Acórdão nº 02048/12.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução19 de Abril de 2013
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO O Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, intentou acção para declaração de inibição (perda de mandato) contra JSP(...), Presidente da Assembleia de Freguesia de A(...) (S. Pedro), Maia, residente (…), na Maia.

Invocou, em síntese, que o demandado, na qualidade de eleito local, continua a exercer o cargo para o qual fora eleito e investido, mau grado ter sido, por sentença transitada em julgado, declarado insolvente e sem que, até ao momento, tenha requerido a sua reabilitação.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada procedente a acção e declarada a perda de mandato de JSP(...).

Desta decisão vem interposto recurso pelo Réu que, em alegação, concluiu assim: I – Entende a senhora Juíza, atenta a matéria de facto provada e ao que vai disposto nas disposições conjugadas da alínea a) do nº 2 do art. 6º da Lei Orgânica nº 1/2001 de 14/08 e na alínea b) do nº 1 do art. 8º da Lei nº 27/96, de 01/08, que se verificam os pressupostos factuais e legais que determinam a perda de mandato do ora Recorrente, salvo o devido respeito, entende o recorrente haver uma incorrecta interpretação e aplicação das disposições legais; II – Refere a sentença em crise, que a situação em apreço cabe no tipo de ilícito previsto no art. 8º, nº 1, alínea b) da Lei nº 27/96 de 01/08 e que tal decisão se fundamenta em “(...) efectuar uma interpretação dinâmica e actualista do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, por referência às regras e regimes entretanto vigentes com o CIRE. (...)”; III - Baseando-se para tal em que “(…) o sentido da decisão final da exoneração do passivo restante prevista no CIRE não pode deixar de ser o mesmo que o previsto no CPEREF quanto à reabilitação. (…)”; IV - Referindo ainda, que “(…) a ideia do legislador é a mesma em ambos os diplomas, por referência à ratio legis do artigo 6º nº 2, alínea a): os insolventes reintegrados plenamente na vida económica já são elegíveis, permitindo a lei que comecem de novo, nas palavras ínsitas no preâmbulo do CIRE, está em causa um fresh start. E, na mesma lógica que estava subjacente à ratio legis da previsão da reabilitação, só a partir desse momento poderão (pessoas singulares declaradas insolventes) encontrar-se em situação de elegibilidade, porque “frescas”, “limpas”, em suma, reabilitadas. (…)”; V - Porém, e salvo melhor opinião, tal interpretação não pode ser feita nesse sentido, até porque, actualmente a situação de insolvência não tem a mesma carga negativa que detinha há alguns anos; VI - Aliás, só depois da satisfação do interesse do devedor, surge, em segundo lugar, como finalidade do instituto, a realização de um relevante interesse económico, ou seja, o da rápida reintegração do devedor na vida económico-jurídica.

VII – Acresce que, o instituto da reabilitação previsto no Decreto-Lei n.º 132/93 deixou de ter paralelo em qualquer dos regimes revogatórios subsequentes; VIII – Nesse seguimento, não sendo possível ao Recorrente, ao abrigo do disposto no CIRE, lançar mão deste instituto, uma vez que o mesmo não existe actualmente no nosso ordenamento jurídico, entende o Recorrente dever ser feita uma interpretação ab-rogante no sentido em que a declaração de insolvência deixou de constituir causa de inelegibilidade; IX – Sem prescindir, e a entender-se o mesmo sentido do instituto da reabilitação ao instituto da exoneração do passivo restante, por também aqui se permitir a reabilitação económica do devedor insolvente, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende o Recorrente nunca poder ser à decisão final da exoneração do passivo restante, mas sim ao despacho inicial; X - Uma vez que, não se pode de deixar de atender, em primeiro lugar aos requisitos necessários para ser proferido o despacho inicial de exoneração, em segundo lugar aos efeitos de uma insolvência considerada culposa ou fortuita e, por último, à possibilidade de cessação antecipada do procedimento de exoneração (art. 243º CIRE) e da revogação da exoneração (art. 246º CIRE); XI – Isto porque, se é no despacho inicial da concessão do benefício da exoneração do passivo restante em que há porventura os requisitos mais apertados a preencher e provar, logo, deve considerar-se que este pedido efectuado pelo devedor, corresponde ao pedido de reabilitação previsto no CPEREF; XII - Até porque, é desta ponderada análise de dados objectivos que se vai aferir se o devedor é merecedor de uma nova oportunidade e se está apto para observar a conduta que lhe será imposta; XIII - Salvo o devido respeito por diferente opinião, só nestes casos, ser indeferido o pedido de exoneração do passivo restante; ou a haver cessação antecipada do procedimento de exoneração (art. 243º CIRE) ou ainda, revogação da exoneração (art. 246º CIRE), se poderia, aí sim, considerar que o devedor não se encontra reabilitado e, como tal, inelegível; XIV – Na verdade, para ser reabilitado o insolvente, tinha que alegar e provar que agiu no exercício da sua actividade com lisura e com a diligência normal, isto é, de boa-fé, honradamente, de forma atenta e cuidada à sua actividade, com inteiro respeito pelos interesses dos seus contratantes, sempre procurando não lesá-los nem prejudicá-los; XV - O mesmo se aplica quanto ao pedido de exoneração do passivo restante, em que o insolvente tem que preencher determinados requisitos de ordem substantiva, desde logo, que tenha tido um comportamento anterior ou actual pautada pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência; XVI - Pelo que, ao ser proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante e, ao contrário do afirmado pela senhora Juíza do Tribunal «a quo», nesta fase, é já possível concluir ter tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e de boa fé, pois a atribuição deste benefício pressupõe uma rigorosa análise sobre o comportamento do devedor/insolvente; XVII - É imperioso concluir pois, que mal andou a senhora Juíza do Tribunal «a quo», ao afirmar estar preenchido o tipo de ilícito previsto no artigo 8º, nº 1, alínea b) da Lei nº 27/96 de 01/08, uma vez que deve considerar-se que este artigo da inelegibilidade está revogado, porque o novo Código de Insolvência nem sequer prevê a reabilitação de que fala a lei eleitoral autárquica; XVIII - Ou, caso assim não se entenda, deve considerar-se o devedor reabilitado uma vez proferido o despacho inicial da exoneração do passivo restante; XIX – Ao entender-se o insolvente como reabilitado, cumpre apreciar o elemento culpa, e, nesse seguimento, é de referir que a insolvência quer do Recorrente, quer da LK(...), sociedade da qual o Recorrente foi sócio-gerente, foi qualificada como fortuita, o que, daí resulta que nenhuma acção culposa lhe pode ser imputada; XX - Da insolvência qualificada como fortuita não resultam efeitos nas limitações da capacidade jurídica, havendo apenas efeitos na esfera jurídica do insolvente; XXI - Apenas quando a mesma é qualificada como culposa, decreta a inibição de administrar património de terceiros, inibição para o exercício de comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação ou ainda empresas públicas ou cooperativas, etc., nos termos do art. 189º da Lei 16/2012 de 20 de Abril; XXII - Os efeitos da declaração de insolvência são aqueles que vêm previstos no seu regime especial, não lhe podendo ser aplicados quaisquer outros; XXIII - Pelo que, o despacho inicial de exoneração do passivo restante e a qualificação da insolvência como fortuita deve ser entendida, já por si, a reabilitação do insolvente; XXIV - Entende o Recorrente que resulta evidente que o que subjaz ao impedimento previsto na Lei Orgânica é que exista ou tenha existido uma conduta culposa determinante da situação de falência ou insolvência, devendo ter-se em consideração a culpa do agente; XXV – Sendo que, apenas um grau de culpa relativamente elevado sustentarão a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo; XXVI – Tal factualidade afigura-se de importância vital, uma vez que não podemos esquecer-nos que estamos perante um direito constitucionalmente protegido, uma vez que a inelegibilidade, na medida em que impede o acesso à qualidade de destinatário do acto electivo traduz-se, em termos práticos, num obstáculo jurídico à eleição, consubstanciando uma restrição à capacidade eleitoral passiva (art. 48º e 50º CRP), sendo que o direito de participação na vida pública é um direito de natureza política, que integra o catálogo dos direitos, liberdades e garantias, e embora o direito de apresentação de candidaturas esteja fora do catálogo, enquanto refracção directa dos mesmos direitos, reveste natureza análogo à dos direitos aí elencados, beneficiando, consequentemente, do regime próprio e da força jurídica que o texto constitucional concede aos direitos, liberdades e garantias; XXVII - Pelo que, a manter-se a decisão, será violado o direito constitucionalmente protegido do Recorrente, previsto nos art. 48º e 50º CRP, impedindo-o de se candidatar às próximas eleições autárquicas, consolidando uma restrição ao gozo da sua capacidade eleitoral passiva e, consequentemente, à destruição da sua carreira política.

XXVIII - Acresce que, o Presidente da Assembleia de Freguesia não assume qualquer cargo de gestão financeira e/ou económica, como fundamento para a inelegibilidade, pelo que não haverá lugar à perda de mandato, por motivos de insolvência, na medida em que esta foi qualificada como fortuita e não dolosa, enquadrando-se no âmbito do artigo 10º da Lei de 27/96, de 01/08; XXIX – Logo, não existindo qualquer actuação dolosa, culpa grave, mera culpa ou até simples...

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