Acórdão nº 10152/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Julho de 2013

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução11 de Julho de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Recorrente: A... – Construções A..., SA Recorrido: Estado Português e outros Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul Vem interposto recurso da sentença do TAF de Castelo Branco, que decidiu «indeferir liminarmente a providência», por julgar ser o TAF de Castelo Branco absolutamente incompetente.

Através da acção peticionava o A. que fosse ordenado à C...que se abstivesse de prosseguir com o pedido de pagamento de €53.713,82, por via do accionamento da caução garantia, prestada no âmbito do contrato de empreitada «Construção da Barragem, Redes de Rega, Viária e de Drenagem, Estação Elevatória e Ajudas do Retaxo do Aproveitamento Hidroagrícola da Coutada Tamujais».

Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões: «I. O presente Recurso tem por objecto a douta sentença proferida no âmbito dos autos de procedimento cautelar que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco sob o número 156/13.8BECTB, através da qual o douto Tribunal a quo se declarou materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado pela Requerente, aqui Recorrente, obstando, assim, a que conhecesse do mérito da causa, no sentido de a Requerida, aqui Recorrida C...se abster de prosseguir com o pedido de pagamento do montante de € 53.713,82 (cinquenta e três mil setecentos e treze euros e oitenta e dois cêntimos), por via do acionamento da caução-garantia on “first demand” e, por outro, que a Requerida D..., aqui Recorrida, se abstenha de pagar o mesmo montante de € 53.713,82 (cinquenta e três mil setecentos e treze euros e oitenta e dois cêntimos), em virtude do acionamento da mesma caução-garantia, ambos até à decisão com trânsito em julgado da acção principal de que depende a providência cautelar; II. Fundamenta para este efeito o douto Tribunal a quo o facto de que, por tratarem os autos de uma caução-garantia do tipo “à primeira solicitação” (on first demand), mesmo tendo em conta o carácter não absoluto, ilimitado, de tal garantia, “mas, e de todo o modo, mesmo “levantando-se a questão do incumprimento do contrato de empreitada de obra pública, tal questão pode ser resolvida pelo próprio tribunal comum como questão incidental e com força de caso julgado apenas dentro do processo, nos termos do artigo 96º do Código de Processo Civil.” (Ac. Da RP, de 15-12-2005, proc. 0536270), verificando de prova líquida e inequívoca conduta fraudulenta ou abusiva. Aqui e agora é a questão de competência que importa, e essa não é deste tribunal, o que logo liminarmente determina o não conhecimento.” (cfr. pág. 23 do douto Acórdão de que ora se recorre).; no que incorreu em erro de julgamento na matéria de direito, tendo, consequentemente, deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, o que constitui causa de nulidade da sentença proferida, nos termos do disposto no artigo 668º, nº 1, al. b) do Código de processo Civil, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA; III. Com efeito, a beneficiária da caução-garantia C...é uma entidade pública, porquanto é um serviço do Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, incumbido de apoiar o sector agrícola e das pescas, a nível regional e local, representando, nessa medida, o Estado Português; a caução-garantia foi prestada pela Recorrente, entidade privada, e emitida pela Recorrida D..., igualmente entidade privada, para assegurar o bom e atempado cumprimento das obrigações assumidas pela Recorrente no âmbito do Contrato de Empreitada melhor identificado nos autos, celebrado em 17 de Março de 2006 entre a Recorrida C...e a ora Recorrente, na sequência do Concurso Público Internacional nº 09/2004 para execução da Empreitada de “Construção da Barragem, Redes de Rega, Vária e de Drenagem, Estação Elevatória e Açude do Retaxo do Aproveitamento Hidroagrícola da Coutada Tamujais”; IV. O referido Contrato de Empreitada de Obra Pública reveste natureza administrativa, sendo regulado pelo Decreto-Lei nº 59/99, de 02 de Março, que estabelece o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, conforme é pacífico nos autos e na douta sentença de que ora se recorre; V. É igualmente incontestado o entendimento de que a caução-garantia em causa nos autos foi prestada on first demand, sendo autónoma e de pagamento automático; VI. Para apurarmos do erro de julgamento do tribunal a quo, deveremos analisar esta questão por três diferentes vectores, tomando sempre por base o entendimento doutrinal e jurisprudencial relativamente aos mesmos: a) o âmbito da jurisdição administrativa; b) as características do procedimento cautelar; c) as características da caução-garantia prestada on first demand; VII. Relativamente ao âmbito da jurisdição administrativa, é hoje entendimento da doutrina que o actual artigo 212º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, na sua interpretação mais razoável passa por consagrar os tribunais administrativos como os tribunais comuns em matéria administrativa, embora se deva entender igualmente que a ampliação da jurisdição administrativa permite que os tribunais administrativos passam também a aplicar, a título principal, normas de direito privado; VIII. No que se refere às características da tutela cautelar, natureza que foi ignorada pelo Mmo. Juiz a quo, verifica-se que o processo cautelar é um processo que tem uma finalidade própria: visa assegurar a utilidade da lide, isto é, de um processo que normalmente é mais ou menos longo, porque implica uma cognição plena, sendo esta mais uma faceta necessária da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrada (artigo 20º da CRP); IX. Vieira de Andrade refere que, “em virtude dessa função própria de prevenção contra a demora, as providências cautelares têm características típicas: a instrumentalidade – isto é, a dependência, na função e não apenas na estrutura, de uma acção principal, cuja utilidade visa assegurar; a provisoriedade – pois que não está em causa a resolução definitiva de um litígio; e a sumaridade – que se manifesta numa cognição sumária de uma situação de facto e de direito, própria de um processo provisório e urgente.” (negrito nosso); tal instrumentalidade funcional revela-se em várias normas, designadamente a que mais nos importa in casu: o tribunal competente (artigo 114º, nº 2 do CPTA).

X. Com efeito, como poderia a ora Recorrente intentar, conforme resulta da douta sentença a quo, a providência cautelar num tribunal cível quando, conforme resultará demonstrado infra, a acção principal a propor será necessariamente administrativa, devendo ser, consequentemente, intentada nos tribunais administrativos? XI. O terceiro vector necessário para a análise sobre o erro de julgamento do tribunal a quo é a questão de saber se um litígio relativo a uma garantia on first demand é absolutamente um litígio de direito civil, devendo, em consequência, ser dirimido nos tribunais cíveis, ou se se admitem excepções a este princípio; XII. Partindo do princípio de que as garantias podem ser garantias autónomas e independentes (“on first demand”), ou então, fiança e / ou garantias autónomas simples, e de que é incontroverso de que nos presentes autos, a garantia em causa é on first demand, o pedido das Recorrentes para que ocorra a recusa de pagamento por parte do garante é legítima? XIII. Analisando a estrutura jurídica da garantia bancária autónoma, verificamos que a mesma pressupõe uma relação jurídica triangular, conforme referenciada no douto acórdão de que ora se recorre: (i) entre o ordenante e o banco garante (relação de cobertura); (ii) entre o ordenante e o beneficiário da garantia e que está subjacente à prestação da própria garantia bancária (relação de base ou de valuta); (iii) entre o banco garante e o beneficiário da garantia (relação de garantia).

XIV. Mas, recorrendo à douta jurisprudência plasmada no acórdão do T.C.A.N. de 09 de Fevereiro de 2012, conclui-se que, é igualmente hoje, unanimemente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, que, não obstante a autonomia da obrigação de garantia face à obrigação principal e a automaticidade da garantia assumida, o garante pode recusar (licitamente) o pagamento demandado pelo beneficiário da garantia; XV. Com efeito, a automaticidade da garantia não é absoluta, sendo consensual a admissão da possibilidade de oposição pelo garante ao beneficiário da garantia em (i) caso de fraude manifesta ou (ii) abuso evidente deste na...

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