Acórdão nº 07699/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O presente recurso (contra sentença de TAC) vem interposto pelo a.

· ... intentou Acção Administrativa Especial contra · Ministério da Defesa Nacional.

Pediu ao tribunal da 1ª instância (TAC de ALMADA) o seguinte: - Anulação do acto que indeferiu o recurso hierárquico e lhe aplicou a pena de cinco dias de detenção.

* Por sentença de 23-3-2011 (após este TCAS declarar a competência dos TACs), o referido tribunal decidiu absolver o réu do pedido.

* Inconformado, o a. recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1ª A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em matéria de facto na medida em que concluiu da afirmação que era militar e que veio passear, desacompanhada de outros factos, o arguido se encontrava perfeitamente enquadrado nos actos e finalidades dos militares que neste tomaram parte no designado “passeio do descontentamento”.

  1. Não existe contradição entre o afirmar que veio passear na parte das declarações ao jornalista, com o explicitado posteriormente, de que se dirigia ao Metro, pois as duas situações factuais podem suceder-se no tempo.

  2. Na apreciação da situação subjacente aos autos, o tribunal secundando o entendimento das autoridades militares, partiu de um princípio de culpa do arguido, no que errou, pois, entendeu que seria o arguido que teria de demonstrar que estava de passagem, o que viola o princípio da inocência.

  3. O facto de se ter identificado e punido o arguido através das palavras que referiu à SIC e não terem sido identificados qualquer outro das centenas à civil através das centenas de fotografias que foram tiradas e que constam nos CD`s juntos aos autos, demonstra inequivocamente que as autoridades militares quiseram limitar as punições aos militares que por qualquer modo tinham falado, ou se encontravam fardados.

  4. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que não viola o princípio da imparcialidade e não discriminação constante dos artigos 6° do CPA e 266°, n° 2 da CRP, o acto administrativo de punição do recorrente, identificado porque deu uma inócua entrevista à SIC, quando é manifesto que caso tivesse havido um mínimo de investigação teriam sido punidos outros que efectivamente se manifestaram e que constam dos CD`s juntos aos autos, e não o recorrente.

  5. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento e nulidade, na medida em que decidiu que não existia desvio de poder, quando é certo que o militar, anteriormente acusado disciplinarmente por duas vezes e absolvido por ter dado entrevista à SIC, foi o único à civil punido de entre centenas, e o 1° Ministro condenou em entrevista a acção dos militares que fizeram o “passeio”, sendo o recorrente do entendimento que o poder disciplinar foi utilizado de forma arbitrária e para satisfazer pressões políticas e não para punir infracções disciplinares.

  6. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento com violação e errada interpretação dos artigos 2°, n° 1 e 2, e 3°, n°1 do Decreto-Lei n° 406/74, de 29 de Agosto, na medida em que estes preceitos são inconstitucionais com o critério normativo de que a comunicação prévia aí prevista envolve a qualificação de violação de lei se a comunicação faltar, pois isso contende com o exercício efectivo do direito fundamental de manifestação consagrado no artigo 45° da CRP, ofendendo-o directamente na medida em que tal qualificação quando inexiste a comunicação prévia, não se coaduna com o regime constitucional de um direito fundamental de liberdade, tão intenso e valioso como é o direito de manifestação, que não autoriza ou supõe expressamente restrições.

  7. A sentença recorrida ao considerar que no caso dos autos a inexistência de aviso prévio conduzia à ilegalidade da manifestação, interpreta o artigo 2°, n° 1 e 3° do DL 406/74 com violação do princípio da necessidade e proibição do excesso decorrente do artigo 18°, n° 2, da CRP, dado que no caso existia conhecimento da realização da manifestação, o número de manifestantes era relativamente reduzido, era anunciada como um simples passeio, e não interferia, tal como não interferiu, com o trânsito e a segurança, o que permitia com facilidade adoptar as medidas de polícia adequadas.

  8. A sentença recorrida ao não se pronunciar relativamente à conclusão H, de que o acto impugnado não elenca factos dos quais se possa concluir que foi afectada a coesão e a disciplina das Forças Armadas, incorre em omissão de pronúncia e nulidade nos termos do artigo 668°, n° 1, alínea d) do CPC.

  9. Não tendo sido invocado pelo R. quais os factos praticados que afectaram a coesão e a disciplina das Forças Armadas e tendo o tribunal se bastado com a possibilidade de tal afectação, a sentença recorrida efectuou uma errada interpretação do n° 1 do artigo 31°- C da Lei 29/82, de 11 de Dezembro, na redacção da Lei 4/2001.

  10. A sentença recorrida efectuou um erro de julgamento na medida em que não considerou que a coesão e a disciplina das Forças Armadas são juízos de valor que por imprecisos e adjectivos e falta de densificação não permitem a defesa, ainda mais quando, como foi o caso a entidade demandada não esclareceu no processo o alcance e âmbito de tais questões.

  11. O preceito do artigo 31°-C aditado à Lei 29/82 de 11 de Dezembro de 1982 (LDNFA), pela Lei 4/2001, de 30 de Agosto, é materialmente inconstitucional com o critério normativo de condicionar o direito de manifestação dos cidadãos referidos no artigo 31° da mesma lei, à existência de “manifestação legalmente convocada”, pois isso contende com o exercício efectivo fundamental de manifestação consagrado no artigo 45° da CRP, ofendendo-o directamente, na medida em que essa exigência não se coaduna com o regime constitucional de um direito fundamental tão intenso e valioso como é o direito de manifestação, que não atinge ou supõe expressamente restrições 13ª. O artigo 31°-C aditado à Lei 29/82 de 11 de Dezembro de 1982 (LDNFA), pela Lei 4/2001, de 30 de Agosto, é inconstitucional por violação do princípio do estado de direito e princípio da reserva de lei, decorrentes dos artigos 2° e 18°, n° 2, da CRP, na medida em que não possui uma densificação suficiente da liberdade de actuação da administração militar no que respeita à definição dos limites que poderá fixar ao direito de manifestação, com a consequente inviabilidade de controlo judicial das medidas adoptadas.

  12. A sentença recorrida interpreta erradamente o dever do artigo 4° do RDM, bem como o artigo 31-C da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas na parte em que entende que o exercício do direito de manifestação com fundamento no exercício de direitos socioprofissionais pode estar condicionado à autorização hierárquica das chefias militares.

  13. É inconstitucional a norma do dever 12° do artigo 4° do RDM, por violação do princípio do excesso a que se refere o artigo 18° da CRP, na medida em que ofende o conteúdo essencial do direito fundamental de manifestação, e por constituir restrição que ultrapassa o âmbito do artigo 270° da CRP condicionar o exercício do direito de manifestação e reunião à autorização hierárquica das chefias militares.

  14. Deve considerar-se que é inconstitucional por violação dos artigos 18° e 45° da CRP e direitos de reunião e manifestação, a interpretação do n° 2 do artigo 3° do Decreto-Lei 406/74, de 29 de Agosto, e 31-C da Lei 29/82, efectuada no sentido de que o Sr. Governador Civil pode proibir um passeio com o fundamento em “parecer do Conselho de Chefes de Estado-Maior que considera a acção como ilegal e susceptível de afectar a coesão e a disciplina das Forças Armadas”.

  15. Também é inconstitucional por violação dos artigos 18° (aplicabilidade directa, princípios da proporcionalidade e necessidade), 270° (princípio da necessidade e tipicidade das restrições), 45° (direito de geral de manifestação) da CRP a interpretação do artigo 31-C da Lei 29/82, segundo a qual compete às Forças Armadas a declaração de que uma acção não reivindicativa e silenciosa, praticada por militares na efectividade de serviço, desarmados, no exercício dos direitos socioprofissionais, contende com a coesão e a disciplina das forças Armadas, com a finalidade de impedir a participação dos referidos militares, ou aplicar penas disciplinares aos que integraram a referida acção.

  16. O n°1 do artigo 31°-C da Lei 29/82, de 11de Dezembro, na redacção da Lei 4/2001, de 30 de Agosto, se interpretado no sentido de que quaisquer acções ou atitudes visíveis que os militares assumam na defesa do seu estatuto socioprofissional, nomeadamente um “passeio” com as suas famílias com as características de facto que tal passeio assumiu, à mistura com população que em tal local se encontra, corresponde a manifestação que tem natureza sindical ou põe em causa a coesão e a disciplina das Forças Armadas é inconstitucional por ofensa dos princípios da necessidade e proporcionalidade constantes dos artigos 18° e 270° da CRP.

* O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.(1) * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. FACTOS RELEVANTES PROVADOS segundo o tribunal recorrido “OMISSIS” * III.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO Âmbito do recurso - questões a resolver Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões (sintéticas) da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser oficiosamente conhecidas(2). Assim, considerando as conclusões apresentadas resultantes do corpo alegatório, o presente recurso demanda a apreciação (contra a decisão ora recorrida) dos pontos abaixo discriminados.

* A decisão jurisdicional ora recorrida...

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