Acórdão nº 00839/12.4BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Dezembro de 2013
Magistrado Responsável | Carlos Lu |
Data da Resolução | 20 de Dezembro de 2013 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.
RELATÓRIO “MUNICÍPIO DE AVEIRO” [doravante «MA»], devidamente identificado nos autos, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Aveiro, datada de 26.03.2013, que julgando procedente as exceções de ilegitimidade ativa, de interesse em agir e de inimpugnabilidade do ato, absolveu a R.
“PCM...” da instância relativa à presente ação administrativa especial na qual aquele havia peticionado a “… invalidade do despacho do Secretário de Estado das Autarquias Locais datado de 28.12.2010 mediante o qual foi homologada a solução interpretativa saída da reunião da Direção Geral das Autarquias Locais de 8 de julho de 2010 em matéria de regime de pagamento de senhas de presença aos membros das assembleias municipais …”.
Formula, nas respetivas alegações [cfr. fls. 145 e segs. e correção de fls. 202 e segs. após convite ao aperfeiçoamento - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], as seguintes conclusões: “… a) Improcede em absoluto a alegada ilegitimidade processual ativa do Município de Aveiro, A. e aqui Recorrente - que a entidade demandada invocou na sua douta contestação e obteve acolhimento na sentença de que ora se recorre - vinculado que está ao princípio da legalidade em matéria de realização de despesas, devendo realizar unicamente aquelas que conheçam e beneficiem de uma cobertura legal (tanto nos termos da Lei das Finanças Locais [Lei 2/2007 de 15 de janeiro] alínea c) do n.º 2 do respetivo artigo 3.º como em termos do estatuído na alínea f) do n.º 1 do artigo 55.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 9.º n.º 2 do mesmo Código) - tudo evidenciando errónea interpretação do estatuído nos artigos 9.º, n.º 2 e 55.º, n.º 1 alíneas a) e f) do CPTA; b) Improcede, igualmente, salvo outro e melhor juízo, a exceção da falta de interesse em agir sustentada pela entidade pública demandada e que mereceu o acolhimento da douta sentença recorrida, dado estarmos ante «uma situação de incerteza objetiva e grave, que resulte de um facto e que seja capaz de trazer um sério prejuízo ao demandante» - critério a que a referida entidade pública demandada entendeu dever lançar mão para aferir da existência ou não do dito «interesse em agir», posto ninguém poder pôr em causa a incerteza do A. e ora recorrente e o prejuízo que para si poderia advir caso não cumprisse com rigor e exemplaridade as suas obrigações perante os seus titulares dos seus órgãos autárquicos - assim também se promovendo uma desconforme interpretação e aplicação do citado artigo 9.º, n.º 2 CPTA.
-
De facto, o Despacho SAEL que aqui se põe em crise, veio criar uma grave e objetiva situação de incerteza, fundada numa nova e errónea interpretação da legislação vigente, suficientemente capaz de trazer sério prejuízo ao A. aqui recorrente: qual seja o de, para lhe dar cumprimento e por a ele estar obrigado, se ver na contingência de ter de violar o que considera ser a correta e válida estatuição prevista no artigo 10.º, n.º 1 do Estatuto dos Eleitos Locais.
Nessa medida, e salvo outro e melhor entendimento, acolher a doutrina consagrada na sentença recorrida levaria a uma distorção do Estatuto dos Eleitos locais, mormente do n.º 1 do seu artigo 10.º.
-
Segundo o critério plasmado no artigo 55.º, n.º 1 alínea a) do CPTA) a legitimidade para a impugnação de um ato administrativo afere-se pela alegação da titularidade de um interesse direto e pessoal «designadamente» (sublinhado nosso) por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legitimamente protegidos. Mas não se esgota aí – dado que admite situações em que essa legitimidade radica em quem seja titular de um interesse direto e pessoal que seja, real e/ou potencialmente, afetado ou atingido com o ato que se pretende impugnar. Como parece inequívoco ser o estatuto do A. e ora Recorrente! Contrariamente ao sustentado na decisão recorrida, à luz do normativo citado, nada parece obstar ou limitar a legitimidade do A. e ora Recorrente para impugnar o ato que pretende colocar em crise.
-
Finalmente - improcede a alegada exceção da inimpugnabilidade do ato administrativo impugnado, sustentada pela entidade pública demandada na sua douta contestação e confirmada pela sentença recorrida.
-
De facto, o Despacho SEAL que se impugna é um verdadeiro ato administrativo, encerra inequívoco um conteúdo decisório, define situações jurídicas e possui inegável eficácia externa, não se circunscrevendo os seus efeitos jurídicos ao interior da pessoa jurídica cujo órgão o praticou - reunindo todos os requisitos previstos, nomeadamente, no artigo 120.º CPA.
-
Ao homologar a solução interpretativa saída da reunião de coordenação jurídica da DGAL de 8 de julho de 2010 em matéria de regime de pagamento de senhas de presença aos membros das assembleias municipais, o Despacho SAEL que se põe em crise externalizou os efeitos jurídicos da solução interpretativa saída daquela reunião de coordenação jurídica.
-
Ao contrário do que é pretendido pela entidade demandada e teve acolhimento na douta sentença recorrida, não se tratou de um simples despacho interno que uniformizou interpretações procedimentais e entendimento jurídico para os organismos funcionalmente dependentes e/ou articulados com a DGAL, a saber: IGAT, CEFA e DRAL.
-
A partir da prolação do referido despacho homologatório, outras entidades públicas (v.g., a IGF em matéria de legalidade das despesas efetuadas pelas autarquias locais) que exercem diferentes controles e/ou tutelas sobre as autarquias locais (v.g., económico-financeira) passaram, por igual, a respeitar o seu conteúdo ou, pelo menos, a adequar a sua atividade, mormente inspetiva, e a conformar a sua atuação com o entendimento vertido no Despacho que se põe em crise …”.
O R., aqui recorrido, apresentou contra-alegações [cfr. fls. 170 e segs.
] nas quais pugna pela manutenção do julgado sem, todavia, haver formulado quaisquer conclusões.
O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [cfr. fls. 210/212], parecer esse que objeto de contraditório não mereceu qualquer resposta [cfr. fls. 213 e segs.
].
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
-
DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 05.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 e 639.º do CPC/2013 [na redação introduzida pela Lei n.º 41/013, de 26.06 - cfr. arts. 05.º e 07.º, n.º 1 daquele diploma -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC] [anteriores arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do CPC - na redação introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08] “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar totalmente procedentes as exceções de ilegitimidade processual ativa, de falta de interesse em agir e de inimpugnabilidade do ato, incorreu ou não em erro de julgamento por enfermar de violação do disposto, nomeadamente, nos arts. 09.º, n.º 2, 51.º e 55.º, n.º 1, als. a) e f) do CPTA, 120.º do CPA, 10.º, n.º 1 do Estatuto dos Eleitos Locais [«EEL»], 03.º, n.º 2, al. c) da Lei das Finanças Locais («LFL»] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].
-
FUNDAMENTOS 3.1.
DE FACTO Da decisão recorrida resultaram provados os seguintes factos: I) Nos termos do diploma orgânico da Direção Geral das Autarquias Locais («DGAL»), aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2012, de 16 de janeiro, constituem atribuições daquele serviço «assegurar os meios e os instrumentos necessários ao apoio e à cooperação técnica e financeira entre a administração central e a administração local autárquica, em articulação com as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR)», bem como «coordenar e sistematizar as informações e pareceres jurídicos prestados pelas CCDR sobre matérias relacionadas com a administração local, promovendo a respetiva uniformidade interpretativa» - cfr. alíneas a) e e) do n.º 2 do respetivo artigo 2.º.
II) Estão em causa atribuições da «DGAL» e que constavam já, nos mesmos termos, de anteriores diplomas orgânicos: o Decreto Regulamentar n.º 44/2007, de 27 de abril, que sucedeu ao Decreto-Lei n.º 154/98, de 6 de junho.
III) A «DGAL» está presentemente e estava à data do despacho do «SEAL», integrada na PCM..., mais concretamente, na dependência do Secretário de Estado da Administração Local e Reforma Administrativa.
IV) As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional («CCDR») são serviços periféricos da administração direta do Estado que dispõem de competência própria para prestação de apoio técnico-jurídico às autarquias locais, nos termos dos artigos 1.º e 2.º, n.º 2, al. g), do Decreto-Lei n.º 134/2007, de 27 de abril, enquanto que a «DGAL» deverá conciliar-se com aquelas zelando pela sistematização dos pareceres jurídicos e pela respetiva uniformidade interpretativa.
-
As «CCDR» encontram-se atualmente sob a direção do Ministro da Economia e do Emprego que, nalguns casos, se articula com outros membros do Governo [cfr. art. 16.º da Lei Orgânica do XIX...
-
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO