Acórdão nº 04205/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelCristina dos Santos
Data da Resolução30 de Outubro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

A ...LP e A ..., Lda., doravante Primeira e Segunda Recorrentes, com os sinais nos autos, inconformadas com a sentença proferida pela Mma. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente o pedido cautelar de suspensão de eficácia dos despachos de AIM proferidos pelo ora Recorrido Infarmed - Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, IP, dela vêem recorrer, concluindo como segue: 1. A douta sentença recorrida julgou, erradamente, como provado na alínea E) dos factos provados que o Certificado Complementar de Protecção n.° 67 se encontra "em vigor até 27 de Março de 2008", por ter fundamentado o juízo sobre a veracidade desse facto, exclusivamente, no conteúdo da certidão emitida pelo INPI (junta pelas Recorrentes como Doe, 4) e numa leitura menos atenta deste documento.

  1. Com efeito, a data de 27 de Março de 2008, constante da certidão emitida pelo INPI refere-se única e exclusivamente ao pagamento da primeira anuidade e não ao limite máximo de validade do Certificado Complementar de Protecção, sendo certo que o prazo de validade deste única e simplesmente da aplicação lei aos factos já dados como provados, em especial do disposto no art. 116.° do Código de Propriedade Industrial e do art. 13.° do Regulamento CE 1610/96 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Julho de 1996.

  2. De tais factos e da aplicação do disposto no art. 116.° do Código de Propriedade Industrial e do art. 13.° do Regulamento CE 1610/96 decorre que o Certificado Complementar de Protecção n.° 67 se encontra regular e em vigor na ordem jurídica portuguesa até 27 de Março de 2012, conforme, aliás decorre do processo constante da base de dados oficial do INPI, cuja cópia se junta.

  3. Assim sendo, deve a alínea E) ser alterada em conformidade com o alegado pelas Recorrentes nos artigos 34.° e 35.° do requerimento inicial e pelo Doe l junto, nos seguintes termos: "Nos termos do Certificado Complementar de Protecção n.° 67, concedido em 24/08/2000 pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial à Primeira Requerente e averbado à ora segunda Requerente e em vigor até 27 de Março de 2012 (...)." 5. As alíneas K), L) e M) contêm a reprodução de passagens de correspondência trocada entre o Infarmed e um tal Sr. Philipe Brunet, da Diréccão-Geral de Empresa da Comissão da EU, na qual o mesmo transmite a opinião de que as Directivas comunitárias sobre medicamentos não impedem a aprovação de introdução no mercado de produtos que violem patentes.

  4. O direito sobre patentes não faz parte do Direito Comunitário, pelo que as Directivas citadas pelo Sr. Brunet não se debruçam sobre as relações entre os direitos emergentes das patentes e os poderes das autoridades nacionais, no que respeita à concessão de autorizações de introdução no mercado de medicamentos.

  5. O Sr. Philipe Brunet isso mesmo confirma, ao afirmar que: "Por razões óbvias tenho de restringir a minha resposta ao conteúdo da legislação farmacêutica Comunitária. Não está abrangido pelas minhas competências decidir sobre possíveis conflitos com a legislação de patentes existente".

  6. Os factos constantes das alíneas K), L) e M) devem, assim, ser eliminados da lista de factos provados dado que, além de inúteis, apenas servem para criar confusões acerca do enquadramento legal das matérias a que os autos se reportam.

  7. No art° 16° do requerimento inicial, as oras Recorrentes alegaram que a Quetiapina, era à data da concessão da patente um produto novo visto que à data em que a patente tinha sido pedida não era parte daquilo que, dentro ou fora do País, tinha sido tornado acessível ao público.

  8. As ora Recorrentes alegaram ainda, no artigo 74.° do requerimento inicial que os Genéricos Quetiapina (assim designados em conjunto os medicamentos das Contra-Interessadas objecto das AIM suspendendas) contêm a Quetiapina como princípio activo, que é fabricado de acordo com o processo descrito na PT 84569, actualmente protegido pelo CCP 67.

  9. Ambos os factos têm interesse relevante para a decisão da causa, já que deles se pode concluir nos termos do art° 10° do Código da Propriedade Industrial de 1940 que a Ebastina era, à data do pedido da patente dos autos, um produto novo, beneficiando, assim, a Recorrente da presunção, estabelecida no art° 98° do actual Código da Propriedade Industrial de que os Genéricos Quetiapina são fabricados de acordo com o processo descrito nas suas reivindicações.

  10. Acresce que como esse factos não foram impugnados por qualquer das demais partes nestes autos, devem o mesmos, em cumprimento do disposto no n.° 2 do artigo 490° do CPC, aplicável ex vi o disposto no art. 1° da LPTA, ser considerado como provados.

  11. Os factos constantes dos artigos 222° a 231°, 233° a 237°, 239° a 241°, 251° a 257°, 262° a 266°, 276°, 277º e 281° do requerimento inicial são importantes para a decisão desta causa, por isso que deles decorre o dano material irreparável ou de difícil reparação decorrente do lançamento do medicamento das Contra-Interessadas autorizados pelos actos administrativos subjudice.

  12. Como tais factos não foram especificamente impugnados pelas Recorridas nem se encontram em contradição com a defesa no seu conjunto devem os mesmos ser tidos como admitidos por acordo e levados à lista da matéria de facto provada, em cumprimento do disposto o n.° 2 do art.° 490° do CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 1.° do CPTA.

  13. O Tribunal a quo apreciou erradamente o requisito do fumus boni juris uma vez que contrariamente ao afirmado na sentença recorrida, a presente providência e a acção principal não se fundam na violação de um eventual dever do Infarmed de indagar acerca da existência de patentes em vigor relativas ao produto da Contra-Interessada, nem de atestar uma tal inexistência, mas na invalidade intrínseca das AIMs concedida a tal produto, com base em violação da lei constitucional, da lei ordinária e ainda do princípio da legalidade na sua dimensão do respeito pelo chamado bloco de legalidade.

  14. Ao exposto acresce que o requisito do fumus boni juris não se afere pelo facto de os Requeridos Públicos sustentarem, ou não a inexistência das ilegalidades alegadas pelas Recorrentes, como o sempre fariam certamente independentemente daquela evidência, ou não, mostrando-se ainda tal argumento do Tribunal a quo plenamente contraditado pelos factos dados como provados, em especial pelo teor do documento cuja emissão é dada como provada na alínea F) da matéria de facto provada.

  15. A questão que se coloca a este Tribunal não pode resolver-se pela simples apreciação específica do Estatuto do Medicamento e do Código da Propriedade Industrial, impondo-se que se lance mão de outras normas legais, nomeadamente de direito constitucional e de direito administrativo, assim como dos princípios gerais, para resolver as questões que se lhe colocam, mesmo em sede desta providência.

  16. Antes do mais, terá, porém, o que não se fez na douta sentença recorrida, de equacionar o direito das Recorrentes emergente da patente, na sua verdadeira dimensão de um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdade e garantias.

  17. A pretensão das Recorrentes funda-se primordialmente, no facto de lhe ter sido concedida uma patente, a PT 84.569 e um certificado complementar de protecção, o CCP 67.

  18. As Recorrentes são, respectivamente, titular e licenciadas do CPP 67 que tem por base a PT 84569 e esta patente protege processos de preparação da Quetiapina, que é o princípio activo dos medicamentos genéricos cujas AIMs foram requeridas, ao Recorrente Infarmed, pelas aqui Contra Interessadas.

  19. É inquestionável a violação dos direitos das Recorrentes emergentes da Patente e do CCP uma vez que as partes aceitaram o alegado pelas Recorrentes, isto é, que o processo pelo qual prepara a Quetiapina que integra os seus medicamentos genéricos não é diverso do processo protegido pela PT 84569.

  20. Nos termos do art.° 97° do Código da Propriedade Industrial (CPI), "o âmbito da protecção conferida pela patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar" e o art.° 101° do mesmo CPI dispõe que "a patente confere o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português", o qual se traduz no "de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objecto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados".

  21. O direito emergente da patente (e de CCP), embora temporário, é um direito absoluto, na medida em que goza de eficácia erga omnes, impondo a todos os sujeitos jurídicos um dever geral de respeito e goza "das garantias estabelecidas para a propriedade em gerar, nos expressos termos do art.° 316.° do Código da Propriedade Industrial.

  22. Como o direito de propriedade privada, em geral, é atribuído ao direito emergente da patente específica protecção constitucional, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do art.° 17.° da Constituição.

  23. A Administração está assim vinculada ao seu respeito, nos termos do art° 18° da Constituição, devendo conformar a sua actividade à sua protecção de acordo com o art° 266° da lei fundamental.

  24. A menção ao art°102° c) do Código de Propriedade Industrial nada pode adiantar em relação a esta matéria, uma vez que tal disposição limita-se a isentar da violação da patente certos actos que, em princípio o seriam, com vista a permitir um pedido de autorização de introdução no mercado de um medicamento.

  25. Essa cláusula legitima os actos preparatórios de um pedido de AIM que, doutra forma pudessem cair no âmbito de protecção de uma patente, mas dela não podem ser retirados efeitos no sentido da legalização de quaisquer actos administrativos ou práticas privadas posteriores a esses actos preparatórios.

  26. A comercialização de medicamentos no território nacional não é uma actividade livre, pois carece de prévia...

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