Acórdão nº 00874/05.9BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução31 de Maio de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:I RELATÓRIO1. AMSG..., identif. nos autos, inconformado, veio interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do TAF de Viseu, datada de 28 de Fevereiro de 2011, que julgou improcedente a acção administrativa especial conexa com actos administrativos, instaurada contra o MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO, onde pretendia ver anulada a decisão da Ministra da educação de 10/1/2005, que, em sede de recurso hierárquico, manteve a pena disciplinar de inactividade, pelo período de um ano que lhe foi aplicada pela Directora Regional de Educação do Centro.

*2.

O recorrente formulou alegações que finalizou com as seguintes conclusões: “1.ª O aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artº 668º do CPC por haver uma total contradição entre os fundamentos de facto – dos quais não resulta provado que o recorrente tenha praticado qualquer facto ou comportamento, designadamente aquele por que fora punido – e a decisão alcançada – que confirma a legalidade do acto punitivo por o recorrente ter adoptado uma conduta violadora dos seus deveres disciplinares.

  1. Ao não permitir ao A. fazer prova dos factos por si alegados no intuito de demonstrar não ter praticado a conduta que lhe foi imputada e, consequentemente, demonstrar a procedência dos vícios imputados ao acto punitivo, o Tribunal a quo incorreu em flagrante erro de julgamento, omitindo uma formalidade que lhe era imposta pelo artº 87º/1/c) e pelo artº 511º do CPC – a elaboração de uma base instrutória dos factos controvertidos e a notificação para a produção de prova – e atentando contra as mais elementares garantias de um Estado de Direito, violando frontalmente o direito à tutela judicial efectiva, consagrado no nº 4 do artº 268º da Constituição, e o princípio da igualdade das partes, assegurado pelo artº 6º do CPA, para além de partir de uma presunção de culpabilidade do arguido (decorrente da junção aos autos do instrutor do procedimento disciplinar) de todo incompatível com a presunção de inocência assegurada pelo artº 32º da Constituição.

    Na verdade, 3ª O direito fundamental à tutela judicial efectiva assegura o “…direito a um processo paritário com aplicação efectiva do princípio do contraditório e plenas possibilidades de defesa…” (v. Mário Aroso de Almeida, Os Direitos Fundamentais dos Administrados após a Revisão Constitucional de 1989, Revista Direito e Justiça, vol. VI, 1992, p. 325), permitindo às partes “… proporcionar todos os elementos que reputem necessários à apreciação das pretensões deduzidas…” (v. Jésus González Perez, El Derecho a la tutela jurisdiccional, p. 71), pelo que o Tribunal tem de proceder ao controlo da controlo da materialidade dos factos, (v, neste sentido, LUÍS VASCONCELOS DE ABREU, “Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: as relações com o Processo Penal”, pág. 65 e Ac.ºs do STA de 05/06/90, Proc. 27849, de 15/03/90, A.D. 349/15 e de 13/04/89, A.D. 339/331), apreciando a veracidade e ocorrência ou não ocorrência dos factos determinantes da punição (v., o nosso, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, 2ª Edição, 2011, p. 122).

    Por sua vez, 4ª O princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 6º do CPTA, assegura um estatuto de igualdade efectiva das partes no que se refere ao uso dos meios de defesa, inviabilizando que só uma das partes possa provar os factos que interessam à sua pretensão e que essa prova prevaleça sobre qualquer outra, ao ponto de impedir a outra parte de provar os factos contrários e constitutivos do direito que invoca.

    Por fim, 5ª O princípio da presunção da inocência determina que os factos constitutivos de uma infracção disciplinar tenham de ser provados em juízo pela Administração em juízo, sendo ilícita qualquer presunção de culpabilidade ou inversão do ónus da prova, devendo ser a Administração a suportar as consequências da falta de demonstração dos factos constitutivos da posição que fez valer no plano extra-judicial quando praticou o acto impugnado (v., Mário Aroso de Almeida, “Sobre as regras de distribuição do ónus material da prova no recurso contencioso de anulação de actos administrativos”, CJA, nº 20, p. 50; PAULO VEIGA E MOURA, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, 2ª Edição, 2011, p. 257 e, na jurisprudência o Ac. do STA de 26-01-2000, in CJA, nº 20, p. 44 e os Acºs do TCAS de 30-11-2005, proc. nº 12323/02, de 24-06-2004, proc. nº 12363/03 e de 9-10-2008, proc. nº 01782/06), Consequentemente, 6ª Seja por força do direito à tutela judicial efectiva, seja por força do princípio da igualdade das partes ou por força do princípio da presunção da inocência, é inegável que num Estado de Direito o Tribunal tem de permitir a uma das partes fazer prova dos factos por si alegados e demonstrativos de não ter praticado uma dada conduta pelo qual foi punido, da mesma forma que não pode partir de uma presunção de culpabilidade por uma das partes anteriormente ter considerado que tal conduta havia sido praticada e ter junto aos autos o processo em que tal conclusão foi alcançada, antes lhe competindo assegurar que às partes seja permitido provar em juízo os factos integrantes da sua pretensão para, com base na prova igualitária produzida, verificar se ocorrem ou não os vícios imputados ao acto administrativo.

  2. Assim sendo, é manifesto o grave erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo ao ter julgado improcedente a acção impugnatória sem ter permitido ao A. provar os factos por si alegados e a bondade dos vícios invocados com o argumento de que o processo disciplinar já havia concluído pela culpabilidade do arguido e ao Tribunal não competia verificar a bondade e o acerto da prova factual dada por assente em sede disciplinar, podendo-se dizer que semelhante entendimento é tributário de um Estado totalitário e da já ultrapassada tese da jurisdição administrativa como um prolongamento da Administração ou como uma jurisdição menor e marcada por uma capitis deminutio em termos de poderes de julgar.

    Acresce que, 8ª O aresto em recurso enferma igualmente de erro de julgamento, violando frontalmente o artº 3º do DL nº 24/84, uma vez que a conduta pela qual o A. foi punido ocorreu no domínio da vida privada e não tinha qualquer ligação com a sua actividade profissional ou com o serviço, pelo que não constituía infracção disciplinar por esta pressupor sempre um nexo causal com o serviço, só podendo as condutas adoptadas fora de serviço só podem ser punidas quando esse nexo funcional existir, sob pena de violação do disposto no artº 271º da Constituição e do artº 3º do DL nº 24/84 (v., neste sentido, PAULO VEIGA E MOURA, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública Anotado, 2ª Edição, 2011, Págs. 50 a 54).

  3. O aresto em recurso enferma ainda de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, com a consequente violação dos arts. 3º e 25º do ED, por o processo criminal instaurado ao recorrente pelos mesmos factos ter sido arquivado, pelo que, por força da prevalência das decisões judiciais sobre as decisões das autoridades administrativas, sempre seria manifesta a inexistência de qualquer ilícito disciplinar e a consequente ilegalidade do acto punitivo.

  4. A decisão impugnada violava o princípio da proporcionalidade das penas consagrado no art. 28º do DL 24/84, uma vez que não atendeu a todas as circunstâncias que este preceito manda atender na determinação da pena, pelo que sempre o Tribunal a quo deveria ter anulado aquela decisão por violação do princípio da proporcionalidade, tanto mais que por força do artº 4º/5 da Lei nº 58/2008 a pena aplicada pelo acto impugnado fora convertida ex vi legis em pena de suspensão pelo período de 90 dias.

    Por fim, 11ª A decisão punitiva não observara o princípio da audiência dos interessados consagrado no art. 267º, nº 5, e nos arts. 100º e 101º do CPA, o qual é aplicável mesmo no domínio dos processos sancionatórios (v., neste sentido, FREITAS DO AMARAL, O Novo...

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