Acórdão nº 10920/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução20 de Março de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO Adama …………….

, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 10/12/2013 que, no âmbito da acção administrativa especial urgente instaurada contra o Ministério da Administração Interna, julgou a acção improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido de concessão de asilo, por razões humanitárias.

Formula o aqui Recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 87 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo, notificada ao A., aqui Recorrente, na qual, salvo o devido respeito que é muito, se faz incorrecta apreciação da prova e incorrecta aplicação do direito.

  1. Com efeito, por sentença de 10 de Dezembro de 2013, decidiu o Tribunal a quo, julgar a presente acção totalmente improcedente, absolvendo-se o Réu dos pedidos.

  2. Tal decisão resultou, grosso modo, do facto de se ter considerado que não se apresentam factos integradores do direito a que o A. se arroga, não se inserindo o caso concreto na previsão do art. 8° da Lei nº 27/08 (com a epígrafe “protecção sur place”).

  3. Salvo o devido respeito que é muito, não pode compreender (nem aceitar) o A., as afirmações supra, tendo em conta os elementos dos autos (designadamente, declarações prestadas pelo A. a fls., parecer do CPR a fls., petição inicial a fls., conjuntura social, ética e religiosa do Senegal - país de origem do A.).

  4. Ainda que se entenda que o caso dos autos não tem enquadramento no art. 3° da Lei nº 27/08, de 30.06, como considerar que ao mesmo não tem aplicação o disposto no art. 7°, nº 1 e 2 da Lei 27/08?! 6. Aliás, a situação em crise é (infelizmente) corroborada diariamente, sendo veiculada por todos os meios de comunicação social! 7. O ora Recorrente é cidadão nacional do Senegal, é homossexual, foi expulso de casa pelo tio, devido à sua orientação sexual, era alvo de ameaças por parte dos moradores do bairro onde vivia com o companheiro, o qual foi assassinado e, em consequência teve que fugir do país.

  5. A condenação e retaliação levada a cabo contra os homossexuais devido à sua orientação sexual, é, naquele país, transversal a todas as classes sociais e económicas.

  6. Salvo o devido respeito, não consegue alcançar o ora Recorrente qual a contraditoriedade existente nas suas declarações, nem que pormenores deveria / poderia ter concretizado.

  7. E que consequência retirar do facto de o A., bem como o seu companheiro “apenas” terem sido insultados com palavrões?! 11. Quererá, com isso, o Tribunal a quo, fundamentar que, o A. não corre qualquer risco de sofrer ofensa grave, uma vez que nunca foi (até à data) agredido (fisicamente)?! 12. Não obstante, o Tribunal a quo, na sua douta sentença, vem admitir que a realidade do país de origem do A. (Senegal), “apontam para que os homossexuais sejam objecto de discriminação e até de perseguição nesse país”.

  8. De facto, o Tribunal a quo, não refuta e, pelo contrário, aceita que, os homossexuais são discriminados e perseguidos naquele país! 14. Se atentarmos no quadro religioso e jurídico do país de origem do A., ora Recorrente, constatamos o acolhimento aos factos persecutórios e à insegurança alegados, disponibilizados em variados estudos e na comunicação social.

  9. O ora Recorrente, no seu país de origem, corre sério risco de vida, ou ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, sério risco de ameaças à sua integridade física. Actos que a serem concretizados configuram claras violações dos direitos fundamentais, entre eles o direito à vida (cf. artigo 6º PIDPC, artº 2º CEDH e art. 24º da CRP) e à integridade pessoal (cf. artigo 7° PIDPC, artº 3° CEDH e art. 25° da CRP).

  10. Acresce que, as autoridades senegalesas têm-se mostrado absolutamente incapazes de prevenir e proteger a população civil deste tipo de violência (e, ao contrário, muitas vezes, “acompanham” a mesma).

  11. De acordo com o Manual de Procedimentos e Critérios a Aplicar para Determinar o Estatuto de Refugiado do ACNUR devem ser reconhecidas como refugiadas as pessoas que estão sujeitas a ofensas, tratamentos desumanos ou a grave discriminação devido à sua homossexualidade e/ ou orientação sexual e cujos governos não são capazes ou não as queiram proteger.

  12. Ora, o Recorrente é homossexual, não tendo, quer o Recorrido, quer o Tribunal a quo, em momento algum, colocado em dúvida a orientação sexual daquele.

  13. A orientação sexual do ora Recorrente, não só não é aceite à luz da religião que professa (muçulmana), como não é aceite socialmente no seu país (Senegal), como é, ainda, punível criminalmente, sendo inclusive os próprios agentes da autoridade a incitar à violência.

  14. Assim, são absolutamente legítimos os receios do Recorrido de ser perseguido, agredido e até morto.

  15. O direito à liberdade sexual, tal como previsto pelos artigos 12° da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), artigo 26º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), artigo 14º da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem (CEDH) e artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP), inclui a faculdade de decidir livremente quanto à orientação sexual, sem sofrer qualquer tipo de discriminação, sendo a lei garante dessa situação.

  16. Daquilo que ficou dito em cima sobre os critérios que deverão nortear a admissibilidade dos pedidos de proteção, o ónus da prova que nesta fase impede sobre o ora Recorrente no sentido de demonstrar a perseguição de que foi vítima será necessariamente menos intenso.

  17. Entende, por isso, o ora Recorrente que estão preenchidos os pressupostos para, ao menos, ser concedida uma autorização de residência por razões humanitárias.

  18. Com efeito, dispõe o artº 7º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho que será concedida autorização de residência por razões humanitárias “aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3º e que sejam impedidos ou se sintam aplicáveis as disposições do artigo 3º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave”.

  19. Os relatórios das organizações humanitárias sobre o Senegal são suficientemente precisos e explícitos, no sentido de que não há um patamar mínimo de garantias e de que, pelo contrário, há sistemáticas violações dos direitos humanos, factos que, salvo o devido respeito não foram tidos em conta na apreciação levada a cabo pelo Tribunal a quo.

  20. A decisão ora sob impugnação ofende a Lei Fundamental, nos seus princípios mais basilares, bem como os normativos supra enunciados da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, mormente o artigo 7º pelo que deve ser revogada.

  21. Com efeito, dúvidas não restam que, o risco para a vida do ora Recorrente que decorreria do seu repatriamento, justifica que, em abono do direito à vida, lhe seja concedida autorização de residência por razões humanitárias, nos termos do artº 7º da lei nº 27/2008, de 30 de Junho.”.

    * O ora Recorrido, notificado, nada disse em juízo.

    * O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    * Sem vistos legais, por se tratar de um processo urgente, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

    II.

    DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 608º, nº 2, 684º, nºs 4 e 5 e 639º, nº 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

    As questões suscitadas resumem-se em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, de facto e de direito, em relação ao pedido de asilo e à autorização de residência por razões humanitárias, em violação do princípio de “non-refoulement”, consagrado no artº 33º, da Convenção de Genebra de 1951, conjugado com os preceitos do artº 3º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

    III.

    FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “1. O A. apresentou-se no posto de fronteira do aeroporto de Lisboa, em 01.10.2013, proveniente de Dakar, no voo TP …, sendo portador de passaporte da República do Senegal falsificado por aposição de visto contrafeito (cfr. fls. 7 a 12 do PA).

  22. Por não ser titular de documento de viagem válido, foi-lhe recusada a entrada em território nacional, nos termos dos artigos 32º, nº 1 al. a) dos artigos 9° e 10° da Lei nº 23/07, de 4 de Julho.

  23. O A. apresentou pedido de asilo no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF em 01.10.13, o qual deu origem ao processo nº 354/2013, alegando ser cidadão nacional do Senegal.

  24. Foi o A. ouvido quanto aos fundamentos do seu pedido de asilo, tendo prestado as declarações de fls. 27 e sgts. do PA, designadamente, as seguintes: a) É de etnia Wolof e professa a religião muçulmana; b) É solteiro, vendedor ambulante e vivia em Dakar, no bairro “Grand Medine”; c) Vivia com o companheiro Pape …….; “6. Questionado sobre a razão pela qual saiu do Senegal, bem como quanto à data, declarou que: a. Saiu do Senegal porque é homossexual; 7. Solicitado a relatar com maior detalhe o que se passou, declarou que: a. Que vivia com um companheiro, Pape ………., que à data em que estavam juntos não fazia nada, mas antes de se relacionarem, lembra-se de o ver também a vender; b. Que houve uma caça aos homossexuais, altura em que o companheiro foi morto e foi por esse motivo que fugiu; c. Que o Pape ………. foi...

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