que não fosse nula, sempre teria a sentença “sub judice” de ser revogada.
Na verdade, 5. A Recorrente não foi notificada da vistoria, nem da tomada de posse administrativa, não se justificando a notificação por edital e anúncio no boletim municipal uma vez que a sua morada era perfeitamente conhecida do R. como resulta do doc. n° 5 junto à Contestação, documento esse de data anterior à afixação do edital e publicação do anúncio: 6. A conclusão anterior, não pode ser afastada pela invocação do “estado de necessidade”, pois que este não ocorre “in casu”.
Com efeito, 7. O conflito entre os interesses - particulares e públicos - em presença encontra-se legalmente previsto e, por outro lado, é manifesto o contributo do Recorrido para a eclosão da situação.
8. A demolição do prédio da Recorrente foi levada a cabo pelo ora Recorrido, sem que tivesse sido proferido despacho ordenando aquela demolição.
Efectivamente, 9. Dos pontos 4) e 5) dos “Factos Provados” resulta que apenas a “posse administrativa” foi abrangida pelo despacho de concordância prolatado pela Vereadora …………. em 15.7.2003; De resto, 10. O estado de necessidade apenas foi invocado para legitimar a posse administrativa do prédio, nomeadamente no Parecer sobre que incidiu o sobredito despacho.
Em todo o caso, 11. Sempre tal despacho - a existir - teria de ser precedido de deliberação da Câmara, o que se não verifica; 12. O acto de demolição, não precedido da deliberação e, também, de despacho, é nulo (al. f), do n° 2, do artº 133° do CPA); 13. A nulidade deste acto, irreversivelmente determina a nulidade dos actos consequentes, designadamente do acto impugnado; 14. Ainda que não ocorresse a nulidade, sempre teria o acto atacado de ser revogado, uma vez que a factura apresentada à Recorrente se mostra totalmente desconforme com a normalidade em matéria de demolições, 15. Mesmo admitindo a ocorrência do estado de necessidade - o que se equaciona sem que se admita - sempre teria o Tribunal de se pronunciar sobre os prejuízos sofridos pela Autora em resultado da demolição e que se traduzem na impossibilidade de apurar a responsabilidade do proprietário do prédio contíguo ao seu no desencadear da situação que provocou a degradação do seu prédio.
Deste modo, 16. Igualmente por este motivo incorre a sentença na nulidade prevista na al. d), do n° 1, do 668° do CPT.”.
Pede que seja concedido provimento ao recurso e seja revogada a sentença recorrida.
* O Recorrido contra-alegou, mas não formulou conclusões.
Pede que o recurso seja julgado totalmente improcedente por não provado, mantendo-se a sentença recorrida.
* O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, não emitiu parecer.
* Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II.
DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1, todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, em relação: 1.
Nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d), do nº 1 do artº 668º do CPC, sobre o pedido subsidiário e sobre os prejuízos sofridos pela Autora em resultado da demolição e que se traduzem na impossibilidade de apurar a responsabilidade do proprietário do prédio contíguo ao seu; 2. Erro de julgamento, (i) por a notificação para a vistoria não poder ter lugar pela publicação de edital ou anúncio no Boletim Municipal e não existir estado de necessidade; (ii) por o acto de demolição, não sendo precedido de deliberação, ser nulo, o que determina a nulidade dos actos consequentes, como o acto impugnado e (iii) por a factura se mostrar em desconformidade com a normalidade em matéria de demolições.
III.
FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “1) A aqui Autora adquiriu, em 27 de Maio de 1970, por morte de José ………………….s, 1/14 avos do imóvel aqui em questão (Cfr. doc. 3 PI); 2) Em 25.7.2003 foi emitido pelo Departamento de Conservação de Edifícios e Obras Diversas, da Câmara Municipal de Lisboa, o parecer n.º 301/03, constante de fls. 24-25, do processo instrutor n.º 21/ID/03, e de fls. 20-21, dos autos, relativo ao prédio sito na Rua ……….., n.º 43, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aí se consignando nomeadamente que: “Face ao exposto e do que foi dado a observar, do que resulta grave insegurança, os técnicos emitem o seguinte parecer: Todo o prédio se encontra estruturalmente com deficiências profundas nomeadamente a de sustentação ao nível do piso térreo que denota, em face do esmagamento verificado, o risco da estrutura a montante entrar em desequilíbrio a qualquer momento.
A situação verificada na fachada principal, também com esmagamento, apresenta-se o risco de deslizamento conjugado com a empena confinante.
Em conclusão, considera-se o edifício estruturalmente irrecuperável e em risco de ruína iminente, pelo que deverá proceder-se à sua demolição de imediato, sendo acautelada a contenção das edificações adjacentes.
Deverá ser determinado o despejo imediato de todo o prédio.
Como medida de segurança, e durante a execução da demolição, deverá ser determinado o despejo imediato e temporário dos ocupantes do prédio com o n.º 45/47”.
3) Na sequência desse parecer e nessa mesma data foi emitida, pelo Chefe de Divisão de Fiscalização, a informação n.º 1842/03/DCEP com o seguinte conteúdo: “Ex.ma Sr.ª Directora de Departamento Na sequência de solicitação do DPC via telefone, desloquei-me ontem e hoje à Rua das Taipas, para verificação das condições de estabilidade dos edifícios com o n.º 41 e 43.
Estes edifícios foram objecto de vistoria em, 18/07/03 o n.º 43 e em 21/07/03 o n.º 41, também na sequência de comunicação do DPC cujos pareceres já preconizavam o despejo imediato dos ocupantes dos dois edifícios.
A situação verificada ontem, e por análise das fissurações existentes na fachada Principal, na zona de confluência dos dois prédios ao nível do r/c, indicava ter existido movimento da estrutura no espaço de tempo que medeia com as datas das vistorias acima mencionadas. Nesta conformidade e como medida de precaução foi cortado o trânsito no troço correspondente à implantação dos edifícios.
Na sequência do quadro de risco atrás descrito, foi hoje efectuada nova vistoria ao prédio n.º 43, tendo sido emitido o parecer n.º 301/03 o qual preconiza a sua demolição imediata.
Dada a gravidade da situação descrita e estando em causa valores e interesses de ordem pública, propõe-se que seja determinada a posse administrativa do edifício ao abrigo do disposto no art. 91° do Dec-Lei n.º 555/99 de 16/12, conjugado com o art. n.º 149 do Código de Procedimento Administrativo, para execução imediata das obras preconizadas no Parecer n.º 301/03, o que se justifica à luz do estado de necessidade, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 3° do referido Código.
Em conformidade com o Parecer n.º 301/03, propõe-se também o despejo imediato e definitivo dos ocupantes do prédio com o n.º 43, com base no n.º 4 do art. 92° do Dec.Lei 555/99 de 16/12.
Por questões de segurança e conforme o preconizado no referido parecer, propõe-se o despejo imediato e temporário de todos os ocupantes do prédio com o n.º 45/47, com base no mesmo dispositivo legal, até á conclusão da demolição do prédio n.º 43.” (cfr. fls. 27-28, do processo instrutor n.º 21/ID/03).
4) Em 25.7.2003 foi, sobre essa informação, consignado o seguinte despacho, pela Directora do Departamento: “Ex.ma Sr.ª Directora Municipal Julgo ser de determinar a posse administrativa à luz do estado de necessidade, com base nos fundamentos de facto e de direito constantes na presente informação e no auto de Vistoria 301/03.” (cfr. fls. 28, do processo instrutor n.º 21/ID/03).
5) Na sequência desse despacho foi proferido, igualmente em 25.7.2003 e sobre a informação referida em 2), o seguinte despacho: “À consideração da Senhora Vereadora ……….. a posse administrativa do imóvel ao abrigo do estado de necessidade, pelas razões e com os fundamentos expressos na informação.” (cfr. fls. 27-28, do processo instrutor n.º 21/ID/03).
6) Em 25.7.2003 a Vereadora ……….. proferiu sobre a informação mencionada em 2) o seguinte despacho: “1 CONCORDO Nos termos propostos e por delegação Despacho n.º 199/P/03, BM de 29/05/03 2 Determino...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO