Acórdão nº 02269/10.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelCarlos Lu
Data da Resolução19 de Abril de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO MUNICÍPIO DO PORTO (doravante «MdP»), devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 21.10.2011, que julgou procedente a ação administrativa especial contra o mesmo deduzida pelo “SINTAP - SINDICATO DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA” (em representação da sua associada APCN(...)) e que anulando a deliberação disciplinar punitiva impugnada [deliberação da CMP de 04.05.2010 que sancionou aquela associada do A. com a pena de suspensão por 90 dias] o condenou “… a praticar todos os atos e procedimentos necessários à reposição da representada do A. na situação jurídico-funcional em que se encontrava à data da deliberação impugnada bem assim como a pagar à representada do A. todas as quantias que, eventualmente, deixou de receber, a título de vencimento, subsídios, e outros, acrescidas de juros desde a data em que deveriam ter sido pagas até efetivo pagamento …”.

Formula o R./recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 279 e segs. e na sequência de convite fls. 367 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. Ao contrário do que se entendeu na decisão em crise, os factos conhecidos em 2005 pelos SMAS não permitiam conhecer a infração disciplinar praticada pela Associada do Recorrido em toda a sua extensão, na medida em que se desconhecia: (i) se os recibos entregues nos serviços e emitidos por aquela Clínica de St.º (...) eram verdadeiros ou falsos, (ii) quais eram verdadeiros e quais eram falsos, (iii) quais os funcionários que eram pacientes naquela Clínica e, nestes casos, que tratamentos haviam realizado, (iv) quais os preços praticados pela clínica pelos tratamentos que realizasse, (v) quem emitia os recibos, quem os entregava nos serviços, (iv) quanto era pago à Clínica ou se algo era pago de todo, (vii) se os recibos emitidos tinham subjacente algum tratamento médico efetivamente realizado, do colaborador ou de terceiro, etc. - ou seja, tudo circunstâncias fundamentais para se apurar se existia ou não alguma falta, quem a tinha praticado, como, quando e de que forma, e quais as consequências da mesma; B. Na denúncia apresentada ao Ministério Público, os SMAS deram conta das dúvidas e suspeitas existentes e não de qualquer conhecimento da existência de faltas - muito menos de faltas praticadas por alguém em concreto, de que forma, quando e com que consequências - sendo que, da lista junta à participação, constavam todos os colaboradores que apresentaram recibos da Clínica de St.º (...) nesse ano, sendo que só parte deles vieram a ser constituídos arguidos (criminal e disciplinarmente), porque somente parte deles tinham apresentados recibos falsos; C. O «conhecimento da falta» (conceito que vem sendo consistentemente usado pela nossa Jurisprudência), aquela a que se reportava o artigo 4.º, n.º 2 do anterior ED não se confunde com «conhecimento de indícios» ou sequer com o «conhecimento de fortes indícios», pois que uma coisa é a falta e outra coisa são os indícios, sendo que o conhecimento da falta se tem de reportar a todos os elementos caracterizadores da situação, de modo a poder efetuar-se uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não o poder sancionador - o que, no caso em apreço, ocorreu somente quando o Presidente da Câmara Municipal do Porto tomou conhecimento da acusação crime deduzida pelo Ministério Público contra os arguidos e, assim, foi dado acesso ao respetivo processo de inquérito crime e toda a prova aí recolhida, sendo assim que o referido preceito legal deveria ter sido interpretado e aplicado; D. O Acórdão ora colocado em crise afirma, por um lado, que os SMAS tomaram conhecimento da falta em finais de 2005 e, por outro lado, que deveriam ter instaurado um processo de inquérito ou de averiguações para apuramento dos factos que desconheciam - o que se traduz num entendimento contraditório em si mesmo, pois que ou se conhece ou não se conhece a falta; E. A instauração de um processo de inquérito ou de averiguações é uma faculdade e não um ónus da Administração, sendo que a sua não instauração tem como única consequência a não suspensão do prazo de prescrição mais longo (previsto no artigo 4.º, n.º 1 do anterior ED), não afetando o prazo de prescrição mais curto (previsto no artigo 4.º, n.º 2 do anterior ED), uma vez que este último só inicia a sua contagem a partir do momento em que a falta é conhecida; F. O Tribunal a quo defende a instauração de um processo de inquérito ou de averiguações, quando o mesmo era, no caso em concreto, inútil, por ser insuscetível de descobrir o que quer que fosse, pois que toda a prova então necessária para se apurar os contornos em que haviam sido cometidas as faltas estavam somente ao alcance de uma investigação desencadeada pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária (nos estritos termos previstos nos artigos 135.º, 174.º, n.º 2, n.º 3, e n.º 4 e 177.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, como de facto veio a acontecer), por ser necessário: (a) Fazer buscas à Clínica para recolha das fichas médicas (protegidas pela Lei n.º 67/98, de 26 de outubro); (b) Fazer o levantamento de sigilo bancário em relação às contas dos colaboradores, Clínica e seus sócios gerentes (todas protegidas pelo artigo 78.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro); (c) Chamar a depor pessoas externas ao SMAS, deontologicamente obrigadas a sigilo profissional (como é o caso dos médicos da Clínica, obrigados a sigilo nos termos dos artigos 85.º e ss. do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, aprovado pelo Regulamento n.º 14/2009, de 13 de janeiro), G. A instauração de um processo de inquérito ou de averiguações, não estando estes cobertos por segredo de justiça, comportava ainda o risco de prejudicar ou inviabilizar praticamente a investigação em curso, pelo que também por aqui o mesmo se revelava prejudicial à descoberta das faltas cometidas e um desbarato de recursos da Administração; H. A prova constante do processo disciplinar permite perfeitamente sustentar a acusação de que houve combinação entre a Associada do Recorrido e os donos da Clínica com vista à emissão dos recibos falsos, nem se compreendendo porque outro motivo é que os recibos teriam sido emitidos, tendo aqui o Tribunal a quo feito uma errada análise da prova constante dos autos; I. A prova dos factos integradores da infração disciplinar é determinada, face aos elementos existentes no processo, pela convicção do instrutor, estando, consequentemente, sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, isto é, segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente - o que aconteceu no caso em concreto, pois só assim se percebe que a Clínica emita recibos médicos falsos, que a Associada do Recorrido receba esses recibos médicos e os entregue nos serviços dos SMAS, recebendo comparticipações a que não tinha direito, ou seja, o comportamento das partes leva a concluir pela existência de um conluio entre ambas, fazendo também aqui o Tribunal a quo uma errada interpretação dos factos e do direito; J. No caso em apreço, a Associada do Recorrido compreendeu perfeitamente o que vinha acusada e pelo que foi punida - sendo que o facto de impugnar esses factos judicialmente não quer dizer que não os tenha compreendido, mas somente que não os aceita - motivo pelo qual, também por aqui, inexiste também o vício de falta de fundamentação do ato injustamente apontado pelo Tribunal a quo; K. Viola claramente o seu dever de zelo a funcionária que, sendo conhecedora das regras regulamentares no que diz respeito à comparticipação de despesas com saúde (ADSE), decide desconsiderá-las, para daí retirar vantagens patrimoniais evidentes a seu proveito, pelo que, a Associada do Recorrido, ao ter entregue nos serviços recibos que sabia serem falsos, para poder receber comparticipações que sabia não lhe serem devidas, não aplicou as regras vigentes nos serviços e na Lei a esse respeito, violando o seu dever de zelo; L. O dever de zelo implica também que o funcionário ou agente deve evitar o desbarato ou a irregularidade nas despesas, sendo que o não cumprimento das regras regulamentares a observar no caso da obtenção de comparticipações médicas implica responsabilidade disciplinar por violação do dever de zelo; M. Face aos factos descobertos e dados como provados, e tendo presente o enquadramento legal aplicável, a pena de suspensão por 90 dias afigura-se como a mais adequada e proporcional, dada a gravidade e censurabilidade da conduta, a culpa do agente e os danos causados ao Recorrente, sendo que, nas hipóteses em que a medida se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a administração se serviu; N. Caso assim não se entenda, e sem prescindir, independentemente dos deveres violados, a conduta infratora adotada pela Associada do Recorrido é a mesma e foi plenamente dada como provada, em sede disciplinar e judicial, tendo sido por essa conduta que aquela foi disciplinarmente punida. Assim, mesmo que se considerasse não ter havido violação do dever de zelo - tese à qual efetivamente não se pode aderir - ainda assim a conduta verificada, a sua gravidade, culpa e consequências, sustentavam a aplicação da pena disciplinar de suspensão por 90 dias; O. Acresce que, tendo ficado demonstrada a violação do dever de isenção, legalmente punível com a pena disciplinar de demissão, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea d) e 18.º, n.º 1, alínea m) do ED, a pena disciplinar de suspensão (menos gravosa) aplicada à Associada do Recorrido situa-se dentro do círculo de medidas possíveis face aos deveres funcionais violados e, assim, proporcional e consistente; P. Com...

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