Acórdão nº 00742/08.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelCarlos Lu
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO MUNICÍPIO DE MIRA, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional das decisões do TAF de Coimbra, datadas de 18.05.2009 e de 24.06.2013, proferidas na ação administrativa especial contra si instaurada pelo “MINISTÉRIO PÚBLICO” (doravante «MP») e que, respetivamente, julgaram improcedente a exceção de caducidade do direito ação pelo mesmo arguida [despacho saneador proferido em 18.05.2009] e procedente a pretensão deduzida naquela ação declarando “nulo o despacho de 2 de setembro de 1998, da autoria do Presidente da Câmara Municipal de Mira, que deferindo o pedido de aprovação do projeto de especialidades, deferiu o licenciamento das obras de construção, que deu origem à emissão, em 9 de fevereiro de 1999, do alvará de licença n.º 9” [acórdão proferido em 24.06.2013].

Formula o R., aqui recorrente, nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem [cfr. fls. 202 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]: “… 1.ª O presente recurso vem do douto despacho saneador e da douta decisão do TAF de Coimbra que, julgando improcedente a invocada exceção da caducidade, declarou nulo o despacho de 2/09/98 do Sr. Presidente da C.M. Mira, que deferiu a aprovação do projeto de especialidades, deferiu o licenciamento das obras de construção, que deu origem à emissão do alvará de licença n.º 9 e, bem assim, condenou o Município de Mira no pagamento das custas processuais.

  1. O douto despacho saneador não fez um correto enquadramento dos factos, o que levou a um menor acerto da decisão.

  2. A aprovação do projeto de especialidades tem como pressuposto necessário a deliberação favorável de aprovação do projeto de arquitetura, a qual ocorreu em 10/02/98.

  3. Assim, sendo a deliberação camarária que aprovou o aludido projeto de 10/02/98 e a ação sido intentada em 23/07/08, sendo certo que o projeto de especialidades aprovado é consequência daquela aprovação do projeto de arquitetura, verifica-se o condicionalismo a que alude o artigo 69.º, n.º 4 do Dec. Lei n.º 555/99, na redação da Lei 60/2007, tendo caducado o direito de propositura da ação, atento o decurso do prazo de 10 anos.

  4. Deveria, assim, o recorrente ter sido absolvido pela verificação da invocada exceção, tendo o despacho saneador violado as disposições conjugadas do artigo 69.º, n.º 4 do Dec. Lei n.º 555/99, na redação da Lei 60/2007 e artigo 493.º, n.º 3 do CPC.

  5. Face ao exposto, no caso sub iudice, fica prejudicada a aplicação de medidas tutelares administrativas (artigo 11.º, n.º 4 da Lei n.º 27/96, de 1/08).

  6. Sem conceder, caso não se decida pela revogação do decidido no douto despacho saneador, a decisão recorrida deverá ser substituída por outra que determine a possibilidade de legalização da operação urbanística.

  7. Efetivamente, como defendem Fernanda Paula Oliveira, Dulce Lopes e Maria José Castanheira Neves, em comentário ao artigo 68.º do RJUE, em função, entre outras coisas, da causa de nulidade, poderem surgir vias alternativas: a legalização e a atribuição de defeitos jurídicos às operações urbanísticas (jurisdicização).

  8. A via da legalização é sobretudo possível quando a nulidade resulte da violação de normas de planos municipais, como é o caso em apreço.

  9. Tal legalização implica a adequação da operação urbanística consolidada às normas cuja violação poderia determinar a nulidade do ato, processando-se através da realização de trabalhos de correção ou de alteração, de forma a assegurar a sua conformidade com as normas em vigor …”.

Termina no sentido do provimento do recurso e revogação da decisão judicial recorrida.

O R., ora recorrido, notificado apresentou contra-alegações [cfr. fls. 226 e segs.

], tendo concluído que: “… 1) Atento o princípio do «tempus regit actum» e o regime do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 250/94, de 15/10, então vigente, e ao contrário do atual e invocado regime do RJUE, o referenciado ato de aprovação do projeto de arquitetura (de 10/02/98) não tinha qualquer efeito permissivo nem era contenciosamente recorrível; 2) Apenas o ato final de licenciamento, em que culminava o procedimento administrativo e que consumia, pela afirmação da legalidade das obras a efetuar, os efeitos produzidos por aquele ato anterior, nos termos do disposto no art. 20.º, n.º 3, daquele Decreto-Lei n.º 445/91, de 20/11, na indicada redação, era o único ato administrativo com eficácia lesiva e, como tal, era o único suscetível de ser impugnado contenciosamente - v. arts. 50.º e 51.º, n.º 1, do CPTA; 3) Efetivamente, esse art. 20.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20/11, na referida redação, estabelecia expressamente que a deliberação de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença de construção e incorpora a aprovação de todos os projetos aprovados; 4) Assim, a declaração de nulidade que foi peticionada e decretada nestes autos ao abrigo do disposto no art. 52.º, n.º 2, alínea b), daquele Decreto-Lei n.º 445/91, de 20/11, na referida redação, só podia ser - como foi - relativa ao despacho de 02/09/1998, enquanto ato final do procedimento de licenciamento e que, por força de expressa disposição legal, incorporava aquele ato instrumental de aprovação do projeto de arquitetura; 5) Sendo, pois, e ao contrário do que o recorrente pretende sustentar, totalmente irrelevante no presente caso a data de aprovação do projeto de arquitetura, em 10/02/98; 6) Pelo que, tendo a que a presente ação sido instaurada em 23/07/2008, é por demais evidente que, mesmo que se considerasse aplicável, sem mais, o invocado prazo de 10 anos previsto no art. 69.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12, na redação que lhe foi introduzida pela Lei n.º 60/2007, de 04/09 (o que não se concede), este ainda não havia decorrido àquela data, sendo, pois, manifestamente, tempestiva; 7) De todo o modo, e tendo em conta o respetivo regime transitório que foi fixado no art. 6.º, dessa Lei n.º 60/2007, do qual, em regra, e salvo requerimento do interessado, resulta a aplicabilidade aos processos pendentes do regime anteriormente vigente, considera-se que nem sequer se pode aceitar como pacífico que aqui fosse aplicável o indicado prazo de caducidade introduzido no invocado n.º 4 do art. 69.º, do RJUE, por aquela Lei n.º 60/2007; 8) Ademais, e como resulta do teor literal desse preceito legal (n.º 4 do art. 69.º, do RJUE, por aquela Lei n.º 60/2007), o prazo de caducidade aí previsto, que constituiu uma inovação e restrição relativamente ao regime geral da nulidade previsto no art. 134.º, do CPA, mostra-se restrito, no que tange à ação pública, ao dever de participação ao Ministério Público dos factos geradores de nulidade, não estabelecendo, porém, expressamente qualquer prazo para o Ministério Público interpor seguidamente a correspondente ação administrativa especial; 9) De todo o modo, mesmo que se considere que a questão de saber se esse prazo de 10 anos vale apenas para as situações futuras (que vieram a verificar-se após a entrada em vigor do diploma) ou se afeta também as situações em curso, haverá que solucionar-se através do disposto no art. 12.º, do Código Civil, então cumprirá sempre «determinar a data a partir da qual se conta o novo prazo de 10 anos»; 10) Ora, conforme a doutrina e jurisprudência citadas, e dado que a lei nova veio estabelecer pela primeira vez um prazo, então «este só deve ser contado, qualquer que seja o momento inicial fixado, a partir do início da vigência da nova lei»; 11) Sendo que, também conforme a doutrina citada, e no que especificamente concerne, como é o caso, aos atos nulos que subsistissem à data da entrada em vigor da Lei n.º 60/2007, de 04/09, eles só podem ser declarados nulos ou participados ao Ministério Público dentro de 10 anos a partir do início de vigência daquele diploma; 12) O que significa, no presente caso, que, tendo a nova lei entrado em vigor em 03/03/2008 (v. art. 7.º, da Lei n.º 60/2007, de 04/09), é manifesto que, à data da instauração da presente ação em 23/07/2008, ainda não havia decorrido, desse o início de vigência daquele diploma legal, o indicado prazo de 10 anos; 13) Não se vislumbrando, de resto, qualquer pertinência na invocação, na presente ação, do disposto no art. 11.º, n.º 4, da Lei n.º 27/96, de 01/08, que, manifestamente, lhe é inaplicável; 14) Pois que, como emerge inequivocamente da epígrafe desse preceito legal (Decisões de perda de mandato e de dissolução), o mesmo é referente ao prazo de caducidade para propositura pelo Ministério Público das ações previstas nesse diploma legal (que estabelece o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas, bem como o respetivo regime sancionatório), de perda de mandato (art. 8.º) e de dissolução de órgãos (art. 9.º); 15) Assim, improcedendo manifestamente a invocada exceção da caducidade da ação; 16) Por outro lado, estando em causa uma ação estritamente impugnatória, para estrita declaração de nulidade de ato administrativo (cujos fundamentos não são postos em causa no recurso interposto), verifica-se que a pretendida revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine a possibilidade de legalização da operação urbanística, de forma a assegurar a sua conformidade com as normas em vigor (v.g. pela criação de dois lugares de estacionamento), extravasa manifestamente o objeto da presente ação; 17) Efetivamente, a possibilidade de recurso a soluções alternativas à demolição total em decorrência da declaração de nulidade, designadamente, a invocada possibilidade de legalização da situação mediante a alteração da situação de facto, a existir, haverá de ser considerada pela entidade competente em momento oportuno e em sede própria, designadamente, no...

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