Acórdão nº 03993/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelCristina dos Santos
Data da Resolução06 de Novembro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Eli ...e L... ..., Lda., com os sinais nos autos, inconformadas com a sentença proferida pela Mma. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente o pedido de suspensão de eficácia dos despachos de AIM proferidos pelo ora Recorrido Infarmed - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, IP, dela vêm recorrer, concluindo como segue.

  1. Os autos não demonstram que as decisões da DGAE de suspensão do procedimento de autorização do PVP dos genéricos destes autos constituem caso decidido administrativo por ter decorrido o prazo de recurso sem que das mesmas tenha sido interposto recurso hierárquico ou contencioso.

  2. Apenas no caso em os ditos actos administrativos constituíssem caso decidido vinculativo para a DGAE, seria inútil o presente procedimento relativamente ao pedido formulado em relação ao ora Recorrido MEL 3. Não sendo esse o caso, a utilidade da presente providência mantém-se.

  3. A Recorrente LILLY é a legitima titular da patente Portuguesa n.° 97 446 a qual, em síntese, protege o composto 2-metil-10-(4-metil-l-piperazinil)-4H-tieno [2,3-b]-[l,5]benzodiazepina (Olanzapina), ou um seu sal com ácidos, o seu processo de síntese, formulações farmacêuticas contendo este composto como substância activa e a utilização destes medicamentos para o tratamento de doenças específicas 5. A Olanzapina está indicada para o tratamento da esquizofrenia e manias associadas com a perturbação bipolar I, sendo eficaz na manutenção da recuperação clínica durante a terapia continuada em doentes que revelaram uma resposta inicial ao tratamento.

  4. O pedido de patente foi apresentado em 23 de Abril de 1991, tendo a Patente sido concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial ("INPI") em 21 de Abril de 1997 e publicada no Boletim da Propriedade Industrial n.° 4/1997 de 31 de Julho de 1997, sendo válida até 21 de Abril de 2012, nos termos do artigo 94 do Código da Propriedade Industrial de 1995 ("CPI 95") - aplicável na data em que a Patente foi concedida - por remissão do Decreto-Lei n.° 141/96, de 23 de Agosto.

  5. Entre a L...e a L..., foi celebrado um contrato, pelo qual aquela concedeu a esta uma licença de exploração da PT 97 446, concedendo-lhe, entre outros, o direito de comercializar, utilizar ou por qualquer outra forma usar, os medicamentos produtos farmacêuticos cobertos pelas reivindicações da Patente, o qual encontra-se registado no INPI.

  6. A Patente confere à sua titular e licenciada da respectiva exploração o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português, o qual se traduz no de impedir que terceiros, sem o seu consentimento, fabriquem, ofereçam, armazenem, introduzam no comércio ou utilizem o produto dela objecto nos termos constantes das reivindicações (art°s 101° e 32° n° 4 do CPI).

  7. O direito emergente da patente é um direito absoluto, na medida em que goza de eficácia erga omnes, impondo a todos os sujeitos jurídicos um dever geral de respeito.

  8. O direito de exclusivo emergente da titularidade de uma patente goza das garantias estabelecidas para a propriedade em geral, nos termos do art° 316° do CPI.

  9. Tal como o direito de propriedade privada em geral, é-lhe atribuída específica protecção constitucional, como direito fundamental de natureza análogo à dos "direitos, liberdades e garantias", beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do art° 17° da Constituição.

  10. Uma vez que os medicamentos genéricos que as Contra-Interessadas se propõem lançar no mercado em Portugal são constituídos por formulações farmacêuticas contendo Olanzapina, produzidos de acordo com os métodos de síntese e de formulação previstos na Patente e expressamente indicados para o tratamento das doenças mencionadas também na Patente, é manifesto que o lançamento desses genéricos no mercado e sua comercialização posterior constituirá uma actividade infractora dessa Patente, visto que tal actividade se não encontra autorizada pelas Recorrentes 13.

    A comercialização de medicamentos no território nacional não é uma actividade livre, pois carece de prévia autorização do Infarmed, nos termos do art° 14 n°l do Decreto-Lei n° 176/2006, de 30 de Agosto (Estatuto do Medicamento).

  11. A autorização de introdução no mercado prevista nessa disposição legal é um acto administrativo "permissivo"*, porque possibilita um conduta doutro modo vedada, mas também tem natureza ''constitutiva", na medida em que investe o seu destinatário no direito de comercializar o específico medicamente a que se reporta, tendo também um conteúdo "impositivo" ou "injuntivo", visto que da sua concessão decorre para o destinatário a obrigação de comercialização efectiva do medicamento que dela é objecto, nos termos das disposições conjugadas do dito art° 14° n°l e do art° 26° n° l a) do Estatuto do Medicamento .

  12. O princípio da legalidade, espelhado no art° 3° do Código de Procedimento Administrativo (CPA) contém um comando de obediência à Lei e ao Direito, ou seja, uma total conformidade não só com as leis e os princípios jurídicos que disciplinam especificamente uma certa conduta da Administração, mas também aqueles que constituem todo o ordenamento jurídico ou o chamado "bloco de legalidade" .

  13. O bloco de legalidade, a que deve obediência conformativa toda a actividade administrativa é constituído por: a. princípios e regras constitucionais, internacionais e legais, b. actos tais como os regulamentos administrativos, os contratos administrativos e actos administrativos constitutivos de direitos e c. outros comportamentos administrativos unilaterais, susceptíveis de consolidar situações jurídicas dos particulares.

  14. A ausência dessa conformidade constitui infracção ao ordenamento jurídico e tem como consequência a invalidade da actividade administrativa infractora.

  15. Ao praticar o acto administrativo de concessão de uma patente, o Estado assume o dever de não conceder autorizações ou licenças administrativas para a prática, por terceiros, de actividades que violem a esfera do exclusivo consagrado por essa patente, quando essas actividades não sejam livres, isto é, quando dependam de autorização administrativa.

  16. As AIM a que os actos se reportam constituem actos inválidos, nos termos do art° 135° do CPA, porque violadores do princípio da legalidade, ao actuar em desconformidade com as vinculações que para o Estado derivam do acto administrativo de concessão da Patente.

  17. De igual modo, e pelas mesmas razões constituiria um acto inválido a concessão de autorização para o PVP dos Genéricos Oíanzapina requerida pelas ora Contra-Interssadas ao MEI/DGAE.

  18. Ao actuar contra um "direito absoluto" das Recorrentes, o Infarmed actuou desc enformem ente com o "bloco de legalidade" incorrendo na consequência invalidante do art° 135 do CPTA o que ocorreria com as autorizações do PVP, se as mesmas viessem a ser concedidas.

  19. Os art°s 62° e 266° da Constituição impõem que a Administração interprete e aplique as leis de modo conforme aos direitos, liberdade e garantias, donde decorre que o Infarmed não pode aplicar o Estatuto do Medicamento de forma incompatível com a protecção, a que está vinculado, do direito de propriedade industrial das Recorrentes.

  20. Essas normas constitucionais saem directamente ofendidas da actuação do Infarmed ao conceder as AIM dos autos, cujo único objectivo e efeito útil será o de franquear às Contra-Interessadas a liberdade para o desenvolvimento de actividades violadoras de um direito fundamental.

  21. Acresce que, tendo os actos administrativos em causa nestes autos, já proferidos ou a proferir, têm como exclusiva finalidade a viabilização jurídica, pela via administrativa, do exercício de uma actividade criminosa que de outra forma não poderia ser praticada, eles não podem deixar de ser considerados, como actos inválidos, fulminados com a nulidade pelo art.° 133.° n.° 2 c) do Código de Procedimento Administrativo.

  22. Tais actos administrativos são ou serão, assim, inválidos, por diversas razões, nomeadamente porque violam o "bloco de legalidade" - assim infringindo o ''princípio da legalidade" enunciado no art° 3° do CPA - e porque ofendem o preceito do artigos 62a e 266° da Constituição - que, in casu, se aplicam directamente - para a além de serem nulos por ofenderem o núcleo essencial de um direito fundamental das Recorrentes e terem como objecto uma actividade criminosa, tudo nos termos do art° 133° n° l c) e d) do CPA.

  23. Tinha, assim o Infarmed e tem o MEI o dever de não praticar tais actos porque os mesmos são lesivos dos direitos das Recorrentes e enfermam de ilegalidades de diversa natureza.

  24. Entre a prolação dos actos de AIM destes autos (e de aprovação dos PVP) e a lesão dos direitos das Recorrentes existe um claro nexo de causalidade adequada, tal como esse conceito foi acolhido pelo art° 563° do Código Civil, uma vez que é evidente que a lesão dos direitos das Recorrentes emergentes da Patente não pode ocorrer sem a emissão daqueles actos, constituindo mesmo uma consequência essencial e normal desses mesmos actos.

  25. A procedência da acção principal parece evidente e, mesmo que tal não ocorra, não é manifesta a sua falta de fundamento, pelo que, nessa perspectiva, deve ser a providência decretada, nos termos das alienas a) e b) do n°l do art° 120°doCPTA.

  26. A apreciação da eventual nulidade da patente, invocada pelas Contra-Interessadas, extravasa claramente do âmbito desta providência cautelar.

  27. A lei estabeleceu para as patentes, assim como para outros direitos de propriedade intelectual sujeitos a registo, um regime de presunção de validade, o qual se encontrava, à data da concessão da PT 97 446, vertido no art° 5° do CPI/95, pelo que a Patente deve presumir-se juridicamente válida até sentença judicial transitada em julgado que decida em contrário.

  28. As Recorrentes têm, pois, a seu favor uma presunção legal de validade dos direitos de que se arrogam, presunção essa que satisfaz plenamente o requisito da summa...

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