Acórdão nº 10893/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução06 de Março de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

O Ministério Público inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. À luz do artigo 4º, nºs. l e 2, alínea a), do Código de Processo Civil, as acções de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa devem ser consideradas como acções de simples apreciação negativa, pois que as mesmas são destinadas à demonstração (e consequente declaração judicial) da inexistência de ligação à comunidade nacional; 2. Consequentemente, e de harmonia com o disposto no artigo 343º, n.º l, do Código Civil, a prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga competia ao Requerido, ora Recorrido, fazer; 3. Aliás, perante uma acção que é consequência de uma pretensão inicialmente formulada junto da Conservatória dos Registos Centrais pelo interessado em obter a nacionalidade portuguesa, sempre a este caberia, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos de tal pretensão; 4. A redacção do artigo 3º da Lei n.

s 37/81, de 3 de Outubro, mantida pela Lei n.º 2/2006, de 17 de Abril, continua a estabelecer que o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir, em determinadas circunstâncias, a nacionalidade portuguesa, mediante declaração; 5. Todavia, enquanto o artigo 9º, na sua redacção anterior, estabelecia que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente, a "não comprovação pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional', na sua redacção actual estabelece o mesmo normativo que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, entre outros factores, a "inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional' .

6. Por outro lado, estatui o nº l do artigo 57º do Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro, que "Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do ne 2 do artigo anterior '; 7. E face ao comando ínsito no citado artigo 343º, nº l, do Código Civil - estando em causa uma acção que resulta de uma pretensão por ele próprio formulada junto da Conservatória dos Registos Centrais - não pode o Requerido, ora Recorrido, pelas regras gerais do ónus da prova, eximir-se a tal pronúncia; 8. O facto de o Recorrido ser casado com uma cidadã brasileira que apenas no ano de 2008 adquiriu a nacionalidade portuguesa (e de ser pai de dois filhos, nascidos no Brasil em 1992 e 1994 e que só no ano de 2008 viram os seus nascimentos integrados no registo civil português), não é suficiente para se entender que o mesmo já possuí os requisitos necessários - ligação efectiva à comunidade portuguesa - para adquirir a nacionalidade, nem é demonstrativo, por si só, da sua identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional portuguesa; 9. Para adquirir a nacionalidade portuguesa são necessários, para além do casamento com cidadão nacional, outros requisitos, nomeadamente, uma ligação efectiva, um sentimento de unidade com a comunidade nacional, em termos de comunhão da mesma consciência nacional, impondo a lei uma ligação efectiva, já existente, devendo, assim, verificar-se uma forte e duradoura afinidade com a matriz dos portugueses, considerados estes como uma comunidade política e socialmente organizada; 10. Ora, no caso dos autos, nada disso acontece, já que o Requerido, para além do mais, sempre viveu no Brasil, comunidade nacional onde nasceu e cresceu, na qual se integra e, naturalmente, com a qual se identifica; 11. Não basta, assim, verificar-se, no caso concreto, o requisito objectivo do Requerido ter casado, em 1993, no Brasil, com uma cidadã, também nascida no Brasil, e que em 2008 adquiriu a nacionalidade portuguesa, para se considerar que existe, imediata e automaticamente, ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa, como parece resultar da Sentença; 12. Aliás, o casamento com nacional português não constitui, de per si, elemento principal da ligação do Requerido à comunidade nacional, sob pena de ser inútil o preceito da alínea a), do artºs. 9º da Lei nº 37/81; 13. O seu casamento, embora celebrado, no Brasil, a 4 de Maio de 1993, só em 25 de Agosto de 2008 é que foi integrado no Registo Civil português. E o mesmo se diga a respeito dos seus filhos que, apesar de nascidos no Brasil em 1992 e 1994, apenas em 2008 viram os respectivos nascimentos integrados no Registo Civil português; 14. Tais acontecimentos (nascimentos, casamento, inscrição/integração no registo civil português) são reveladores de algum distanciamento da comunidade portuguesa; 15. Atendendo ao que se estabelece na Lei n.° 10 480, de 2 de Julho de 2002 e na Portaria MDIC n.° 65, de 18 de Abril de 2006 - diplomas legais brasileiros - e considerando o conjunto de funções e cargos desempenhados pelo Requerido, dúvidas não temos em afirmar que as suas funções (públicas) não revestiam, nem revestem, carácter predominantemente técnico.

16. Nos cargos de Procurador Federal, de Presidente do Instituto da Propriedade Industrial (INPI) do Brasil e de Coordenador de Assuntos Estratégicos ("cargo de confiança", como é referido), predominavam prerrogativas de autoridade pública, implicando uma participação activa no exercício de funções soberanas, para além de exigir da sua parte uma ligação de compromisso, lealdade e fidelidade para com o Estado brasileiro; 17. Nesse sentido, apontam as supra referidas Lei nº 10 480, de 2 de Julho de 2002 (v., em especial, os art.ºs. 9º, 10º, 11º, 12º) e Portaria MDIC n.° 65, de 18 de Abril de 2006 (v., em especial, os artºs. 1º, 3º, 7º, 96º, 98º, 149º, 151º), juntas a fls. 56 a 127 dos autos; 18. O Requerido não foi seleccionado, recrutado, admitido, mas sim "nomeado", escolhido, por membros do Governo do Brasil, para exercer funções (e posteriormente até "exonerado", por despacho do Presidente da República do Brasil, com publicação no jornal oficial) e para exercer, em comissão, "cargo de confiança".

19. Por tudo quanto foi dito e conforme melhor resulta dos autos, a douta decisão recorrida fez um inadequado julgamento, de facto e de direito, tendo violado as disposições legais e os princípios de direito contidos no artigo 9º, als. a) e c) da Lei nº 37/81, na redacção dada pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, no artigo 56º, n.

e 2, ais. a) e c) do Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro e no artigo 343º, nº l, do Código Civil; 20. Assim, mal decidiu o Tribunal Administrativo Círculo de Lisboa ao julgar improcedente a oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade do Recorrido e ao ordenar o prosseguimento do processo conducente ao registo respectivo, pelo que, dando-se provimento ao presente recurso, deve aquela revogada e substituída por outra em que se declare a procedência da presente acção.

* O Recorrido contra-alegou, concluindo como segue: 1. O MP faz uma errónea interpretação do artigo 3.° número l da LN o qual é claro e concreto quanto ao seu conteúdo.

2. Este artigo admite a possibilidade de aquisição da nacionalidade por quem, na constância do matrimónio com cidadão português que perdure há mais de três anos, declare ser essa a sua vontade.

3. Cumprindo todos estes requisitos, o R. aqui Recorrido declarou ser sua vontade adquirir a nacionalidade portuguesa.

4. O ónus da prova, considerando a...

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