Acórdão nº 07902/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução20 de Março de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Recorrente: M………., G………. e N……., F……. e E……………, Lda Recorrido: Estado Português Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul Vem interposto recurso da decisão do TAC de Lisboa que julgou improcedente, por não provada, a presente acção, na qual se pedia o pagamento pelo R. e Recorrido, Estado Português (EP), da quantia de €200.000,00, acrescida de juros de mora, a título de responsabilidade civil por acto ilícito, relativa aos ganhos que se teria obtido com a produção do filme C………….. e pelas despesas gerais que se teve, considerando a comparticipação financeira que lhe deveria ter sido atribuída.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões: «

  1. A matéria factual está assente, nos termos constantes da sentença recorrida e não merece censura. Mas o tribunal deverá ainda ter em conta o teor integral do acórdão do ST A em pauta nestes autos, bem como a classificação obtida pelo filme "C……." no concurso subsequente, tal como consta do doc. de fIs 84 e 85, junto pela R. na contestação.

  2. Está assente que, a um tempo, a A. sofreu danos decorrentes de não ter procedido à produção e realização do filme "C………." nos anos 97/98 - cfr. factos assentes de s) a x), na sentença recorrida - e que, a outro tempo, a sua exclusão das candidaturas graduadas no concurso ilicitamente decidido foi amplamente noticiada na comunicação social e comentada no meio cinematográfico e pelo público em geral, tendo sido objecto de valorações e impactos negativos, o que consubstancia a existência de danos no bom nome e crédito da A.

  3. Porém, o tribunal absolveu o Estado Português, porque, no primeiro caso, não existiria nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos apurados e, no segundo caso, os danos não mereceriam a tutela do direito.

  4. Quanto à questão do nexo de causalidade, é evidente que a A. nunca poderia fazer a prova certa, segura e inequívoca de que, não tendo ocorrido a ilicitude que determinou a anulação do concurso - tal como julgado pelo ST A -, teria sido classificada nos quatro primeiros lugares de tal concurso, tal como a A. pretendia, a fim de assegurar o direito ao subsídio em apreço.

  5. Acontece que o tribunal faz uma errónea interpretação do que é o nexo de causalidade, tendo em conta o que deve resultar da interpretação conjugada dos artigos 483.° e 563.° do CC. É que a lei não impõe que tenha que haver certeza quanto à relação entre o facto ilícito e os danos, antes se bastando - como não podia deixar de ser ~ com um juízo de razoável probabilidade: "a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão" (cfr. artigo 563.° do CC).

  6. Ora, avaliando a situação concreta destes autos, a experiência comum, o bom senso e o mais elementar sentido de equidade impõem que esse juízo de razoável probabilidade seja formulado.

  7. É que, designadamente, está assente que o filme "C………." acabou por ser aprovado num concurso subsequente, em 1998, tendo estreado a 1 de Dezembro de 2000, obtendo a elevada audiência de quase 50 mil espectadores e tendo sido escolhido como candidato português aos óscares de Hollywood.

  8. E, nesse concurso, com as mesmas regras, acabou por ser classificado em terceiro lugar, com a classificação de doze pontos - cfr. doe. de fls. 84 e 85 junto pela R. na sua contestação -, que foi a classificação atribuída aos filmes graduados em terceiro lugar no concurso em que foi excluído, por ter sido graduado em sexto lugar - cfr, acórdão do STJ que deu provimento ao recurso.

  9. A factualidade assente permite, pois, concluir no sentido de que - com razoável probabilidade - o filme "C……….." poderia ter sido classificado em lugar elegível aquando do concurso em que ilicitamente acabou por ser graduado em sexto lugar, quando só eram elegíveis para o subsídio em apreço os quatro primeiro classificados.

  10. Então, se no concurso não impugnado o filme foi graduado com doze pontos, não é razoável presumir que, no concurso impugnado, caso não tivessem ocorrido os vícios que foram apontados, essa classificação também seria plausivelmente obtida? K) Assim sendo, tendo ainda os factos assentes sob as alíneas s), t), v), w) e x), recorrendo ainda a um princípio de equidade, parece adequado condenar a R. no pagamento à A. da verba peticionada na PI.

  11. Outra questão tem a ver com a tese da sentença recorrida de que não mereceriam a tutela do direito os danos que afectaram o bom nome e crédito da A., consubstanciados em valorações que se repercutiram negativamente na sua imagem e prestigio, tal como está pedido na réplica.

  12. Ressalvado o devido respeito, a sentença interpreta de forma manifestamente errónea os artigos 483.° e 484." do CC, que também cobrem os danos de natureza não patrimonial - quando está em causa o bom nome, o crédito, a imagem ou o prestígio - da pessoa colectiva visada pelo acto ilícito que os gera.

  13. Os danos dessa natureza concretamente apurados justificam plenamente a indemnização pedida na réplica.

  14. Vai arguida a inconstitucionalidade do entendimento normativo dado aos artigos 483.° e 484.° do CC, devidamente conjugados com o artigo 563.° e 566.° do mesmo diploma, no sentido em que o nexo de causalidade, para efeitos da verificação da responsabilidade civil extracontratual, não se basta, com um juízo de prognose razoável, bem como o entendimento normativo dado aos mesmos preceitos legais no sentido em que não merecem tutela os danos não patrimoniais das pessoas colectivas, por violação dos artigos 20.°, 26.° e 62.° da CRP (tutela jurisdicional efectiva, direito à cidadania, ao bom nome e reputação e direito de propriedade privada). » O Recorrido Estado Português (EP) apresentou as seguintes conclusões nas contra alegações de recurso: «1. Não é razoável presumir que no concurso impugnado, caso não tivessem ocorrido os vícios que o inquinaram, o filme em causa teria obtido a mesma classificação que obteve no concurso seguinte, em 1998.

    1. Com efeito, os projectos a concurso em 2007 não eram os mesmos a concurso em 1998, à excepção do filme da Recorrente, como pode ver-se das grelhas de classificação de cada um dos concursos.

    2. E, por outro lado, a Comissão de Apreciação não tinha a mesma composição, como resulta dos Anúncios ou projectos de classificação final dos Concursos.

    3. Assim, a classificação oferecida pode variar num e noutro concurso, para mais, no âmbito de uma matéria onde existe um elevado grau de discricionariedade técnica.

    4. Nestas circunstâncias, bem entendeu o Tribunal a quo, que não se mostra verificado, no caso, o nexo de causalidade entre o acto que graduou as candidaturas ao apoio financeiro e os danos decorrentes de a candidatura da Recorrente não ter ficado graduada nos quatro primeiro lugares - que obtiveram o apoio financeiro posto a concurso.

    5. Quanto à indemnização por danos não patrimoniais, a mesma não é devida, uma vez que, sendo a Recorrente uma sociedade comercial, com fim naturalmente lucrativo, não é susceptível de sentir dores físicas e/ou morais, pelo que não é aplicável à situação dos autos o disposto no artigo 496. o do Código Civil.

    6. Nesta medida, também quanto a esta questão, andou bem o Tribunal a quo, ao não arbitrar qualquer indemnização a esse título.

    7. Em suma: a sentença recorrida deverá manter-se na íntegra.» Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    Os Factos Pela sentença recorrida foram dados por assentes, por provados, os seguintes factos, factualidade que não é impugnada neste recurso:

  15. O Instituto Português de Arte Cinematográfica e Audiovisual, abriu, em Abril de 1997, um concurso para apoio financeiro directo à Produção Cinematográfica (filmes de longa metragem), nos termos do Regulamento de Apoio Financeiro Directo à Produção Cinematográfica, aprovado pela Portaria nº 314/96 de 29.07; B) A Autora concorreu com um projecto de filme denominado C………. em que figurava como realizador Luís …………….; C) A comissão designada para apreciar as candidaturas procedeu à ordenação das mesmas e propôs a atribuição de um apoio financeiro no montante de 130 000 000$00 a cada uma das...

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