Acórdão nº 08195/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução06 de Março de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO O Município de Lisboa, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 31/03/2011 que, no âmbito da acção administrativa comum, sob a forma ordinária, instaurada por H…….. - Empreendimentos …….., Lda.

, julgou a acção procedente, condenando o Réu a pagar à Autora a quantia de € 3.304.255,12, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4% e devidos desde a citação.

Formula o aqui Recorrente nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem (cfr. fls. 297 e segs. do processo físico, assim como as demais referências feitas): “1 - O Recorrente entende que não foi feita pelo Tribunal a quo uma correcta interpretação da matéria de facto suscitada no presente processo, bem como do direito aplicável, incorrendo, assim, em erro de julgamento; 2 - A efectiva falta de visto implica necessariamente a ineficácia do acordo, ineficácia esta que se revela intransponível, pelo que a Recorrida com os presentes autos não pode pretender a execução do presente acordo de pagamento, uma vez que o mesmo, após a recusa do visto, tornou-se ineficaz, não produzindo efeitos entre as partes; 3 - A declaração de ilegalidade do acto por parte do Tribunal de Contas não pode ser posta em causa, nem discutida em sede de jurisdição administrativa, conforme decorre dos artigos 17º, 18º, 19º e 20º da Constituição; 4 - A Mª Juíza a quo aderiu à tese perfilhada pela Autora no artº 68º da P.I., sem cuidar de justificar o porquê de não atender àquilo que sobre a mesma questão foi defendido pelo Réu, ora Recorrente, nos artigos 17º a 20º da Constituição, pelo que, tratando-se de matéria controvertida sobre a qual as partes expressamente manifestaram posição de sinal contrário, devia a douta Sentença ter fundamentado a posição que veio a acolher, sob pena de incorrer, como incorreu, no vício de falta de fundamentação; 5 - Resulta assim claro que nos presentes autos as partes discutiram claramente a validade do visto do Tribunal de Contas, tomando sobre esta matéria posição expressa conforme decorre dos artigos citados nos respectivos articulados, pelo que o caso sub judice é em tudo semelhante ao apreciado no aresto do S.T.A. citado pelo ora Recorrente; 6 - A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pois deveria ter declarado a incompetência material da jurisdição administrativa face ao primeiro dos três pedidos formulados pela Recorrida H……- Empreendimentos …………, Lda., abstendo-se de decidir como decidiu; 7 - Dispõe o artº 8º nº 2 da referida Lei que “as decisões jurisdicionais do Tribunal de Contas são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas”, sendo que no caso em apreciação o visto foi recusado, conforme decorre do parecer nº 1/2007, facto que determinou a ineficácia financeira do Acordo de pagamento; 8 - A recusa do visto determina a ineficácia in casu do “Acordo” de pagamento, conforme decorre do 45º, nº 1 da citada Lei nº 98/97, que expressamente afirma que “Nenhum acto, contrato ou instrumento jurídico sujeito à fiscalização previa do Tribunal de Contas pode ser executado ou originar qualquer pagamento antes do visto ou da declaração de conformidade”; 9 - É a própria Lei do Tribunal de Contas a fixar os efeitos putativos da nulidade, ao prescrever que os actos e os contratos podem produzir outros efeitos, mas com excepção dos pagamentos, sendo igualmente certo que a excepção a que alude o nº 2 do referido artigo confirma este regime regra, quando admite a produção de efeitos em data prévia à concessão do visto, com excepção do pagamento do preço que ao caso haja lugar; 10 - A verdade porém é que o Acordo firmado entre as partes em Outubro de 2005 não consubstancia qualquer Contrato, e muito menos de empreitada, tratando-se, isso sim, de um instrumento complementar à escritura de permuta subscrita entre as partes a 16 de Julho de 2004, e que veio a revelar-se necessário para contemplar os trabalhos entretanto efectuados a mais pela Autora e que por essa razão não puderam ser contemplados na dita escritura de 2004; 11 - Não estamos perante qualquer tipo de contrato mas sim perante um verdadeiro acto administrativo, de natureza colegial, consubstanciado na Deliberação nº 596/CM/2005, de 30 de Setembro, à qual a Autora apôs o seu consentimento, o qual, contudo, não tem o condão de transformar um acto administrativo num contrato, de empreitada ou de qualquer outro tipo; 12 - Foi com base nesta errada qualificação do “acordo” que a Mª juíza a quo veio a aplicar as consequências do regime da nulidade por referência ao artº 289º, nº 1, do Código Civil, por remissão da alínea b) do nº 3 do artº 185º do C.P.A.; 13 - A sentença aplicou o regime do Código Civil, sem cuidar de fundamentar esta escolha, pela positiva, e a preterição do regime administrativista constante do C.P.A., pela negativa, ao aplicar o disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 185º do CPA e, em conformidade, as consequências do regime jurídico da nulidade assinaladas no artigo 289º, nº 1 do Código Civil, sem apresentar contudo qualquer fundamento por ter preteriod a aplicação da alínea a) do nº 3 do artigo 185º do CPA; 14 - A douta sentença recorrida deveria ter optado pela aplicação do disposto na alínea a) do citado artigo, pois, o contrato de empreitada em causa foi considerado nulo pelo Tribunal de Contas, precisamente pelo facto de não ter adoptado o procedimento administrativo legalmente previsto, logo, por força de normas administrativas, pelo que, as consequências advindas de tal nulidade, deverão ser as que resultam do direito administrativo; 15 - Conforme resulta conjugada e inequivocamente dos art.s 179º, 181º, 182º, 183º, 184º e 185º deste Código; 16 - A douta sentença recorrida laborou em erro ao aplicar a taxa de IVA de 19% ao valor dos trabalhos, após considerar que o contrato objecto dos autos configura um contrato de empreitada, porquanto o nº 1 do artigo 18º do Código do IVA, prevendo três taxas distintas deste imposto, acaba por fixar para o caso dos autos a taxa reduzida de 5%, à data em vigor, conforme resulta da al. a) do nº 1 do artº 18º por referência ao Ponto 2.17 da Lista I anexa ao diploma; 17 - As normas fiscais são normas impositivas, fugindo por isso e por completo à disponibilidade das partes, pois são normas que estão sujeitas aos princípios da legalidade e da tipicidade tributária, bem como ao princípio da segurança jurídica, pelo que também aqui a douta Sentença laborou em erro por errada aplicação da Lei, neste particular, de um preceito fiscal com natureza imperativa e inderrogável.”.

Termina pedindo a procedência do recurso e a revogação da sentença, substituindo-se por outra que absolva o Recorrente dos pedidos formulados.

* O ora Recorrido, notificado, apresentou contra-alegações, no âmbito das quais concluiu do seguinte modo (cfr. fls. 329 e segs.

): “1.ª - O presente recurso tem por objecto uma sentença que condena o Recorrente a pagar aquilo que ele próprio sempre reconheceu que devia pagar.

  1. - Trata-se de pagar ao Recorrido obras que este executou para o Recorrente em 2004 e pelas quais não obteve qualquer contrapartida, embora o Recorrente tenha em 2005 acordado proceder a esse pagamento.

  2. - Todos os factos em que se baseia a sentença foram aceites pela ora Recorrente no processo na instância “a quo”.

  3. - Conclui-se assim com facilidade que o presente recurso não tem outro intuito do que protelar o pagamento de uma quantia que o Recorrente sabe que deve, vindo assim sustentado em argumentos sem hipóteses de sucesso e contraditórios, não restando, no entanto e lamentavelmente, à Recorrida outra alternativa para conseguir ser ressarcida daquilo que lhe é devido senão contra-alegar no presente processo.

  4. - O pedido formulado pela Autora que o Tribunal a quo julgou procedente, bem assim como a solução que este deu ao presente caso, não assenta em qualquer juízo de desvalor sobre a decisão de recusa de visto ao acordo de pagamento, proferida pelo Tribunal de Contas, estando, pelo contrário, em plena harmonia com o referido Acórdão do Tribunal de Contas. Será assim forçoso concluir que, ao não se declarar materialmente incompetente para julgar a presente causa, como pretendia o Recorrente, o Tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento.

  5. - O Tribunal não condenou o ora Recorrente à execução do contrato: pelo contrário, considerou o contrato e o acordo de pagamentos nulos (com base na decisão do Tribunal de Contas) e condenou-o, sim, num pagamento fundado no efeito restitutivo dessa nulidade. A sentença recorrida não padece, assim, de qualquer erro de julgamento ou falta de fundamentação.

  6. - Porque está em causa a adjudicação em violação de regras de contratação pública de um contrato com objecto passível de contrato de direito privado, a nulidade rege-se, quanto às suas causas, pelo n.º 1 do artigo 185.º do CPA e, no que se refere às suas consequências, pelo n.º 3. Sendo o regime da nulidade o do Direito Civil, é evidente que o caso em apreço tem a sua regulação no artigo 289.º do Código Civil.

  7. - Admitindo, por cautela de patrocínio, que assim se não entenda e que se considere que o regime aplicável seria o dos actos administrativos, a resposta a dar seria a mesma uma vez que o regime das consequências da nulidade dos actos administrativos não disciplina a situação em apreço, pelo que o recurso às normas jurídicas mais próximas e aptas a regular a situação, que aqui se imporia, iria inevitavelmente conduzir à aplicação do artigo 289.º do Código Civil.

  8. - Chegar-se-á ao resultado referido na conclusão anterior quer se entenda que o artigo 289.º do Código Civil constitui a expressão de um principio geral aplicável aos contratos e actos administrativos, quer se entenda que estamos perante uma lacuna no Direito Administrativo que...

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