Acórdão nº 00201/06.8BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelNuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Data da Resolução15 de Novembro de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. Relatório 1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a presente impugnação judicial da liquidação de imposto sobre o valor acrescentado e juros compensatórios relativa ao período de 2001, no montante de € 12.535,30.

Recurso esse que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, que rematou com as seguintes conclusões: A) A interposição do presente recurso tem por base a não aceitação da douta decisão proferida, no que concerne à existência do vício de forma, consubstanciado na não demonstração da falta de correspondência entre a escrita da impugnante e a realidade, não ilidindo assim a presunção de verdade da declaração da impugnante, a que estava obrigada nos termos da art. 75º, nºs 1 e 2 da LGT.

B) Em discussão nos presentes autos está a desconsideração das facturas emitidas pela empresa “D..., Lda.”, que estiveram na origem da liquidação adicional de IVA, objecto da presente impugnação, com fundamento em que há IVA indevidamente liquidado e deduzido, o que não pode ser aceite porque as facturas que lhe estão subjacentes não titulam serviços realmente efectuados, motivo porque tal IVA não pode ser relevado, uma vez que as facturas em causa, discriminadas a fls. 190 dos autos, não titulam operações realmente efectuadas.

C) Como se refere na douta sentença, é efectivamente verdade que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, nos termos do disposto no art. 74º, n.º1 da LGT.

D) Todavia não podemos esquecer que na situação sub judice a liquidação resulta, não da afirmação pela administração tributária da existência de factos tributários não declarados, nem sequer de uma quantificação desses factos diferente da declarada, mas antes da não aceitação pela administração tributária de factos constitutivos do direito do contribuinte e que tem a ver com os custos relevados negativamente no seu rendimento colectável, e com o IVA indevidamente deduzido.

E) O que, por si, leva a que se deva ter em linha de conta, para a construção do quadro de normalidade que há-se servir de paradigma normativo para a distribuição das responsabilidades probatórias, a sujeição da Administração aos princípios da legalidade e da juridicidade e, pelo menos, no que respeita aos actos desfavoráveis, o dever de fundamentação.

F) Isto é, há-se caber efectivamente à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável).

G) Em contrapartida, caberá ao Impugnante apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos, não bastando dizer, genericamente, que se fizeram as obras. Era necessário alegar e provar, relativamente a cada factura, nomeadamente, qual o pessoal contratado, qual o serviço prestado, o local da prestação do serviço, o tempo desse serviço, etc., de modo a que a AT pudesse verificar a veracidade do conteúdo das facturas.

H) No caso dos autos – de liquidação adicional de IVA com fundamento em que não pode ser confrontado o direito à dedução porque resulta de operações simuladas, que não tiveram existência real, sendo que as facturas que as facturas que as suportam não titulam operações realmente efectuadas, não é a AT que está a afirmar a existência do facto tributário mas o contribuinte. A AT limita-se a não reconhecer o direito a que o contribuinte se arroga de liquidar e deduzir o IVA, com fundamento na inexistência dos serviços prestados que o suportariam (as operações que o contribuinte diz tituladas pelas facturas em causa).

I) Logo, cabe à Impugnante apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos, solução que corresponde à regra geral consagrada no art. 342º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos desses direito.

J) É indiscutível que da motivação fundamentadora constante do relatório inspectivo e, ao contrariamente ao decidido, o transposto para o relatório de inspecção, em termos de descrição da informação concreta recolhida que subjaz à decisão, já sobejamente referido e que, por esse motivo, nos escusamos de aqui reescrever, considerando-o reproduzido para os devidos efeitos, foi de modo a satisfazer o dever que sobre a administração tributária impendia em sede de procedimento administrativo e a autorizar a conclusão aí extraída, pois que não se limitou a pôr em causa a realização daquele custo facturado e tratado contabilisticamente; K) Antes, como já vimos, reflecte motivação que, de forma coerente e credível, conduz à conclusão de que deve ser desconsiderado o valor constante das facturas supra identificadas, emitidas pela “D…, Lda.”, e utilizadas pela aqui Impugnante M..., Lda.

L) De acordo com a experiência comum, facturar serviços de mão-de-obra e transmissões de bens quando não se possui trabalhadores suficientes para a quantidade de serviços prestados, estando-se indiciado como emitente de facturação falsa e, genericamente incumpridores quer das obrigações contabilísticas como das obrigações fiscais, não pode deixar de considerar-se como suspeita séria de que as facturas não traduzem factos verídicos.

M) Perante estas suspeitas de falsidade, cabia então à impugnante o ónus da prova da veracidade das transacções tituladas pelas facturas – prestações de serviços e transmissões de bens com indicação da sua especificação, indicação da sua localização, quantidades, tempo de duração, pessoas que os realizaram, entre outros.

N) O que não fez, pois a prova produzida não é de molde a contrariar a inexistência das operações supostamente subjacentes àquelas contestadas facturas.

O) Não foi possível estabelecer qualquer conexão entre a facturação dos serviços prestados e os autos de medição, os orçamentos e os locais dos serviços prescrito, apenas descritos globalmente.

P) Logo, para afastar a incerteza dos valores em presença, não lhe bastava criar a dúvida, antes lhe competia demonstrar inequivocamente, e com grande rigor, a materialidade das operações mencionadas nas facturas, o que não logrou fazer (embora, a não serem fictícias, facilmente seria conseguido).

Q) Assim, e porque o IVA daquela forma indevidamente liquidado e deduzido, e contabilizado, não se enquadra nos n.ºs 2 e 3 do art. 19º do CIVA, pelo que não será de aceitar como custo fiscal, atento os indícios seguros de que as referidas facturas não titulam quaisquer serviços prestados nem transacções comerciais, e que a administração tributária coligiu no relatório de procedimento inspectivo.

R) Não se verificando a ilegalidade sentenciada, a douta sentença padece de erro se julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito, por violação ao disposto no n.º 2 do art. 19º do CIVA, devendo considerar-se válido o acto tributário de liquidação e, como tal, manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos, Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

» 1.2. Não houve contra-alegações.

Neste Tribunal, a Ex.mª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao presente recurso e mantida na ordem jurídica a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

  1. Do Objeto do Recurso É sabido que são as conclusões do recurso que delimitam o seu objeto. «Relativamente ao recurso, as conclusões acabam por exercer uma função semelhante à do pedido na petição inicial ou à das excepções na contestação. Salvo quando se trate de matérias do conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que, além disso, não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, sob cominação de nulidade» (ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in «Recursos em Processo Civil - Novo Regime», segunda edição, rev. e act., pág. 91).

    O que vem ao caso porque, no artigo 4.º das doutas alegações, a Recorrente imputa à sentença o «erro de julgamento quer no tocante à matéria de facto (insuficiência desta, sem delimitação adequada dos factos relevantes para a solução) quer em matéria de direito, uma vez que não efectuou correctamente a interpretação dos art.s 75º, 81º, 87º e 88º da Lei Geral Tributária e art. 19º do CIVA».

    Sem que, todavia, tivesse inserido nas conclusões qualquer referência ao erro de julgamento na matéria de facto ou ali indicado qualquer facto que, tendo sido alegado nos articulados ou sendo do conhecimento oficioso, não tivesse sido considerado no julgamento efetuado e o devesse ter sido.

    De qualquer modo, ainda que o artigo 4.º das doutas alegações estivesse reproduzido nas conclusões, nem por isso o recurso poderia ser admitido, nesta parte. É que sobre a Recorrente recairia, então, o ónus de especificar os concretos pontos de facto que não foram considerados e o deveriam ter sido, bem como os concretos meios probatórios que sustentariam o julgamento de facto respetivo (artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, na redação então em vigor). E nada disso consta das alegações do recurso nem das suas conclusões.

    Outrossim, decorre das conclusões do recurso que a Recorrente não se conforma com o decidido em primeira instância porque, na aplicação do direito aos factos provados, esta fez errada interpretação e aplicação das regas do ónus probatório. Porque, na perspetiva daquela, não era à administração tributária que cabia demonstrar a inexistência do facto tributário arrogado pelo sujeito passivo, mas a este demonstrar a sua ocorrência.

  2. Do Julgamento de Facto 3.1. Foi o seguinte o julgamento...

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